Os professores são corporativistas e só pensam em aumentar os próprios salários (“sock!”). O governo quer tirar o dinheiro da educação para deixar o povo nas trevas (“pow!”). O mal da universidade brasileira é que ela está dominada por ONGs comunistas (“crash!”).
Parte da conversa nas redes sociais sobre o Fundeb, fundo destinado à educação básica, parece os filmes antigos do Batman, tornados vintage na era YouTube. Pululam balõezinhos com “sock!, pow!, crash!”. Desqualificar quem pensa diferente, como nas frases acima, envenena o debate e rebaixa o nível da discussão.
Felizmente existe, em paralelo, uma conversa inteligente sobre educação. O debate sobre o Fundeb começou há cinco anos no Congresso e em organizações da sociedade civil. Entre as que participaram ativamente está a Todos Pela Educação. De início, definiu-se exatamente qual a função do Fundeb. Assim como uma frigideira serve para fritar ovos e não para assar pães, os repasses do Fundeb existem para diminuir a desigualdade na educação básica. Têm propósito específico. Não são uma panaceia.
O Todos Pela Educação – que congrega estatísticos, economistas e administradores públicos -- encomendou pesquisas. Estudou casos internacionais. Fez contas. Havia distorções. Municípios ricos de estados pobres, por exemplo, recebiam mais dinheiro que municípios pobres de estados ricos.
“O trabalho que fazemos inclui quatro fases. Formulação de políticas, participação no debate público, articulação com políticos e, ao final, monitoramento de resultados”, diz Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação, personagem do mini-podcast da semana. Na prática, isso inclui desde publicar artigos até promover almoços com deputados. O escritório do Todos em Brasília gendou encontros semanais forrados a arroz, feijão, bife e ovo. Eles chegaram a reunir 40 parlamentares por vez. Os cálculos feitos pelo Todos – uma das organizações sérias dedicadas ao tema, ao lado do Instituto Unibanco, Instituto Ayrton Senna e várias outras -- foram incorporados ao projeto aprovado na Câmara.
Na interação com o Congresso, o governo federal seguiu seu padrão habitual. Não participou do debate. Ficou distante das organizações da sociedade civil, que vê com desconfiança – as tais “ONGs comunistas”. Apresentou aos 45 do segundo tempo um projeto esdrúxulo, fruto da ignorância sobre o tema em seu primeiro escalão. Não se pode dizer que levou um 7 a 1. A goleada foi muito pior: 492 a 6.
O projeto que agora segue para o Senado cumpre o objetivo básico, diminuir a desigualdade. Focado nos municípios, aumenta significativamente a cobertura de cidades. Prevê fontes de financiamento para os gastos. Pode ser aperfeiçoado se incorporar, em lei complementar, incentivos para a melhoria da qualidade. Existe no Brasil um pensamento mágico segundo o qual mais gasto significa, necessariamente, melhor política pública. O sucesso do Ceará mostra a importância das avaliações de impacto e desempenho.
O Ceará – onde o repasse de verba aos municípios é condicionado a bons números na educação – é um caso estudado mundialmente. O Brasil também é referência em medidas, como o próprio Fundeb, para diminuir a desigualdade. Isso mostra que, quando existe conversa serena e inteligente, o país caminha para enfrentar seus desafios. É só quebrar o ciclo da burrice estridente – o do “sock!, pow!, crash!”
PARA SABER MAIS
Mini-podcast de Priscila Cruz:
Editorial do Estadão sobre o Fundeb
Análise da jornalista Renata Cafardo no Estadão
Análise de Ricardo Henriques, do Instituto Unibanco, no Estadão
Estudo do Todos Pela Educação sobre fontes de financiamento
Texto sobre ética no debate digital, por Pedro Burgos
Estudo de Fernando Abrucio sobre o caso do Ceará
Estudo de Julia Brandão sobre o caso do CearáEstudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento sobre Fundeb e combate à desigualdadeEstudos internacionais sobre gasto e melhoria da educação:Primeiro estudo