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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Não houve fraude nas eleições presidenciais de 2022

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Por Redação

No final de setembro, poucos dias antes do primeiro turno das eleições de 2022, um grupo de cientistas embarcou em um projeto de maneira incomum. Iniciando via Twitter e sem qualquer financiamento, formamos uma rede interdisciplinar de pesquisa com o objetivo de analisar a integridade do sistema de apuração de votos no Brasil. Este artigo conta um pouco dessa história e apresenta nossos principais resultados à sociedade.

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Em tempos de copa do mundo, talvez uma analogia com o futebol ajude a explicar a escolha do Brasil como estudo de caso. Reclamações sobre a parcialidade do árbitro são tipicamente perpetradas pelo time perdedor. É por isso que ninguém nunca viu um atacante partir para cima do juiz depois de ser consagrado campeão.

Curiosamente, desde que se tornou Presidente, Jair Bolsonaro iniciou uma cruzada contra as urnas eletrônicas. Mapeamos 18 manifestações públicas nas quais o chefe do Executivo ataca a confiabilidade do sistema de contagem de votos entre 2018 e 2022. Foi a primeira vez na história desse país que o candidato que venceu a disputa questionou a integridade do processo que o elegeu.

Após o mapeamento, o passo seguinte foi determinar quais procedimentos seriam necessários para examinar potenciais riscos de fraude eleitoral, o que nos fez recorrer à ciência. Iniciamos nossa pesquisa a partir da leitura do que outros pesquisadores e pesquisadoras já escreveram sobre o tema.

Seguindo a máxima de Isaac Newton de que "se vi mais longe, foi por estar sobre os ombros de gigantes", revisamos a literatura científica sobre fraude eleitoral. Descobrimos, por exemplo, que a Lei de Benford é uma ferramenta popular nessa área de pesquisa; identificamos também outros instrumentos que podem ser úteis na investigação do que se convencionou chamar de análise eleitoral forense (election forensics), entre eles o gráfico de impressão digital.

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Para garantir resultados mais confiáveis, combinamos esses diferentes métodos estatísticos em um mesmo estudo. A lógica é simples: uma coisa é fraudar os dados de acordo com algum padrão matemático já conhecido; outra coisa, muito mais complicada, é garantir a manipulação das informações sem deixar nenhum rastro pelo caminho. E como todo bom policial sabe, não existe crime perfeito.

Para aumentar a transparência e assegurar a replicabilidade dos resultados, deixamos todos os dados e códigos computacionais disponíveis em uma plataforma aberta, assim, qualquer pessoa pode corroborar ou refutar nossas inferências.

Vamos, então, aos resultados: não identificamos qualquer sinal de anormalidade nas informações geradas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Vamos dizer novamente caso você não tenha entendido direito: não há evidências de irregularidades na apuração dos votos durante os dois turnos das eleições presidenciais de 2022 no Brasil.

As análises de primeiro e segundo dígito da Lei de Newcomb-Benford não detectaram qualquer anomalia estatística nos dados; a técnica de último dígito também não identificou qualquer variação significativa; as distribuições de impressões digitais sugerem uma correlação livre e justa entre a taxa de comparecimento e a distribuição de votos do candidato vencedor; a estimativa de reamostragem da densidade de Kernel sugere que a proporção de urnas suspeitas é extremamente baixa e o modelo de mensuração eforensics não identifica qualquer padrão de desvio na contagem de votos.

Esses achados contradizem as conclusões de alguns relatórios que andam circulando pela internet e que alegam fraude nas eleições. Redigidos sem autoria, sem fontes, com metodologia duvidosa e com resultados espúrios, esses documentos se prestam a um único objetivo: desinformar o público e gerar dúvidas sobre a integridade do sistema de apuração de votos no Brasil. Trata-se da nova cloroquina! Argumentam que se não há prova de que não funciona, também não há evidência de que funciona, como já defendeu o próprio Presidente da República.

