A prisão do deputado bolsonarista: sintomas e perspectivas

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Por Rodrigo Augusto Prando
Atualização:
Rodrigo Augusto Prando. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Sem o Rei Momo nas ruas, sem bailes, desfiles, eis que um deputado decide promover sua folia, novamente, nas redes sociais, animando o carnaval bolsonarista e extremista. O Deputado Federal Daniel Silveira (PSL-RJ) gravou e divulgou vídeo com ataques ao Supremo Tribunal Federal, aos ministros da Corte e, ainda, fez apologia do AI-5 (Ato Institucional - de 1968, um dos instrumentos mais duros do Regime Militar). No mesmo dia, Silveira, que já é investigado no STF no inquérito das fake news e atos antidemocráticos, teve sua prisão em flagrante e sem direito à fiança decretada pelo Ministro Alexandre de Moraes.

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Como não poderia deixar de ser, as discussões jurídicas pululam no país, especialmente, no que tange ao Art. 53 da Constituição Federal que indica que "Os deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos". Outros dois aspectos atinentes ao tema são se: 1) o crime é em flagrante e  2) caracteriza como inafiançável. Há teses jurídicas para todos os gostos: que a Corte pesou a mão, que a prisão é arbitrária e que há elementos legais que podem sustentar a decisão de Moraes. Tratando-se de uma decisão monocrática, a prisão de Silveira foi levada ao plenário do STF. Lá a decisão foi unânime e os 11 ministros mantiveram Silveira preso, portanto, considerando legal a ordem de um de seus ministros. No § 3º, do Art. 53, assevera-se que o deputado preso em flagrante de crime inafiançável deve ter os "autos [...] remetidos, dentro de vinte e quatro horas, à Casa respectiva, para que, pelo voto secreto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão e autorize, ou não, a formação de culpa". Aqui, então, a despeito do elemento jurídico presente no caso em tela, temos a dimensão política e as relações de freios e contrapesos que um Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) deve exercer na relação com os demais Poderes.

Silveira, deputado bolsonarista, buscou escudar-se na "liberdade de expressão" e na "inviolabilidade de suas opiniões, palavras e votos" para atacar os alicerces da democracia, dos valores republicanos, da harmonia entre os poderes. Muitos, não sem razão, notaram as contradições de alguém que usa a democracia - a tese da liberdade de expressão - para atacar a própria democracia e, depois de preso, quer continuar a ameaçar juízes e as instituições. Politicamente, o deputado tinha certeza, deixou isso claro no vídeo que fez no momento de sua prisão, que logo estaria solto e peleando contra os ministros do STF, com o povo ao seu lado. O desejo talvez não se concretize, não tão rapidamente, ao que parece. Arthur Lira, Presidente da Câmara, buscou costurar um acordo junto ao STF, aos seus pares deputados e até visitou o Presidente Jair Bolsonaro. Havia entendimentos de que, no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, Silveira, depois de solto, poderia receber uma reprimenda e uma suspensão (ao que parece, da prisão, avisou aos colegas que aceitaria, no máximo, dois meses de suspensão...). Segundo informações, Bolsonaro não se apresenta disposto a, novamente, se desgastar com o STF por Silveira e Lira, por sua vez, gostaria de tocar pautas econômicas, novo auxílio emergencial ou ligadas às reformas e não desviar a atenção para o extremismo do deputado do PSL, que, aliás, divulgou nota indicando pela expulsão de Silveira de seus quadros.

Daniel Silveira - da placa quebrada por ele com o nome de Marielle Franco até sua prisão por atacar o STF - trilha um caminho já conhecido. Outros políticos bolsonaristas e o próprio Bolsonaro escolheram, cuidadosamente, suas palavras e ações e, com isso, ganham audiência e força política. Silveira não é "causa" mas, certamente, um sintoma de algo mais profundo e grave, no Brasil e no mundo. Vivemos tempos de ataques sucessivos à democracia, ao conhecimento, à ciência e isso vem em torpedos de fake news, pós-verdades, negacionismos e toda a sorte de teorias da conspiração.

Temos, infelizmente, um déficit de democratas. Não há democracia e valores substantivos democráticos sem democratas. A política e os políticos são desprezados, xingados; contudo, todos os membros do Executivo e Legislativo foram eleitos, legitimados pelo voto. Muitos deputados bolsonaristas - Silveira, dileto representante - não foram socializados em partidos políticos, com contato com outros atores políticos, tendo que dialogar, debater, vencer ou perder com argumentos. Tampouco, puderem vivenciar espaços de reflexão e ação em movimentos sociais, Ongs, Organizações do Terceiro Setor, movimentos estudantis. Nada. Isso tudo - para os bolsonaristas -  é coisa de comunista, repleto de "marxismo cultural". Muitos destes políticos bolsonaristas desprezam os partidos políticos e a política, substituem a força do argumento pelo argumento da força; os adversários são tomados como inimigos, a serem eliminados simbólica ou concretamente. Pularam das redes sociais para o mundo da política, sem educação cívica, democrática e conhecimento do funcionamento dos poderes e de suas temporalidades.

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Caberá, em breve, à Câmara dos Deputados avaliar o comportamento de Silveira e traçar perspectivas. Poderão, deputados ou senadores, atacar os valores democráticos e as instituições da República, sob alegação de liberdade de expressão e livre manifestação do pensamento no bojo de seu exercício parlamentar? Deputados, coadunados no sprit de corps, criarão entreveros com o STF? O Poder Legislativo amparou, por muito tempo, as opiniões do Deputado Jair Bolsonaro, folclórico, do baixo clero, ao elogiar torturadores, fazendo apologia ao Regime Militar e até sugerir o fuzilamento do, então, Presidente Fernando Henrique Cardoso. Se o Parlamento repetir com Silveira e a sociedade aceitar, mais uma vez, tais palavras e ações, teremos, no futuro não muito distante, não o Mito, mas o "Mitão", o Mito hipertrofiado, pura testosterona, na versão 2.0.

Foco no sintoma ou na causa? Eis o fulcro da questão.

*Rodrigo Augusto Prando, professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Cientista social, mestre e doutor em Sociologia, pela Unesp

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