Vinicius Bueno, Graduado em Administração Pública (FGV - EAESP) e em Economia (FEA - USP). Atualmente, lidera o projeto Gestão da Aprendizagem na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo
Rafaela orgulhava-se de ter aprendido a escrever seu nome, o da professora e o da mãe. Porém, mais de um ano depois de ter deixado de frequentar as aulas presenciais em sua escola por conta da pandemia, esqueceu como escrever seu próprio nome e das pessoas mais próximas. Sua mãe, por mais que se preocupasse com o desenvolvimento da filha, trabalha o dia inteiro e não conseguiu apoiá-la na realização das tarefas escolares.
Rafaela, normalmente alegre e animada, sentia falta das amigas, da professora, e perdeu muito de sua energia pelo longo período que ficou longe da escola. Sua mãe, sempre cuidadosa, reconhece, frustrada, o quanto sua filha aprendeu pouco e esqueceu como escrever o próprio nome. Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, ela acredita na capacidade da sua filha e tem a esperança de que em breve não só lembrará como escrever seu nome e de colegas, como também logo irá acordar animada para ir à escola para aprender a escrever com mais facilidade.
Casos como o da Rafaela não são exceção, mas a realidade de muitas crianças e jovens ao redor do Brasil. Levantamento realizado em escolas estaduais de São Paulo indicaram que no início de 2021 apenas 21% dos estudantes do 2º ano do ensino fundamental já estavam alfabetizados, enquanto que em 2019 e 2020 cerca de 56% dos estudantes da rede estadual já estavam alfabetizados no início do ano letivo.
Esse é um dos reflexos da crise de aprendizagem agravada pela pandemia, que tem afetado especialmente os estudantes mais novos, que têm menor autonomia para aprender em casa. Há diversos estudos que demonstram que esse longo período que os estudantes ficaram distanciados das aulas presenciais, seja totalmente ou parcialmente, trouxe prejuízos significativos à aprendizagem e à saúde mental, assim como elevou o risco de abandono escolar. As perdas foram ainda maiores nos casos dos estudantes mais vulneráveis, provenientes de famílias de menor nível socioeconômico e com maiores dificuldades de acesso à tecnologia. No Brasil, um dos países mais desiguais do mundo e um dos que as escolas ficaram sem aulas presenciais por mais tempo, esses efeitos foram especialmente acentuados.
Com esses diversos impactos negativos, tem sido comum escutarmos o termo "geração perdida" ao se referir aos estudantes em idade escolar, tão prejudicados pela pandemia. Porém, não devemos aceitar passivamente que esses impactos resultem em uma geração perdida. Há muitas evidências sobre como podemos garantir a aprendizagem dos estudantes, e, apesar de muito desafiador, é possível recuperarmos a aprendizagem de todos os estudantes.
Mais do que isso, é nosso dever, enquanto sociedade e indivíduos, dar o nosso melhor para garantir que cada estudante possa retomar sua trajetória escolar com sucesso, contribuindo diretamente para projetos ou programas com essa finalidade, ou cobrando os governos para que adotem medidas efetivas para enfrentar os desafios resultantes da pandemia. Isso será fundamental para que, no futuro, as crianças e jovens do Brasil tenham oportunidades de alcançar todo seu potencial.
Neste início de 2º semestre, redes estaduais e municipais de ensino de todo o país estão voltando às aulas presenciais ou ampliando o percentual de estudantes que podem participar das aulas presencialmente. Nesse contexto, é fundamental que as redes de ensino e escolas ofereçam oportunidades de recuperação e reforço da aprendizagem considerando todo o impacto da pandemia nos estudantes.
Ainda que a crise educacional gerada pela pandemia não tenha precedentes recentes, há práticas exitosas desenvolvidas no Brasil e no mundo que podem inspirar políticas educacionais e ações desenvolvidas pelas escolas voltadas a recuperar a aprendizagem dos estudantes e apoiá-los para que sigam sua trajetória escolar com sucesso.
No estado de São Paulo, por exemplo, desde 2019 está sendo implementado o Programa de Recuperação e Aprofundamento, que foi aprimorado e expandido ao longo dos anos de 2020 e 2021 para fortalecer o apoio à recuperação das aprendizagens visando mitigar os efeitos da pandemia. O Programa contempla diversos elementos articulados entre si para melhorar a aprendizagem dos estudantes, incluindo a priorização de habilidades a serem ensinadas, entrega de materiais didáticos impressos adicionais, formação de professores focadas na prática docente, a realização de avaliações para acompanhar a aprendizagem dos estudantes, a transmissão de aulas remotas por meio do Centro de Mídias da Educação de São Paulo e o acompanhamento pedagógico para garantir que as ações sejam efetivas no dia a dia das escolas.