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Entretanto, concluímos que as alegações de Jair Bolsonaro carecem de respaldo empírico e foram divulgadas com real intuito de tumultuar o processo eleitoral. Elas fazem parte de um discurso autoritário que a todo momento tensiona o sistema político para o caos. Quando se analisam as condições objetivas para uma fraude eleitoral, elas não existem. Diversos aliados do Presidente foram eleitos, tanto em primeiro como em segundo turno, o que configuraria uma tarefa ainda mais difícil e conspiratória: eleger parcialmente aliados de Bolsonaro, para prejudicá-lo individualmente.

Percebemos também, a partir de um levantamento qualitativo dos discursos de Jair Bolsonaro, que a construção da narrativa a respeito da fraude vem sendo edificada desde 2018. O ápice se deu em 18 de julho de 2022, quando o então Presidente questionou a lisura das eleições na presença de embaixadores de vários países. O Gráfico 1 ilustra o nível de interesse sobre urnas eletrônicas e fraude eleitoral de acordo com as estimativas do Google entre janeiro e outubro de 2022.

Gráfico 1 - Nível de interesse sobre urnas eletrônicas e fraude eleitoral no Google (2022)

 Foto: Estadão

Nas palavras do presidente: "Tudo que vou falar aqui está documentado, nada da minha cabeça [...] O que mais quero por ocasião das eleições é a transparência. Queremos que o ganhador seja aquele que realmente seja votado" [..] "Todas as sugestões apresentadas pelas Forças Armadas podem ser cumpridas até 2 de outubro. E, se tiver qualquer despesa extra, o Poder Executivo arranja recursos para tal"[1].

Ou seja, a discursividade sobre a fraude nas urnas foi construída e reafirmada nos últimos quatro anos pelo atual chefe do Executivo, mas, até o momento, nenhuma evidência foi apresentada.

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Mas, por que devemos nos preocupar com discursos que questionam a integridade do sistema eleitoral? Eleições são importantes, entre outros fatores, porque garantem a resolução de conflitos sem a necessidade do uso da força. Além disso, eleições inclusivas e confiáveis garantem que os cidadãos escolham, por maioria, quem irá governá-los e quem eles não desejam mais que faça parte do jogo político. Inversamente, eleições sujas desvinculam os resultados eleitorais das reais preferências da maioria.

No entanto, nossas investigações indicam que o clima de desconfiança pública perpetrada pelos apoiadores do Presidente estão deslocados da realidade. A perpetuação desse discurso de fraude, portanto, tem criado um precedente perigoso à medida em que pode endossar atitudes disruptivas contra a transição limpa e democrática de governos, a exemplo da onda de violência política no Brasil ou do ataque ao Capitólio nos Estados Unidos, que também foi induzido por alegações infundadas.

Nossa pesquisa contribui com o debate científico sobre integridade eleitoral e pode ser facilmente adaptada para examinar dados do sistema de apuração de votos de outros países. Acreditamos que esses resultados podem ser úteis para informar o debate público sobre o principal mecanismo de controle dos representados sobre os representantes em regimes democráticos: eleições livres e justas.

Qualquer movimento que se lance contra o processo eleitoral e contra as instituições políticas nacionais deve ser repudiado veementemente. Não há precedentes desde a Nova República para um ataque sistemático à ordem democrática brasileira.

Os pesquisadores e pesquisadoras que assinam este documento comprometem-se, em caráter irrevogável, com a defesa da democracia e com a lisura das eleições. Como demonstram os estudos realizados, é fantasiosa a insinuação de que houve, em algum momento, manipulação das urnas. Seria necessário um consórcio hollywoodiano de forças políticas (muitas delas ocultas) para confabular um plano em que as eleições nacionais seriam parcialmente fraudadas, mas não a tal ponto de prejudicar certos atores. As alegações de manipulação eleitoral não se sustentam empiricamente, é o que nos dizem os protocolos científicos.

