O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, marcou para quinta-feira, 17, o julgamento que analisará a legalidade da prisão após condenação em segunda instância. Uma eventual mudança de entendimento pode afetar diretamente presos no âmbito da Operação Lava Jato, entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O petista está preso desde abril de 2018 após ser condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) no caso do triplex do Guarujá.
Críticos da prisão em segunda instância alegam que ela fere a Constituição Federal e o Código de Processo Penal (CPP), que preveem que uma pessoa só pode ser presa após ser condenada em todas as instâncias, ou seja,com o processo em “trânsito em julgado”. Já seus defensores afirmam que o cumprimento antecipado de pena é uma forma de coibir a impunidade, uma vez que o prazo para que um processo seja julgado em todas as instâncias é demasiadamente longo. O entendimento atual do STF, que permite o início do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância, foi definido em um julgamento em 2016. Por maioria simples (6 votos a 5), os ministros entenderam que o artigo 238 do Código de Processo Penal não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância, mesmo que a sentença ainda seja passível de ser recurso nas terceira e quarta instâncias - Superior Tribunal de Justiça (STJ) e STF, respectivamente. Ou seja, o condenado tem o direito de recorrer até o último grau de jurisdição, mas não em liberdade.
O que diz a Constituição e o Código Processo Penal sobre a prisão em segunda instância?
O artigo 238 do CPP diz que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Já a Constituição Federal de 1988 prevê, em seu artigo 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
São esses os dispositivos usados pelos críticos da prisão em segunda instância para justificar a sua inconstitucionalidade.
Entenda a cronologia das decisões do Supremo sobre a prisão em segunda instância
A primeira vez que o STF foi apelado a analisar o inciso LVII do artigo 5º da Constituição foi em 2009, quando advogados do fazendeiro Omar Coelho Vitor - que em 1991 atirou cinco vezes contra um homem - recorreram à Corte contra um pedido de prisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais por tentativa de homicídio, evocando justamente esse dispositivo constitucional. Ao analisar o pedido de habeas corpus, os ministros decidiram mantê-lo solto até a análise do último recurso possível. Em outubro de 2016, duas ações protocoladas no Supremo - uma pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e outro pelo Partido Nacional Ecológico (atual Patriota) - pediam a concessão de medida cautelar suspendendo a execução antecipada de pena, alegando que o julgamento de um habeas corpus dado pelos ministros em fevereiro daquele ano, no qual se entendia ser possível a execução antecipada de pena, criaria uma jurisprudência controversa em relação ao princípio constitucional da presunção de inocência.
No entanto, por 6 votos a 5, a Corte entendeu ser possível a prisão após a condenação no segundo grau. Embora a decisão fosse sobre um caso específico, juízes de todo o País passaram a usar o entendimento para proferir mandados de prisão de condenados na segunda instância. À época, votaram a favor da prisão em segunda instância os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello votaram contra.
Os votos favoráveis destacaram que a execução antecipada da pena é importante para combater a morosidade da Justiça e a sensação de impunidade. Já os votos contrários alegaram o princípio constitucional da presunção de inocência e a determinação da prisão somente após a sentença em trânsito em julgado.
Em abril de 2018, o STF negou um pedido de HC de Lula, que havia sido condenado em segunda instância pelo TRF-4 no caso do triplex do Guarujá e pedia para aguardar em liberdade até que fossem esgotados seus recursos ou ao menos até o julgamento do STJ.
A ministra Rosa Weber votou contra o HC do ex-presidente, apesar de ter um posicionamento contrário à prisão em segunda instância. “Reputo o princípio da colegialidade imprescindível (isto é, necessário e suficiente) para o sistema, porquanto a individualidade dentro do tribunal, no processo decisório, tem um momento delimitado, a partir do qual cede espaço para a razão institucional revelada no voto majoritário da Corte”, disse na ocasião.
Durante o julgamento, alguns ministros, como Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski, destacaram a necessidade de a presidente à época, Cármen Lúcia, colocar em discussão o tema geral da prisão em segunda instância para firmar um entendimento fora da análise de um caso específico, como das outras vezes em que o Supremo tratou do assunto.
Em dezembro de 2018, Marco Aurélio Mello, diante da demora da apreciação do caso, deu uma liminar que derrubava a possibilidade de prisão em segunda instância, mas a decisão foi suspensa por Dias Toffoli no mesmo dia. A decisão de Marco Aurélio poderia abrir caminho para a soltura de Lula.
Um ano depois, em abril de 2019, o ministro Dias Toffoli, que substituiu Cármen Lúcia na presidência da Corte, decidiu retirar da pauta o julgamento das ações que tratavam da prisão após condenação em segunda instância. Segundo apuração do Estado à época, integrantes do STF avaliavam que aquele não era o melhor momento para julgar o tema, já que o recurso de Lula contra a condenação no caso do triplex ainda não havia sido julgado e, portanto, a decisão poderia influenciar diretamente na prisão do petista. O receito é que a discussão fosse “fulanizada”. Toffoli retirou as ações da pauta após um pedido feito pelo conselho da OAB, que afirmou que sua recém-empossada diretoria precisa se “inteirar” melhor do processo, do qual a entidade é uma das autoras. Como forma de pressionar Toffoli a pautar o assunto, o ministro Ricardo Lewandowski decidiu submeter ao plenário da Corte, no fim de setembro deste ano, a análise de 80 casos em que o próprio ministro barrou a execução antecipada de pena de presos condenados em segunda instância. Nesta segunda-feira, 14, Marco Aurélio, relator de três ações que discutem a prisão em segunda instância, afirmou que os integrantes da Corte não são “justiceiros”, mas sim “defensores da Constituição”.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.