Depois de se eleger à Prefeitura, em 2016, e ao governo do Estado, em 2018, com um discurso marcado pelo antipetismo, o governador João Doria (PSDB) se reposicionou e, agora, tem pregado um diálogo “contra os extremos”, por meio de uma frente que inclua a centro-esquerda.
Potencial candidato ao Palácio do Planalto em 2022, Doria é, atualmente, desafeto político do presidente Jair Bolsonaro. “O comportamento das pessoas muda ao longo do tempo. Não há comportamento estanque, paralisado”, disse o governador em entrevista ao Estadão, na ala residencial do Palácio dos Bandeirantes. Apesar do embate com o presidente, Doria afirma que ainda não é o momento de fazer oposição ao governo federal. Leia, a seguir, trechos da entrevista.
Houve um reposicionamento no discurso do sr. entre 2016, 2018 e hoje? O antipetismo perdeu espaço e o sr. parece menos radical e buscando o centro...
O comportamento das pessoas muda ao longo do tempo. Não há comportamento estanque, paralisado, congelado das pessoas nem da sociedade. O comportamento evolui. Pode evoluir para melhor, para pior, mas evolui.
Candidatos passaram a campanha tentando colar Bruno Covas no sr., dada a alta rejeição ao seu nome na capital. O paulistano não perdoou sua saída da Prefeitura antes do fim do mandato?
Isso é tempo passado. Eu hoje sou governador do Estado de São Paulo, eleito. O Bruno no primeiro turno foi votado para ser reconduzido à Prefeitura de São Paulo. Em suma, o que vale na democracia é o voto.
O presidente Jair Bolsonaro antecipou o debate sobre a eleição presidencial de 2022. É hora de se discutir a construção de uma frente para disputar as eleições contra ele?
A frente não deve ser contra Bolsonaro, mas a favor do Brasil. A frente deve reunir o maior número possível de pessoas e pensamentos que estejam dispostos a proteger o Brasil e a população. (Essa frente) Comporta o pensamento liberal de centro, que é o que eu pratico, mas comporta também centro-direita, centro-esquerda, aqueles que têm um pensamento mais à esquerda e à direita. Só não caberá o pensamento dos extremistas, até porque os extremistas não querem compartilhar, discutir. Eles querem impor situações ao País, tanto na extrema-esquerda, quanto na extrema-direita. Destes extremos nós temos que ficar longe.
Com qual centro-esquerda o sr. acha ser possível dialogar?
Com todos aqueles que integram um sentimento múltiplo, compartilhador e dedicado ao País, sem interesses pessoais se sobrepondo ao interesse do País. Temos que ter a capacidade de diálogo com humildade. Saber ouvir e valorizar o contraditório. O contraditório ajuda o Brasil, e não prejudica. O que prejudica é o extremismo.
É possível incluir nas conversas Ciro Gomes e Marina Silva?
Não devemos excluir ninguém que tenha esse sentimento. Todos que têm esse sentimento são bem-vindos, até mesmo os que no passado praticaram posições mais extremistas, mas que possam ter mudado e estejam hoje no campo do diálogo.
Não é difícil que alguém abra mão de ser candidato à Presidência em 2022? Nas conversas estão Sérgio Moro, Luciano Huck...
O pressuposto para unir o maior número possível de pensamentos pelo Brasil é não haver prerrogativa pessoal.
Sérgio Moro desponta nesse grupo?
Ele deve fazer parte dessa frente. Tem história, biografia e posicionamento. Nunca declarou que era candidato. Sempre teve altivez e grandeza para defender o País, independentemente dos interesses pessoais.
O sr. evita falar que essa frente é contra Bolsonaro. Por quê?
A frente não deve ser de oposição, nem contra o Bolsonaro. Deve ser a favor do Brasil. Esse é o sentimento que une. O sentimento do contra não agrega. Tudo tem a sua hora. Agora é hora de estarmos unidos pelo Brasil, e não fazer oposição a este ou aquele governo.
O PSDB pode estar à frente desse projeto de centro em 2022?
O PSDB deve participar desse movimento, mas não é preciso liderar. Esse é um movimento de compartilhamento, não de exclusão ou de escolha, um lidera e os outros são liderados. Todos devem liderar.
Essa aliança partidária feita em São Paulo, com DEM, MDB e PSDB, pode se repetir na eleição para a presidência da Câmara?
Por que não? O sentimento desses partidos é dialogar para achar um nome e apoiá-lo.
O sr. descarta disputar a reeleição para governador?
Não se trata de ser ou não candidato a presidente, mas de manter minhas convicções. Sou contra a reeleição. Sempre defendi mandato único de cinco anos. Não critico nem condeno os que disputam reeleição, como Bruno Covas. Mas eu, por ser contra a reeleição, vou manter a minha coerência. Não vou disputar a reeleição.
Ainda é uma ideia promover uma fusão, mudar a logomarca e reformular o discurso do PSDB? Ou, diante da ascensão de Bruno Covas, que prega a volta às origens do partido, retomar a bandeira da social-democracia?
O Bruno não prega a volta às raízes, mas um PSDB moderno, digital, inovador e com uma visão social de atender aos mais pobres. Com respeito aos programas de desestatização, ao liberalismo econômico.
O sr. defende que o PSDB seja mais progressista em pautas como casamento gay, aborto, drogas, escola sem partido?
O PSDB é progressista, tanto na economia quanto no plano social. Sem preconceitos.
Arrepende-se do “Bolsodoria” na disputa de 2018?
A eleição do Bolsonaro foi um grande erro para o Brasil. Eu não mantenho meu compromisso diante de um equívoco tão grande. O Bolsonaro prometeu um país liberal, economia globalizada, combate à corrupção. E não fez.
O que os governadores estão fazendo para evitar a politização da vacina contra a covid-19?
Os governadores estão unidos. Todos defendem as vacinas, a vida, e não a politização nem da vacina nem da covid. O único que faz essa defesa hoje se chama Jair Bolsonaro.
Mas o sr. também não politizou a vacina aqui em São Paulo?
Não politizamos. Nós defendemos a vida, a ciência e a saúde. Vacina não deve ser avaliada pela origem, mas pela eficácia.
Como avaliou essa coalizão que se formou na Assembleia Legislativa contra o ajuste fiscal do governo estadual? Partidos como Novo e siglas de esquerda se uniram contra o pacote.
Um equívoco. O Novo demonstrou que já ficou velho logo no início da sua existência, o que é uma pena. A reforma administrativa foi aprovada e São Paulo foi o primeiro Estado a fazer. Fizemos aquilo que o Brasil deveria ter feito no governo federal e não fez.
Foi precipitado pôr o Estado na fase verde, que é mais flexível?
Não há nenhuma relação do aumento dos casos de covid-19 em São Paulo com o Plano São Paulo. A correlação está no relaxamento que estão, infelizmente, adotando. As pessoas estão saindo sem máscara, participando de aglomerações, festas e encontros em momento inadequado. Enquanto não tivermos a vacina, as pessoas devem se preservar.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.