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O documento completo, com informações detalhadas sobre a metodologia e os resultados, está disponível aqui: https://bit.ly/3Eicqxu [port] e bit.ly/3G1YN6R [eng]

Materiais de replicação, incluindo dados originais e scripts computacionais, estão disponíveis aqui: osf.io/p5hwq/

Assinam este documento:

Dalson Figueiredo, Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Catalisador do Berkeley Initiative for Transparency in the Social Sciences e visiting scholar na Universidade de Oxford - 2021/2022. E-mail: dalson.figueiredofo@ufpe.br

Cláucia Piccoli Faganello, Doutoranda em Administração na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e pesquisadora no Grupo de Pesquisa em Estado, Democracia e Administração Pública da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (GEDAP/UFRGS). Mestra em Sociologia pela UFRGS. Especialista em Gestão Pública Municipal pela UFRGS. Graduada em Administração: Gestão Pública pela UERGS e em Direito pelo UniRitter. E-mail: claucia.f@gmail.com

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Pedro Cardoso Saraiva Marques, Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Mestre em Ciência Política pela UFPB e Doutorando em Ciência Política pela UFPE.  E-mail: pedro.saraiva@ufpe.br

Nelson Goulart, Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia Política pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF-RJ), interessado em eleições e comportamento político, com experiência em métodos quantitativos de pesquisa e análise de dados agregados. E-mail: nelsonluismottagoulart@gmail.com

Quemuel Baruque de Freitas Rodrigues, formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e Mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais (DCP-UFPE). Pesquisa eleições, e políticas públicas. Tem experiência profissional como cientista de dados (CGEE, CEPAL), e com análise e avaliação e monitoramento de políticas públicas. Contato: quemuel.baruque@ufpe.br

Bernardo Rangel Tura, Graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Doutor em Pesquisa Clínica (UFRJ), Chefe do Núcleo de Bioestatística e Bioinformática do Instituto Nacional de Cardiologia (NBB/INC). E-mail: brtura@gmail.com

Renato Lira Brito, Bacharel, Mestre e Doutorando em Ciência Política (UFPE). Editor de Seção da Revista Política Hoje. E-mail: renato.lirabrito@ufpe.br

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Artur Quirino, analista de dados, bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Mestrando em Ciência Política pela mesma instituição. Seus interesses incluem partidos políticos, eleições, regimes políticos e metodologia. E-mail: contact@arturhgq.com

Lucas Silva, Estudante de Medicina da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL). Graduado em Ciência Política com ênfase em Relações Internacionais (UFPE). Técnico em Informática pelo Instituto Federal de Alagoas (IFAL, 2012). Atuou como Assistente de Pesquisa no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Membro do grupo de Métodos de Pesquisa em Ciência Política (UFPE) e de Doenças Parasitárias (UNCISAL). lucas.silva@academico.uncisal.edu.br

Ananda Marques, Mestra em Ciência Política e licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Pesquisa democracia e políticas sociais na América Latina, políticas de enfrentamento à Covid-19, gênero e política. Faz parte da Rede de Politologas e do grupo executivo da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas. Atualmente é diretora científica da Escola de Saúde Pública do Maranhão. Colunista de política do jornal O Povo. E-mail: abmrqs@gmail.com

Hesaú Rômulo, Doutorando em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB). Professor de Ciência Política da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Pesquisa Representação Política na América Latina, Política Comparada e Legislativo. E-mail: hesauromulo@mail.uft.edu.br

Ana Carol Aldapi Vaquera, Licenciatura em Ciências Políticas pela Universidad Católica Boliviana (UCB) e Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais (UFPB). E-mail: carol.av.2591@gmail.com

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Nota

[1] Disponível em: https://www.uol.com.br/eleicoes/2022/07/18/a-embaixadores-bolsonaro-recicla-acusacoes-de-fraude-nas-urnas-em-2018.htm e https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaro-reune-embaixadores-e-critica-stf-tse-e-urnas/. Acesso em: 20 de outubro de 2022.

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