A precariedade da gravação da conversa do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) com procuradores da República desmontou a estratégia da base governista e do PMDB de tentar constranger o ex-presidente do Senado. A transcrição da gravação apresentada nesta quinta-feira pelo foneticista Ricardo Molina à Comissão de Fiscalização e Controle do Senado também enterrou, praticamente, a possibilidade de abertura de um processo por falta de decoro parlamentar para cassar o mandato de ACM. O motivo é que a degravação apresentada por Molina não traz a passagem publicada pela revista IstoÉ, na qual ACM teria confidenciado aos procuradores dispor da lista de quem votou a favor e contra a cassação do ex-senador Luiz Estevão. Além disso, o foneticista negou veementemente que tenha feito a transcrição da fita publicada pela revista. "A transcrição que fizemos difere bastante da que a IstoÉ fez", disse Molina. "Há divergências entre as duas transcrições: ou a revista editou falas esparsas ou publicou os trechos da conversa que são inteligíveis", explicou o perito. Segundo a IstoÉ, ACM também teria dito que a senadora Heloísa Helena (PT-AL) teria votado contra a cassação de Estevão. E a confissão de que teria a lista de votação seria o principal argumento para cassar o mandato de ACM. Mas na transcrição apresentada nesta quinta-feira por Molina, o ex-presidente do Senado aparece apenas dizendo "Heloísa Helena votou nele ... eu tenho todos que votaram nele". Além disso, a transcrição apresentada por Molina não traz a passagem na qual ACM teria dito aos procuradores que se o sigilo telefônico e bancário, de 1994, do ex-secretário geral da presidência Eduardo Jorge Caldas Pereira fosse quebrado acabaria atingindo o governo e o presidente Fernando Henrique Cardoso. "O Senado deveria ter sido poupado desse triste espetáculo da Comissão de Fiscalização, e toda a celeuma criada visava apenas me atingir numa fase em que estou apresentando denúncias graves", reagiu ACM. "O presidente Fernando Henrique deve estar, hoje, com remorso de ter demitido dois ministros em função de coisas inexistentes", completou o ex-presidente do Senado, que assistiu a todo o depoimento de Molina em seu gabinete na companhia do governador da Bahia, Cesar Borges. O presidente Fernando Henrique Cardoso demitiu, há duas semanas, os dois ministros apadrinhados por ACM - o senador Waldeck Ornélas (PFL-BA) e Rodolfo Tourinho - depois da divulgação pela IstoÉ do teor da conversa do ex-presidente do Senado com os procuradores. A precariedade do áudio e da transcrição da fita apresentada por Ricardo Molina decepcionou os senadores. "A fita está muito tênue em relação à reportagem da IstoÉ", observou o senador Pedro Simon (PMDB-RS). "O ACM tem motivos para comemorar, e foi uma palhaçada montada pelo governo para esvaziar qualquer possibilidade de CPI e constranger o ACM", afirmou o senador José Eduardo Dutra (PT-SE). "Está claro que ele (ACM) não tem a lista de quem votou contra ou a favor da cassação do mandato de Luiz Estevão", sustentou o petista. Já o PMDB, partido do presidente do Senado, Jader Barbalho (PA), principal inimigo de ACM, desdobrou-se para tentar incriminar o ex-presidente do Senado. A tarefa ficou a cargo do líder do partido, senador Renan Calheiros (AL), que chegou a dizer que o teor da conversar entre ACM e os procuradores, publicado pela IstoÉ, era "quase literal" à transcrição apresentada ontem por Molina. "O perito Molina praticamente ressuscitou uma fita inaudível, comprovou que não houve montagem", ressaltou Calheiros. "Pode ser que se chegue sim à cassação, mas isso só poderá ser aprovado pela Comissão de Ética e Decoro Parlamentar e não por esta comissão", acentuou o senador Ney Suassuna (PMDB-PB), relator do caso na Comissão de Fiscalização e Controle do Senado. Para fazer frente à estratégia montada pela base governista, o senador Antonio Carlos designou uma verdadeira "tropa de choque" do PFL para acompanhar o depoimento do perito Ricardo Molina na Comissão de Fiscalização e Controle. O mais enfático foi o ex-ministro Ornélas, que fez de tudo para desacreditar o teor da fita e qualificou a revista IstoÉ de "mentirosa e descarada". "Vamos arquivar essa bobagem", reivindicou o senador. O líder do PFL, senador Hugo Napoleão (PI), e o senador Bello Parga (PFL-MA) também se esmeraram em defender ACM. A tropa de choque também teve a participação dos deputados do PFL baiano José Carlos Aleluia, Ursicino Queiros, Jorge Koury e Paulo Magalhães. Mas a estratégia da base governista e do PMDB, que montaram uma verdadeira parafernália para tentar constranger o ex-presidente do Senado, não deu certo. Como o áudio da fita da conversa entre ACM e os procuradores era muito ruim, o tiro acabou saindo pela culatra. Não era possível entender a conversa e, por isso, a fita acabou não sendo ouvida integralmente. A reunião foi aberta e transmitida ao vivo pela TV Senado, que passou a tarde inteira desta quinta-feira repetindo o depoimento de Molina. "Como ainda estou no espírito de carnaval, esta reunião recebeu nota 10 em alegorias e adereços e nota zero em enredo", concluiu Dutra.