Além disso, em São Paulo há outros programas e projetos voltados à recuperação da aprendizagem que se articulam ao Programa de Recuperação e Aprofundamento e se complementam entre si, tais como o Projeto de Recuperação Intensiva, em que os estudantes que mais precisam realizam aulas de recuperação durante as férias; o Projeto de Reforço e Recuperação, que permite a contratação de professores adicionais para apoiar os estudantes de forma mais personalizada de acordo com suas necessidades de aprendizagem; e o Além da Escola, que oferece oportunidades para que os estudantes tenham sua carga horária escolar ampliada no contraturno escolar, realizando atividades complementares online acompanhadas por professores em pequenos grupos.
Nesse período, além das atividades voltadas à recuperação e aprofundamento em Língua Portuguesa e Matemática, os estudantes desenvolvem projetos integradores sob a orientação de um professor, em que mobilizam conhecimentos de diferentes áreas do conhecimento, procurando endereçar desafios de suas respectivas comunidades escolares e da sociedade de forma mais ampla. Por fim, tendo em vista os desafios de conectividade dos estudantes, cada um deles recebe um chip com internet oferecido pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
Há também diversas outras ações realizadas em outras redes de ensino e escolas ao redor do Brasil ou do mundo que apontam caminhos possíveis para recuperar a aprendizagem dos estudantes. Em levantamento internacional "Recomposição das aprendizagens em contextos de crise", realizado pela organização Vozes da Educação, são analisados diversos programas ou projetos desenvolvidos em diversas partes do mundo que contribuíram para a melhoria da aprendizagem em contextos desafiadores.
Um desses exemplos é o da metodologia Teaching at the Right Level (que pode ser traduzida como "Ensinando no Nível Certo"), que foi implementada em diversos países e é recomendada amplamente pelo Banco Mundial por ter sua eficácia comprovada em diversos contextos. A metodologia consiste em três passos principais:
- Avaliação para identificar as necessidades de aprendizagem dos estudantes.
- Agrupamento de estudantes durante parte do período de atividades escolares de acordo com seus níveis de aprendizagem. Esse agrupamento é atualizado com frequência, a partir das avaliações que medem o progresso dos estudantes.
- Realização de aulas focadas em desenvolver habilidades fundamentais de leitura e escrita (tais como a capacidade de identificar letras, palavras, ler e compreender textos simples) e matemática (tais como identificar números, e realizar as operações de soma, subtração, multiplicação e divisão) personalizadas de acordo com as necessidades de aprendizagem de cada estudante.
Por conta da pandemia, além da ampliação das defasagens dos estudantes, especialmente os mais novos que têm mais dificuldades de aprender por conta própria, houve um aumento na variedade de níveis de aprendizagem em que se encontram os estudantes de uma mesma turma. Com isso, abordagens como essa focadas em ensinar de acordo com a etapa do processo de aprendizagem em que cada estudante se encontra serão cada vez mais fundamentais.
Isso porque defasagens em habilidades fundamentais tendem a se ampliar cada vez mais, e impedir que o estudante continue aprendendo, aumentando o nível de defasagem caso não sejam resolvidas. Se um estudante do 5º ano do ensino fundamental, por exemplo, ainda não estiver plenamente alfabetizado, será essencial realizar um trabalho focado em garantir sua alfabetização. Caso contrário, ele terá cada vez mais dificuldades de aprendizagem, que prejudicarão o desenvolvimento de habilidades específicas do 5º ano, comprometendo toda sua trajetória escolar nos anos seguintes.
Em suma, a pandemia inegavelmente gerou significativos prejuízos à aprendizagem dos estudantes, assim como aumentou o risco de abandono escolar e trouxe efeitos negativos à saúde mental dos estudantes. No entanto, isso não significa necessariamente que teremos uma geração perdida. Da mesma forma que a mãe de Rafaela tem esperança de que sua filha poderá superar as dificuldades enfrentadas, enquanto sociedade não podemos desistir do futuro das crianças, adolescentes e jovens do país por conta dos impactos negativos da pandemia na educação.
Há diversas experiências nacionais e internacionais que mostram que há caminhos possíveis para recuperar a aprendizagem dos estudantes. Não será fácil, mas cabe a nós, enquanto indivíduos e enquanto sociedade, oferecer todo o apoio possível neste momento tão crítico para as vidas dos estudantes para que tenham amplas oportunidades de sonhar e alcançar seus sonhos, o único caminho possível para que no futuro tenhamos um país mais próspero e justo.