Políticos de diferentes cargos eletivos e seus apoiadores, muitas vezes no anonimato, estão fazendo propaganda eleitoral sem identificar quem pagou por elas nas redes sociais. O aplicativo Pardal, criado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), já recebeu 633 denúncias relacionadas às redes sociais no período eleitoral, desde agosto, 82 delas por falta de identificação de CNPJ ou CPF – quase duas por dia. Os dados foram obtidos pelo Estado pela Lei de Acesso à Informação.
Não é incomum encontrar casos do tipo. Um levantamento feito pela reportagem no Facebook identificou ao menos 70 propagandas sem essas informações dos pagantes. São, principalmente, candidatos ao Legislativo e páginas anônimas de militantes dos presidenciáveis.
Apesar da facilidade em encontrá-las, há pouca fiscalização desses anúncios. Só 11 tribunais eleitorais procurados pela reportagem, nas 27 unidades federativas, confirmaram ter recebido alguma representação do tipo, mas os casos não costumam resultar em multa. Uma resolução de dezembro de 2017 estabelece diversas regras para as propagandas eleitorais das eleições deste ano. Entre as novidades está a obrigação de que qualquer publicação impulsionada na internet (quando há pagamento para aumentar o número de pessoas que terão acesso ao conteúdo) deve conter, “de forma clara e legível”, o CNPJ ou número de inscrição no CPF do responsável, além da expressão “propaganda eleitoral”.
Para o professor de marketing digital da FGV André Micelli, há dificuldade em se fiscalizar esse tipo de anúncio por causa da grande quantidade de conteúdo nas redes sociais. “É um terreno muito vasto para ser fiscalizado, que tende ao infinito. Quantas páginas existem no Facebook?”, disse.
Quem não for candidato, partido ou coligação não pode contratar nenhum tipo de impulsionamento a favor de políticos. A multa por violar a legislação pode chegar a R$ 30 mil.
Casos. A coligação da candidata à Presidência da Rede, Marina Silva , entrou na última semana com representação no TSE contra o candidato a deputado estadual pelo Rio Grande do Sul Ruy Irigaray (PSL) por promover anúncios do presidenciável de seu partido, Jair Bolsonaro, em uma página chamada Armas S.A. Por impulsionar imagens em favor de Bolsonaro sem informar quem pagou, o pedido de remoção dos conteúdos foi deferido.
Uma análise feita pela reportagem em postagens no Facebook identificou diversos outros casos. Quando confrontados, responsáveis pelos impulsionamentos dizem desconhecer tal legislação ou que foi um “equívoco”. Para fazer o levantamento, foram consultadas as páginas de todos os candidatos à Presidência, ao Senado e aos governos estaduais que têm Facebook. Também foram consideradas as páginas mais populares de militantes dos presidenciáveis, a partir de dados da ferramenta Crowdtangle. Ao todo foram analisadas 619 páginas.
Foram encontrados anúncios sem indicação do pagante feitas por páginas a favor dos presidenciáveis Jair Bolsonaro e Marina Silva, nas oficiais de João Amoêdo (Novo) e Guilherme Boulos (PSOL), e também do Legislativo, como os candidatos ao Senado Plínio Valério (PSDB-AM) e Marivaldo (PSOL-DF).
Uma das páginas identificadas pelo Estado, "Eu vou Votar em Bolsonaro", que traz em sua foto de capa uma imagem do militar com seu número na urna e o nome de seu vice, impulsionou pelo menos seis postagens sobre o candidato, com textos que mostram que ele lidera nas pesquisas eleitorais, entre outros de apoio, com nome e número na urna. O dono da página, que não quis se identificar, disse à reportagem que não tem nenhuma ligação com o político nem nunca recebeu nenhum dinheiro dele. Ele disse que desconhece a legislação do TSE sobre o tema. A intenção de pagar os anúncios, afirmou, é "desconstruir algumas mentiras sobre o candidato." "Tinha alguns reais que ganhei conteúdo para a internet acumulado no Paypal (plataforma para pagamentos na internet). Como estava lá parado, e aproveitando a promoção que o Facebook estava dando, resolvi gastar dessa forma." Ele não quis se identificar pois disse sofrer "muitos ataques" por se posicionar a favor do candidato.
Problema. Em geral, os casos não resultam em multa. Poucos chegam a ser judicializados, pois o candidato remove a propaganda irregular ao ser notificado - Ministérios Públicos Eleitorais consultados pela reportagem disseram não ter judicializado quase nenhum anúncio do tipo. Há ainda uma dificuldade de identificar todos os anúncios, já que a ferramenta lançada pelo Facebook, a Biblioteca de Anúncios, só registra as propagandas regulares e identificadas pelo próprio anunciante como política, com indicação de pagamento com CNPJ ou CPF. A fiscalização, portanto, precisa ser manual e diária, em cada umas das páginas. Impulsionamentos pagos sem a identificação correta não entram na biblioteca e, depois de pouco tempo, desaparecem sem rastros de identificação. Segundo o Facebook, existe um processo de revisão de anúncios, que utiliza técnicas de machine learning (análise automatizada) e também por funcionários da empresa, para evitar irregularidades. Mas a fiscalização em relação à legislação eleitoral deve ser feita pelas autoridades. “Respeitamos a justiça brasileira e cumprimos decisões judiciais de remoção de conteúdo específico, nos termos da legislação eleitoral e do Marco Civil da Internet”, diz a rede social, em nota.
Procurada, a assessoria de Amoêdo alegou que a falha foi causada “por uma instabilidade na plataforma”, mas que corrigiu e incluiu a identificação após o aviso da reportagem. A campanha de Marina diz que tem não tem relação com a página apontada e lembrou que tem orientado a militância a seguir a legislação vigente. A assessoria de Valério disse que foi “pega de surpresa” pois havia feito o anúncio corretamente. Boulos negou irregularidade. Bolsonaro e Marivaldo não se manifestaram. / COLABOROU CECÍLIA DO LAGO
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