Ex-secretário de Portos de Tarcísio de Freitas decidiu a favor de grupo que o contratou

Diogo Piloni autorizou prorrogação de arrendamento de terminal em Santos antes de sair do governo; suposto conflito de interesses é questionado na Comissão de Ética da Presidência da República; candidato elogia atuação de ex-auxiliar

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Por Luiz Vassallo
Atualização:

Quatro meses antes de receber uma proposta para deixar o governo federal, o ex-secretário Nacional de Portos Diogo Piloni assinou a prorrogação do arrendamento de um terminal na região portuária de Santos de uma empresa controlada pela multinacional que o contratou. O ato não ganhou publicidade no Diário Oficial da União e ficou restrito aos sistemas internos do Ministério da Infraestrutura, à época sob comando de Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato a governador de São Paulo. Um requerimento feito à Comissão de Ética da Presidência da República pede a reprovação da ida de Piloni à empresa por “conflito de interesses”.

Piloni ocupou cargos de gestão no setor portuário nos governos Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL). Foi presidente do conselho da Companhia de Docas do Rio, diretor da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e diretor da Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos antes de assumir a Secretaria dos Portos na atual gestão, em janeiro de 2019, no início do governo.

Diogo Piloni ocupou cargos destacados nos governos Dilma e Temer antes de assumir a Secretaria de Portos em 2019. Foto: Ricardo Botelho/MINFRA

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A administração do ex-secretário é assunto sensível à candidatura de Tarcísio ao Palácio dos Bandeirantes. A pasta envolve a gestão de uma intensa disputa de mercado, marcada por trocas de acusações entre concorrentes e até mesmo investigações no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A política de privatizações e concessões de portos é tida como carta na manga e, ao mesmo tempo, telhado de vidro do ex-ministro no debate sobre sua atuação em São Paulo, como mostrou o Estadão.

Piloni anunciou sua saída do governo para integrar os quadros da suíça Terminal Investments Limited (TIL). Em uma joint-venture com a APM Terminal, com sede em Haia, na Holanda, a multinacional controla a Brasil Terminais Portuários (BTP). Segundo apurou o Estadão, a proposta de trabalho, como consultor na área internacional, foi formalizada no dia 31 de março ao então chefe da pasta de Portos. Em junho, ele anunciou sua saída do governo.

O Estadão obteve acesso a uma decisão assinada por Piloni que deferiu um pedido da BTP pela prorrogação do arrendamento de uma área do Porto de Santos. A decisão é de 14 de novembro de 2021, e consta apenas dos sistemas processuais internos do governo federal. A falta de publicidade tem como base um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), de 2020, que trata da desnecessidade de publicação quando o ato for “tão somente para dar andamento” a um processo administrativo.

A decisão contou com apoio da área técnica do Ministério da Infraestrutura e da Antaq, segundo apurou o Estadão. O pedido de prorrogação mencionava R$ 1,3 bilhão em investimentos no porto, o que envolve a ampliação do terminal e a compra de maquinários. A entrega do ofício com o pedido de prorrogação foi registrada pela própria BTP, com direito a foto da reunião com Piloni, em maio de 2021.

Ato assinado pelo então secretário Diogo Piloni que autorizou a prorrogação do arrendamento da área da BTP no Porto de Santos. Foto: Reprodução do sistema eletrônico de informações do governo federal Foto: Reprodução

Piloni deu ciência à Comissão de Ética da Presidência da República em abril de 2022 sobre a proposta que recebeu da TIL. Nos autos do processo, obtidos pelo Estadão, admitiu ter tido acesso a “informações privilegiadas” e que “manteve relacionamento relevante” com a BTP. No entanto, afirmou que essa relação é “irrelevante”, considerando que sua atuação não se daria em “território nacional”.

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Em suas considerações ao órgão, Piloni, de maneira geral, admitiu que foi responsável por tratativas sensíveis com empresas do setor, o que inclui a BTP, mas também não expôs em detalhes sua relação com a empresa. A decisão de prorrogação do arrendamento, por exemplo, não é exposta individualmente no processo.

