Emiliano Lobo de Godoi, Professor do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG)
D.Sebastião, rei de Portugal, desapareceu na África, na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578. Como o povo português se recusava a acreditar na morte de seu governante maior, era comum várias pessoas ficarem olhando para o mar no Alto de Santa Catarina, em Lisboa, para esperar pelo rei, que nunca regressou, ficando assim, a ver navios.
Em nosso mundo atual e, em especial, no que se refere a preservação ambiental, nossos olhares continuam perdidos, mesmo passados mais de 400 anos do desaparecimento de D. Sebastião.
Mais especificamente, dentro de nosso arcabouço legal, o Código Florestal Brasileiro tem sido um campo fértil para nossos legisladores navegarem por mares revoltos, com destinos ocultos, flexibilizando regras sempre no sentido de favorecer quem não as segue, deixando a ver navios quem acreditou que a lei era algo para ser cumprida.
Na primeira versão do Código Florestal, elaborado há quase 100 anos atrás, em 23/01/1934, havia uma previsão, em seu art. 23, que dizia que: "nenhum proprietário de terras cobertas de matas poderá abater mais de três quartas partes da vegetação existente". Ou seja, naquela época a lei permitia desmatar, no máximo, 75% de toda a propriedade.
Com isso, essa normativa inovou com o conceito de que a preservação de parte da propriedade seria de interesse comum a todos os habitantes do país, já que os benefícios ambientais seriam compartilhados. Assim, surgia o que conhecemos hoje por Reserva Legal, que é uma área do imóvel rural coberta por vegetação nativa, com o propósito de se proteger a biodiversidade local.
Como somos bons em fazer regras, e, melhores ainda, em não as cumprir, um novo Código Florestal foi editado em 1965, por meio da Lei 4.771. Em seu art. 16, essa lei definiu que no mínimo 20% de cada propriedade deveria ser preservada com cobertura arbórea. Assim, a área a ser desmatada legalmente aumentou de 75% para 80% de toda propriedade, sem prever qualquer punição a quem não havia respeitado a regra anterior, deixando a ver navios quem cumpriu a lei.
Como nossa criatividade não tem fim, o mais recente Código Florestal, em sua versão de 2012, consolidou que a área de reserva legal, que deveria, conceitualmente, e por motivos óbvios, ser preservada no interior da propriedade, poderia ser preservada em um outro local, fora da propriedade, por meio da aquisição das chamadas cotas de reserva ambiental. Com isso, preserva-se a vegetação do outro para extinguir a sua. Como diria o saudoso Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes.
Esse mesmo Código também definiu que as propriedades rurais que haviam ocupado as áreas de preservação permanente com atividades econômicas, até a data de 22 de julho de 2008, não seriam penalizadas por não terem cumprido a lei. Quem acreditou que a lei era para ser respeitada, mantendo de maneira intacta as áreas que deveriam ser protegidas, ficou, também, a ver navios.
Dando sequência a essa regularização de irregularidades, encontra-se pronto para entrar em pauta, na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado Federal, o Projeto de Lei n° 2.374/20, que posterga a data de 22 de julho de 2008 para 25 de maio de 2012, permitindo, assim, isentar por mais 4 anos, de qualquer tipo de punição, quem não cumpriu a lei.
Nossos legisladores poderiam arranjar tempo e dedicarem, com o mesmo afinco e esmero, energia para elaborarem normas que beneficiem e protejam pessoas que seguem a lei. Esses cidadãos do bem não podem ser esquecidos nos vários atalhos e desvios que ocorrem no Congresso Nacional.
Seguir a lei deve ser motivo de orgulho e estímulo, e não de chacota. Diferente do que aconteceu em Lisboa, quando D. Sebastião não retornou para seu povo, espera-se que o Código Florestal traga de volta, algum dia, o orgulho de sentir que vale a pena seguir a lei, e ser, assim, um verdadeiro cidadão, vivendo em um país de respeito.