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Jornalista inglês e indigenista da Funai ameaçado por garimpeiros estão desaparecidos na Amazônia

Exército, Polícia Federal e Ministério Público foram acionados; desaparecimento aconteceu no Vale do Javari, no domingo, 5

Por Vinícius Valfré
Atualização:

O indigenista Bruno Araújo Pereira, da Fundação Nacional do Índio (Funai), e o jornalista inglês Dom Phillips, do britânico The Guardian, estão desaparecidos na região do Vale do Javari, na Amazônia, desde a manhã de anteontem. O caso ganhou repercussão internacional pela atuação do servidor em projeto de vigilância de aldeias indígenas contra exploradores e narcotraficantes.

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Pereira estava licenciado da Funai para coordenar um projeto desenvolvido pela União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja) voltado a capacitar nativos para monitorar invasões. Phillips fez reportagens sobre povos isolados da região em 2018 e estava novamente na Amazônia para entrevistas com indígenas e equipes de vigilância.

Trabalhando com os povos nativos desde 2010, Pereira sofria ameaças frequentes de invasores e garimpeiros que atuavam em terras indígenas. A região é marcada por conflitos e intimidações a tiros contra instalações do órgão federal.

Jornalista britânico estava em expedição para visitar a equipe de Vigilância Indígena localizada próxima à base da Funai no Rio Itu Foto: Reprodução/Twitter

Segundo informações da Univaja, as buscas no decorrer da segunda-feira, 6, foram finalizadas sem novidades sobre o paradeiro de ambos. A organização comunicou na madrugada desta terça-feira, 7, que juntamente com a Defensoria Pública da União, recorreu à Justiça Federal para viabilizar o uso de helicópteros à Polícia Federal, ampliar as equipes de buscas, além de disponibilizar mais barcos para a operação.

Em nota, a Marinha do Brasil anunciou que irá enviar no período da manhã desta terça, 7, um helicóptero do 1º Esquadrão de Emprego Geral do Noroeste, duas embarcações e uma moto aquática.

A corporação está conduzindo as atividades de busca, por meio do Comando de Operações Navais. Diversos órgãos foram mobilizados. O procurador-geral da República, Augusto Aras, e o ministro da Justiça, Anderson Torres, se reuniram no domingo, 5, para tratar do caso. O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Justiça não se manifestaram até a conclusão da edição.

O jornalista e o indigenista visitaram a equipe de vigilância indígena na localidade de Lago do Jaburu, próxima a uma base da Funai, e Phillips pôde fazer uma série de entrevistas, na sexta-feira passada. Eles partiram, na manhã de anteontem, de volta para a cidade de Atalaia do Norte.

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No caminho, porém, pararam na comunidade São Rafael porque Pereira tinha uma reunião marcada com um líder local identificado como “Churrasco” para tratar do projeto de vigilância nas terras indígenas. A liderança não estava presente, apesar do compromisso agendado, e o indigenista conversou com a mulher dele. Pereira e Phillips deveriam ter chegado a Atalaia por volta das 9h de domingo.

Tráfico

A missão, conferida a ele pela União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja), vem desafiando o poder econômico de criminosos brasileiros, colombianos e peruanos que usam aldeias e comunidades ribeirinhas para exploração da floresta e como rota de tráfico de drogas. O relato mais detalhado sobre os últimos passos de ambos foi feito em conjunto pela Univaja e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi). Coube a essas entidades reportar o desaparecimento para as autoridades.

Em entrevista publicada pela WWF-Brasil em dezembro, Pereira afirmou que o cenário era dramático. Por meio do projeto, os indígenas formaram equipes para que fossem treinadas, por exemplo, na operação de drones e computadores. “Trabalho lá há 11 anos e nunca vi uma situação tão difícil. Os indígenas dizem que hoje a quantidade de invasões é comparável à do período anterior à demarcação. Por isso é absolutamente necessário que os indígenas busquem suas formas de organização, montando um esquema de monitoramento capaz de frear conflitos violentos”, declarou.

A expedição por São Rafael é considerada extremamente perigosa. Especialistas na dinâmica do crime nas imediações da Terra Indígena do Vale do Javari não recomendam a passagem pela comunidade em grupos pequenos por causa da movimentação de criminosos estrangeiros e brasileiros. Pereira e Phillips estavam sozinhos numa embarcação de 40 HP, nova, e com combustível suficiente para o retorno.

Bruno Pereira, indigenista que acompanhava Dom Phillips, sofria ameaças de invasores e garimpeiros Foto: Bruno Jorge/Divulgação/Funai

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Segundo experientes indigenistas ouvidos pelo Estadão, a comunidade de São Rafael tem forte influência financeira de criminosos e é usada como base de partida de exploradores para dentro dos territórios protegidos. É um dos motivos para a existência de uma base da Funai, na confluência dos rios Ituí e Itacoaí. A instalação, erguida há décadas, costuma ser alvo de ataques a tiros. Diferentes organizações atuam tanto no desmatamento, quanto no garimpo e no tráfico.

Apuração

Em nota, a Funai disse que Pereira “não estava na região em missão institucional” e “está em contato com as forças de segurança que atuam na região”. O jornal britânico cobrou apuração rápida. “O Guardian busca urgentemente informações sobre o paradeiro e a condição de Phillips. Estamos em contato com a embaixada britânica no Brasil e autoridades locais e nacionais para tentar apurar os fatos o mais rápido possível.”

“Imploramos às autoridades que enviem a Força Nacional, a Polícia Federal e todos os poderes à sua disposição para encontrar Dom”, disse o cunhado do jornalista, Paul Sherwood, em rede social.

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O Senado anunciou uma série de pedidos de informações e providências. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública classificou o episódio como exemplo da “fragilidade das ações de fiscalização e segurança na Amazônia”. l COLABORARAM PEPITA ORTEGA E MANOELA BONALDO

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