No julgamento, a comissão entendeu que ele deve respeitar uma cláusula de “não atuação no setor portuário brasileiro” e se resguardar, “a qualquer tempo”, de usar informações privilegiadas em razão do cargo que ocupou. Pesou na decisão unânime a favor de Pilani o fato de o cargo assumido por ele ter relação com o mercado estrangeiro, não o nacional, o que envolveria contato direto com sua antiga pasta.

Mesmo assim, a troca da secretaria por um cargo em uma empresa com a qual lidava diretamente continua a motivar questionamentos no mercado de logística. Um deles partiu de uma entidade presidida por um engenheiro da área de ferrovias e foi endereçado ao Comissão de Ética da Presidência da República. Presidente da Associação Guarujá Viva, José Manoel Ferreira Gonçalves pediu, no dia 5 deste mês, ao colegiado, que reabra o processo e impeça Piloni de exercer funções na TIL em razão de alegado “conflito de interesse”.

“O fato é que o então secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários foi no mínimo imprudente ao tratar dos pleitos formulados pela BTP, empresa controlada pela sua atual empregadora, o que demandaria a análise por esta comissão de possível impedimento ético para exercer o cargo privado na TIL”, afirma a entidade, na petição.

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Gonçalves é engenheiro civil especialista em ferrovias. Fundou a entidade para acompanhar políticas locais da Baixada Santista, como a discussão em torno de plano diretor, emprego e meio ambiente na área do Porto de Santos.

Concorrentes

Pedidos semelhantes ao da BTP pela prorrogação de arrendamentos na mesma região chegaram a ser negados pela gestão de Piloni à frente da Secretaria do Portos. Um dos casos diz respeito ao arrendamento de um terminal de contêineres da Marimex, cujo pedido de prorrogação foi rejeitado pelo ex-secretário. A decisão foi revertida pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a pedido da própria empresa , com apoio da Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegários (Abtra).

A Abtra, que tem entre suas associadas empresas como a Santos Brasil e a DPW, que adquiriu a Embraport, antigo braço portuário da Odebrecht, trava uma guerra contra a TIL pelo controle dos terminais de contêineres em Santos. A disputa, que envolve trocas de acusações, fez com que o Cade abrisse uma investigação para apurar práticas anticompetitivas da empresa suíça. Trata-se de uma disputa entre players que são potenciais concorrentes pela privatização do Porto de Santos, cujo edital foi divulgado na semana passada.

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No exercício do cargo, Piloni, por outro lado, também aceitou pedidos de concorrentes da TIL, como o reperfilamento de investimentos em uma área da Santos Brasil, e um outro processo que envolveu investimentos de R$ 700 milhões em um terminal controlado pela DPW. Procurados, a TIL e Piloni não se manifestaram.

Excelente profissional

Ao Estadão, Tarcísio defendeu seu ex-secretário e afirmou, em nota, que Piloni “é um excelente profissional e fez um grande trabalho como secretário nacional no Ministério de Infraestrutura”. Para o ex-ministro, a “decisão sobre o futuro profissional de Diogo Piloni é de cunho pessoal”. “Tenho certeza de que fará um grande trabalho onde escolher seguir sua trajetória e seguirá contribuindo para o desenvolvimento da infraestrutura do País”.

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“Nos últimos anos, os portos do Brasil tiveram um indiscutível salto de eficiência, e isso se deve à gestão técnica que foi realizada e que rompeu paradigmas os quais permitiram inclusive que os portos registrassem sucessivos recordes de movimentação de cargas mesmo durante a pandemia”, disse.

O ex-ministro e candidato ao governo de São Paulo afirmou que, “entre alguns exemplos importantes da transformação no setor nos últimos anos, está a realização da primeira desestatização portuária da história, a Codesa, a estruturação da privatização do Porto de Santos, a mudança na gestão nas companhias docas, que passaram a dar lucro após décadas de prejuízo, a aprovação do novo marco regulatório da cabotagem, uma importante transformação na logística brasileira”.

Tarcísio mencionou ainda “o arrendamento de 36 terminais portuários — o maior número já realizado pelo governo federal —, a assinatura de 99 contratos de adesão de Terminais de Uso Privado, consolidando a autorização de cerca de R$ 25 bilhões em investimentos privados em pouco mais de três anos e em um setor no qual mais de 90% dos investimentos são privados, entre outras conquistas importantes”.