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Lições da greve da PM do Ceará para uma Política de Estado em Segurança Pública

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Por Redação

Rafael Alcadipani, é Professor Titular da FGV-EAESP e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Chegou ao fim, na noite de ontem, a greve de PMs no Ceará. Como resultado da paralisação, houve um aumento vertiginoso do número de homicídios e demais crimes naquele Estado. Segundo dados do Monitor da Violência, o Ceará reduziu em 42,9% a taxa dos homicídios no 4º trimestre de 2019 em relação ao 4º trimestre de 2018. Esse dado deixa claro o efeito social de uma greve deste tipo e mostra que políticas públicas exitosas de Segurança Pública podem ruir em segundos. É preciso estar atento a todas as variáveis que podem impactar a redução de crimes. Mais uma vez, o Brasil mostrou expressiva dificuldade para lidar de forma republicana e responsável com uma crise que afeta gravemente a população. A primeira lição da crise é explicitar a necessidade que os governos mantenham um bom diálogo com suas forças policiais para que as demandas justas sejam atendidas. A melhoria das condições de trabalho e remuneração dos policiais no Brasil é uma agenda fundamental para o país, onde policiais possuem um alto nível de suicídios e expressivo índice de diferentes doenças ocupacionais. O diálogo respeitoso e de longo prazo precisa acontecer e não se pode buscar resolver o problema tentando, literalmente, passar com uma escavadeira em cima das demandas. Uma segunda lição são os perigos da corrente politização das polícias brasileiras. O atual Presidente da República foi extremamente bem votado dentre os policiais, que são base histórica importante do grupo político que se encontra no poder no Brasil de hoje. Isso fez com que houvesse uma clara leniência do Governo Federal com um motim armado que tomou quartéis da polícia, usou armas e veículos do Estado para amedrontar a população. Nem o Presidente da República, nem o Ministro da Justiça condenaram o motim que é um crime militar de alta gravidade. Seguramente, o Governo Federal não teria a mesma condescendência com os amotinados caso algum sindicado ou movimento social invadisse um prédio público. Um governo, quando eleito, precisa trabalhar para o bem de todos os Brasileiros, não apenas para as suas bases eleitorais. Além disso, o Governo Estadual e o Governo Federal ficaram, publicamente, trocando farpas enquanto o motim prosseguia. Demonstravam a clara dificuldade de se perceber Segurança Pública como uma política de Estado que independe dos grupos políticos da ocasião. Ao final do motim, mais uma vez, os grupos políticos tentaram trazer para si os louros do fim do movimento de amotinados, o que indica uma disputa entre esferas de governo que deixa a população refém da lógica da disputa político-partidária. Outra lição importante é a necessidade de haver coerência entre aquilo que se diz ser e aquilo que é. Os PMs do país tiveram a garantia de uma aposentadoria diferenciada de toda a população e também de outros policiais na última reforma da previdência. Não é possível ter benefícios de militares e querer direitos de civis como o de fazer greve. Além disso, é curioso notar que durante o governo que mais possui militares na história recente do país seja permitido tamanho desrespeito a ordem e hierarquia, valores centrais de qualquer instituição militar. Impressionante, ainda, as Forças Armadas brasileiras que possuem as PMs como forças auxiliares, permitirem a continuação do motim. Isso mostra que as Forças Armadas não estão exercendo o controle das PMs como deveriam. Duas instituições que deveriam ser de Estado, PMs e Forças Armadas, parecem estar sendo fortemente influenciadas pelas disputas da atual polarização política do país. Outra nítida lição do motim no Ceará bem como da pressão de PMs nos governadores de outros estados é deixar clara a dificuldade de governadores controlarem suas PMs. O Brasil precisa, urgentemente, reformar as suas polícias. É fundamental que haja uma política de valorização dos policiais, com um piso nacional estabelecido e regras claras e transparentes de progressão na carreira. Muito poder é concentrado nas mãos de uma única polícia nos Estados, a PM. Por isso, é preciso pensar em estratégias para que a população não se torne refém de interesses corporativistas de ocasião. O fortalecimento das Guardas Municipais, dentro de uma doutrina de formação única, pode ser uma saída. No mundo ideal, teríamos polícias únicas, municipalizadas ou regionalizadas, com ciclo completo, quando uma única força policial faz todas as ações de polícia, e uma força policial estadual para pequenas localidades e casos de emergência. Assim como nas Forças Armadas e diversas polícias do mundo, é preciso que haja uma clara diretriz daquilo que policiais possam publicar em redes sociais, principalmente no que diz respeito a conteúdo político-partidário. É também fundamental o estabelecimento de uma longa quarentena para que policiais migrem para a vida política. A forte influência militar no Brasil de hoje não deveria servir para a instalação da balbúrdia dentro dos quartéis. É preciso pensar Segurança Pública como política pública de Estado, esta é a maior lição da crise do Ceará.

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