Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Brasília entre Lima e Lisboa

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Por Redação
 Foto: arquivo pessoal

Guilherme Frizzera, Doutor em Relações Internacionais pela UnB e Coordenador do curso de Relações Internacionais da Uninter. Publicou recentemente o livro "Do Congresso do Panamá à UNASUL: a defesa na integração da América Latina (1826-2008)

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Na última década, todo e qualquer movimento de insatisfação política e social de maior repercussão - as manifestações de junho de 2013, o impeachment de 2016 e o lavajatismo - vem acompanhado de alguma solução que aponta para a necessidade de uma profunda reforma no sistema político brasileiro. Alguns balões de ensaio foram jogados, como o projeto do voto distrital, e algumas mudanças foram implementadas, como a cláusula de desempenho dos partidos políticos. No entanto, um dos debates que ocorre com maior frequência e tendo como porta-vozes algumas autoridades da República, é a proposta de mudar o presidencialismo vigente para o semipresidencialismo.

Atualmente discutido através de um Grupo de Trabalho na Câmara dos Deputados, o semipresidencialismo apresenta como principais características a separação entre o Chefe de Estado e o Chefe de Governo, tendo a configuração partidária do Congresso Nacional sendo decisiva para a escolha do gabinete ministerial do novo governo. Resumidamente, os eleitores elegeriam um Presidente de República com poderes limitados e que passaria a indicar um primeiro-ministro responsável por tocar a administração pública federal. Em tese, o presidente respeitaria a representatividade partidária do Congresso, nomeando como primeiro-ministro a liderança indicada pela maior coligação de partidos.

No plano ideal dos entusiastas do semipresidencialismo, haveria um maior equilíbrio de forças políticas entre o executivo e o legislativo, principalmente por conta de o primeiro-ministro representar a maioria partidária, garantindo uma convergência entre os interesses do governo e dos parlamentares. Além disso, quando essa relação entrasse em crise, seja por falta de convergência, incompetência ou por corrupção, seria mais fácil derrubar o primeiro-ministro e o seu gabinete presidencial ou, até mesmo, a dissolução do Congresso e a convocação de novas eleições. Nesse caso, o semipresidencialismo assumiria a forma convencional de solução de crises do sistema parlamentarista, sem a necessidade de se iniciar o longo e custoso processo de impeachment do presidencialismo.

Quando o semipresidencialismo toma a pauta de discussões, os seus adeptos focam no modelo existente em Portugal. No modelo lusitano, o presidente da república não é mera figura decorativa, exercendo funções constitucionais que interferem diretamente nos rumos do governo. Segundo a constituição portuguesa, o presidente da república tem como objetivo e função garantir a "independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas", além de ser o Comandante Supremo das Forças Armadas. Além disso, seria uma peça fundamental na estabilidade política, principalmente por conta da nomeação e da prestação de contas do primeiro-ministro, além da possibilidade de o chefe de Estado poder vetar leis, convocar reuniões extraordinárias do Congresso e, por fim, dissolvê-lo. Nos últimos anos, Portugal tem se demonstrado como um bom modelo de semipresidencialismo, com um governo cujo presidente se declara mais inclinado a direita e um gabinete ministerial formada por uma coalização de partidos de esquerda e de centro, a denominada "gerigonça".

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No entanto, há de se ter cautela com soluções que altera substancialmente a configuração do sistema político do Brasil. Em termos geográficos e políticos, estamos mais próximos de Lima do que de Lisboa. O Peru, assim como Portugal, também é uma república semipresidencialista. Diferentemente dos portugueses, os peruanos passaram por três movimentos semelhantes ao do Brasil: a Lava Jato, uma crise partidária e (vários) impeachment.

O combate a corrupção no Peru levou a prisão de todos os ex-presidentes vivos, desencadeou uma crise no sistema de partidos levando a quase inexistência de agremiações estruturadas e que representassem projetos e visões ideológicas de poder, se concentrando em fornecer uma estrutura apenas para as candidaturas presidenciais e, consequentemente, refletindo numa relação quase inexistente entre o presidente e seu primeiro-ministro com o congresso peruano. Com um legislativo fortalecido como é característico do semipresidencialismo, a dissolução do gabinete ministerial ou do próprio governo se tornou uma prática rotineira no sistema político peruano, tornando qualquer governo, de direita ou de esquerda, refém dos humores, interesses e jogos de poder dos parlamentares. Como se tornou comum na opinião pública peruana, a única estabilidade política existente é a certeza da instabilidade.

Com isso, o Brasil precisa tomar muita cautela com soluções que se configuram como panaceias para todas as mazelas políticas do país. A política brasileira passou por turbulências muito parecidas com as que ainda ocorrem no Peru e ainda passa por um momento de incertezas. Ao mirar em Lisboa, Brasília pode acertar em Lima.

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