Laís F. Thomaz é Vice Diretora da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) pela Regional Centro Norte e Professora da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Tullo Vigevani é Professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC). Ambos são Pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU).
A identificação dos pontos relevantes da agenda entre Brasil e Estados Unidos a partir de janeiro 2019, traz elementos significativos a respeito da mudança de orientação da administração Bolsonaro em relação a aspectos importantes da tradição diplomática anterior. Mas também aspectos de continuidade em relação à administração Temer.
A respeito da possibilidade de modificações radicais da política externa brasileira, há opiniões divergentes no que se refereà capacidade de tais mudanças produzirem resultados para o interesse nacional. Apesar de Trump e Bolsonaro compartilharem afinidades e valores ideológicos, quando analisados episódios que compuseram parte significativa da agenda da administração bolsonarista, ou acordos assinados em seu mandato, é evidente a falta de real reciprocidade. Pensemos em alguns casos, tais como Fusão da Boeing com a Embraer que posteriormente não ocorreu, o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) de Alcântara e o Acordo de Pesquisa, Desenvolvimento, Teste e Avaliação (RDT&E) e a isenção de Vistos aos Norte-Americanos, bem como a posição dos EUA e o interesse do governo pelo ingresso na OCDE. Nas relações econômico-comerciais em geral, o Brasil é um dos poucos países no mundo que vem mantendo há anos déficit no seu balanço comercial justamente com os Estados Unidos. Ainda que muitas das negociações não tenham origem neste governo, a forma pela qual foram levadas adiante demonstraram a alteração de valores e estratégias.
No que se refere aos ganhos esperados por essa mudança, nossa interpretação é que, no balanço geral, a resposta depende da Weltanschauung da qual e parte. O argumento das áreas econômicas da equipe de Bolsonaro é que a aproximação com os Estados Unidos é importante pelos seus potenciais benefícios. Posição essa que havia sido defendida no período dos governos do PT pelos seus opositores. Parte do núcleo duro da administração Bolsonaro, com forte influência de Steve Bannon, considera a estreita relação com o governo de Trump como necessária e de interesse maior para o Brasil. Tanto no plano econômico, quanto no estratégico e no político.
Os ganhos esperados, em especial pela ala econômica do governo, seriam no sentido de posicionar o Brasil como um país confiável para os países desenvolvidos e assim atrair mais investimentos, reforçando as demandas pela maior inserção nas cadeias globais de valor. Segundo seus formuladores, passaria por uma estratégia de diminuição do papel do Estado na economia. Até fevereiro de 2020, portanto antes da depressão resultante da COVID-19, não havia qualquer resultado positivo. Um possível acordo comercial, que vem sendo discutido no âmbito da Casa Branca e do Planalto, também está sendo questionado. Os representantes do Partido Democrata - que têm maioria na Câmara dos Deputados dos EUA - na Comissão de Orçamento e Tributos (Ways and Means), em 3 de junho de 2020, declararam que são contra qualquer acordo comercial com o Brasil de Bolsonaro. Vale ressaltar que esta é a comissão mais importante no Congresso norte-americano.
Bolsonaro aponta para a rejeição de tecnologias não desenvolvidas pelos Estados Unidos, inclusive nos campos inovadores e definidores para o século XXI, como 5G, inteligência artificial, etc., na expectativa de ganhos com os norte-americanos. Por outro lado, Trump anfitrião do próximo G7, propõe chamar também Rússia, Coréia do Sul, Índia e Austrália quando a reunião acontecer, mas o Brasil não é citado, ao menos até este momento. Quando o presidente norte-americano cita os países com pior desempenho no combate à COVID-19, o Brasil é sempre destaque. Por isso, tem adotado medidas para evitar que os brasileiros tenham acesso a seu país.
Fica a pergunta: se a estratégia é perdedora, isto é, a posição do governo Bolsonaro vai se enfraquecendo pela deterioração da confiabilidade internacional no Brasil em razão da crescente crise de suas instituições, o que estimula a atual administração de Brasília a perseguir este caminho de alinhamento subalterno?
Prevalece a concepção de uma nova "guerra-fria", daí os ataques sabidamente absurdos aos potenciais adversários dos Estados Unidos, como a China. O motor que impulsiona as relações com os Estados Unidos são o alinhamento, portanto a rejeição do multilateralismo e da prevalência do direito internacional, o afastamento da América Latina, sobretudo da Argentina, e dos BRICS. São questões totalmente afastadas dos objetivos históricos declarados da política externa, conforme artigo publicado em 8 maio de 2020 na Folha de S. Paulo de todos os ex-ministros das Relações Exteriores desde 1990.
O estudo mais aprofundado da agenda e do processo de negociações bilaterais com os Estados Unidos demonstram que as expectativas e demandas são constantemente frustradas. A agenda bolsonarista não está sendo capaz de gerar qualquer resultado concreto até mesmo em termos dos objetivos propostos de política externa pelos seus formuladores. Se não foi capaz de produzir qualquer resultado em relação ao país com o qual foram feitas as maiores concessões, o indicativo é claro: o enfrentamento a grande parte da comunidade internacional, países e organizações como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas (ONU), terá custos altos, que poderão ser sanados - em uma visão otimista - apenas em décadas.