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Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião | Derrapada de Lula sobre alta de preços vai muito além de problema de comunicação

Sidônio Palmeira, da Secom, tem alguns desafios que talvez nem as mais modernas técnicas de comunicação do mundo conseguirão enfrentar a contento

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Foto do author Fabiano Lana
Atualização:

A gestão de Sidônio Palmeira como ministro da propaganda do governo Lula 3 parece ter o vício da frivolidade cibernética que marca o espírito de nossos tempos. Aparentemente haverá mais atenção a vídeos tiktokers com o presidente, bonés com slogans edificantes, descontração e até mesmo trilhas sonoras de fundo. Mas está longe de tocar nas feridas que têm como consequência os problemas de popularidade da gestão.

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Sidônio tem alguns desafios que talvez nem as mais modernas técnicas de comunicação do mundo conseguirão enfrentar a contento. O primeiro é que o País está cindido. Há uma torcida apaixonada e muitas vezes irracional a favor ou contra líderes políticos com traços populistas. O amor a um é exatamente proporcional à repulsa ao outro. Traduzindo: quem gosta de Lula não gosta de Bolsonaro e vice-versa. É algo que tem a ver com afetos, com necessidade de ter um líder a seguir (quase) cegamente, e outras coisas das profundezas da alma humana que é de difícil tratamento superficial. Enfim, como falar para todo mundo e não apenas com a turma que pensa igual?

O outro é algo chamado realidade. Termos como real, verdade, ou correlatos são de difícil definição. Mas podemos provisoriamente chamar de real como a barreira que impede de realizar nossas fantasias – pessoais, profissionais, amorosas, e, no caso políticas. Que comunicação pode dar conta de um problema que incomoda tanto como a inflação de alimentos? Talvez nenhuma. A não ser que os preços voltem a se tornar estáveis.

Lula, presidente da República Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Mas aí temos outra questão que Sidônio está lidando agora. O conceito de economia do PT mistura certo negacionismo quanto às limitações da economia com propostas que são intrinsecamente inflacionistas – como por exemplo o crescimento econômico a partir da expansão do Estado, mesmo que por meio de déficits públicos.

Quando há mais de 30 anos o PT votou contra o Plano Real foi mais do que picuinha de oposição. Combater inflação, o que exige contas equilibradas, de certa maneira nunca foi uma prioridade do petismo. Não é à toa que o maior inimigo do Brasil para tantos é o ex-presidente do Banco Central Roberto Campos, que aumentava o juros com o intuito oficial de derrubar os preços. Talvez por conhecer bem sua turma que Lula – sempre às voltas com contradições e ambiguidades – colocou como presidente do Banco Central em seus dois primeiros governos um banqueiro internacional tucano.

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No governo Dilma, quando, pela primeira e única vez, houve consonância entre ministro da Fazenda, presidente do Banco Central com o pensamento tradicional do petismo sobre economia a consequência foi uma das maiores crises de todos os tempos. A fala de Lula em que traz uma visão cândida sobre inflação – em que pede para nós escolhermos os produtos mais baratos, o que aliás sempre fazemos, foi apenas uma recaída da visão tradicional do petismo sobre economia. O problema – muito mais do que ter tornado uma estratégia de comunicação – é que quando a tese do PT sobressai a história nunca acaba bem.

Opinião por Fabiano Lana

Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.

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