Quem assume a presidência dos Estados Unidos nesta segunda-feira, 20, não é uma pessoa, um líder, Donald Trump, mas um projeto de poder internacional em aliança com os líderes emergentes da direita em todos os continentes, massificado mundo afora pelas principais plataformas da internet e com o uso de aumento de tarifas como chantagem para reduzir a resistência e aumentar a adesão.
Essa é a percepção de quem acompanha de perto a política externa e tem foco na ainda maior potência política, econômica e bélica. Aliás, é justamente pelo temor, ou constatação, de que esse poder não dura para sempre e está cada vez ameaçado, sobretudo pela China, que Donald Trump traçou sua estratégia na geopolítica internacional. Sua ação pode ser vista tanto como ataque quanto como defesa.
Apesar das críticas, da impopularidade e da derrota dos democratas, Joe Biden deixa a presidência com um crescimento maior do que o previsto, a inflação dentro da meta e o menor desemprego em décadas, enquanto a China, apesar de manter altos índices de desenvolvimento, surpreendeu para menos. Mas isso são detalhes. A guerra não está nos números.

Trump volta à presidência com uma força inquestionável, montando um gabinete duro e leal, enfrentando adversários sem líderes e com aliados que dominam as principais armas nas guerras modernas: Elon Musk, do X, e Mark Zuckerberg, da Meta, dona de Facebook, Instagram e WhatsApp, e procura-se um comprador para o TikTok. E ele ao chocar o mundo com suas ameaças de dominação: a anexação do Canal do Panamá, da Groenlândia e do Canadá inteiro. Parece loucura? Pois é tática.
E nós diante de tudo isso? Basta ver quem vai para a posse. Apesar de posses de presidentes nos EUA serem historicamente um evento para dentro do país, não para fora, com ex-presidentes, autoridades e astros americanos, Trump convidou líderes da direita e o presidente da Argentina, Javier Milei, já carimbado como seu principal aliado, talvez não só na América do Sul, mas em toda a América Latina. Para o Brasil, o convite não foi para o presidente, mas para o ex-presidente.
Alexandre de Moraes questionou o convite meio mambembe, depois pediu a posição da PGR, negou entregar o passaporte para Jair Bolsonaro ir à posse e recusou o recurso da defesa. Bolsonaro ficou choramingando no aeroporto, enquanto Michelle embarcou para representá-lo. Não custa lembrar que, inelegível, ele tem ciúme, medo e às vezes raiva de qualquer um, ou uma, que possa substituí-lo ou disputar com ele nas pesquisas.
Michelle não vai sozinha. Uma lista nada pequena de deputados e senadores, incluindo o filho 03, deputado Eduardo Bolsonaro, que se diz amigão dos Trump, e até um ou outro da base aliada de Lula, já foi ou está voando para Washington, levando uma provocação: o pedido para os EUA suspenderem o visto do Xandão. Não só Miami e Boston estarão entupidos de brasileiros.
Talvez por coincidência, talvez nem tanto, Lula marcou a primeira reunião ministerial do ano justamente para segunda-feira. Resta saber se para ignorar a posse de Trump, ou para deixar em segundo plano na mídia a tensão, as broncas e os chororôs da reunião, já que, convenhamos, o governo não está nos seus melhores momentos.
Do outro lado, não dá para dizer que Trump seja pé frio, mas a previsão é de uma Washington congelante, com a temperatura podendo chegar abaixo de 12 graus, e a cerimônia foi transferida para dentro do Capitólio. Não cabe todo mundo. Logo, os convidados serão divididos entre primeiro e segundo time, com boa parte assistindo tudo por um... telão.
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Depois da festa e do gelo, vem a realidade. É quando o mundo vai distinguir o que era bravata e o que era real nas propostas (ou ameaças) de Trump e quando o Brasil saberá como ficarão as relações com os EUA. A expectativa é que, apesar da distância evidente entre os dois presidentes, nada mude nos programas de cooperação e no comércio, por exemplo. A diplomacia e os setores privados se movem.
Desde a eleição, Lula só cumprimentou Trump pelo X. E, além de estar na presidência dos Brics neste ano, já sinaliza que fará nova viagem a Pequim em maio. Os Brics são percebidos com desconfiança pelos EUA, por se oporem ao dólar como moeda internacional e por alavancarem o protagonismo da China. Lula mal disfarça que tem lado, mas o Brasil está numa típica “escolha de Sofia” e, quanto menos se meter na disputa de gigantes, melhor para os interesses brasileiros.