Líder do governo Lula diz que ‘modulação’ de penas do 8/1 é ‘pertinente’, mas condena anistia

Senador Jaques Wagner (PT-BA) declara ainda que ‘tanto faz’ se Jair Bolsonaro puder ou não concorrer às eleições de 2026

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Foto: Waldemir Barreto
Entrevista comJaques WagnerLíder do governo no Senado

BRASÍLIA - O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), afirmou que a “modulação” das penas dos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 é algo “pertinente”, mas ponderou que anistiar esses crimes “é estimular (que aconteçam) outra vez”. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o senador deixou o caminho aberto para a discussão de mudanças nas regras de inelegibilidade estabelecidas na Lei da Ficha Limpa. Nas últimas semanas, o ex-presidente Jair Bolsonaro passou a defender essa mudança.

Contrariando muitos de seus aliados, Wagner disse que Bolsonaro não seria o único político competitivo na disputa contra Lula em 2026. Para ele, tanto faz se o ex-presidente for candidato ou não: quem ele escolher para ser seu candidato também será forte. “Não tenho essa torcida obsessiva, de que ele tem que ficar interditado porque não pode ser candidato. Sinceramente, para mim, não muda muito. Ele pode estar vitimizado na cabeça dos fanáticos que o acompanham e o nome que ele abençoar, eles vão (apoiar)”, afirmou Wagner.

O senador disse ainda que o presidente Lula deve manter o vice-presidente Geraldo Alckmin no Ministério Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), contrariando o desejo de uma possível ida do ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para a Pasta. Ele arriscou mais alguns palpites na reforma ministerial que o governo pretende fazer em breve: disse que Lula não deve “mexer” em Rui Costa (Casa Civil), em Alexandre Silveira (Minas e Energia) nem no titular da Agricultura, Carlos Fávaro.

O líder do governo no Senado Federal, senador Jaques Wagner (PT-BA), admitiu possibilidade de redução das penas dos envolvidos no 8 de Janeiro Foto: Pedro França/Agência Senado

Wagner é um dos mais longevos aliados políticos de Lula. Os dois se conheceram em um congresso de petroleiros e fundaram juntos o Partido dos Trabalhadores (PT), em 1980. Atualmente, é uma das pessoas com quem o presidente da República se aconselha para tomar as principais decisões de seu governo. Para ele, as informações que têm circulado sobre mudanças na Esplanada são “tudo chute”, mas confirmou que Lula tem feito “balões de ensaio” sobre eventuais trocas.

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A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como o senhor vê a possibilidade de votação de uma anistia aos réus do 8 de janeiro ou uma redução nos prazos de inelegibilidade, dado o apoio da oposição à candidatura de Alcolumbre?

Pessoalmente acho que a anistia, não. Anistiar é estimular outra vez. Sou contra e não sei se é fácil passar aqui. Está cada dia mais provado que havia um plano. Modular as penas é um problema do Judiciário, que eu acho razoável, porque teve gente que veio na turba. Eu acho que a modulação é pertinente, porque os inspiradores e financiadores é que deviam ter pena mais forte. Tem uma porção de gente que não sei se veio para passear ou para efetivamente bagunçar. Mas não dá para anistiar. Mesmo o pessoal que grita por anistia, essa coisa não passa fácil perante a opinião pública.

Mas hoje em dia as pessoas falam de forma aberta sobre anistia.

Porque fez dois anos. Como está apertando, eles provavelmente querem salvar os financiadores e o próprio Bolsonaro, que estimulou (um golpe). Esse tipo de crime, para mim, é um dos mais graves que tem, que é pregar um regime autoritário, questionar uma eleição. Por isso acho que não é fácil a anistia, não tem um fim de um ciclo para justificar isso.

E alterar os prazos de inelegibilidade?

Acho que qualquer coisa para alterar que impacte na eleição não pode valer para essa.

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Mas se for aprovada agora, pode ser aplicada já para a próxima.

Acho que tem várias coisas que precisam ser ajustadas. Por exemplo, um cara comete um crime, começa a ser investigado e passa à condição de réu. Quando ele passa à condição de réu, na minha opinião, já deveria estar contando (prazo de inelegibilidade), porque, perante a opinião pública, mesmo que ele não esteja condenado, ele já está meio baleado. Não sei se tem que esperar o final do julgamento para aí contar os oito anos.

O senhor acha que mudanças na Lei da Ficha Limpa têm mais chance de passar?

Isso tem. Tem muita gente que defende que deveria impedir de se eleger na próxima eleição. Tem várias questões na Justiça. Que dia começa a contar (o prazo de inelegibilidade)? Por conta de um ou dois dias, tem diferença. Se fosse por uma eleição, diria que pula uma eleição e na outra ele pode. Esse seria o conceito de oito anos. Como tem que ser uma regra perene, eu acho que tentar chegar a um ponto de equilíbrio não tem problema, mas não necessariamente redução.

O senhor vê Bolsonaro como o único que poderia rivalizar com Lula em 2026?

Não. Não tenho essa torcida obsessiva, de que ele tem que ficar interditado para não ser candidato. Para mim, não muda muito. Ele pode estar vitimizado na cabeça dos fanáticos e o nome que ele abençoar eles vão apoiar. Se ele (Bolsonaro) botar o filho dele ou a mulher dele? Ele vai estar por trás sustentando.

Acredita que ele consegue fazer essa transferência de votos de forma eficaz?

Sim. Como as coisas estão muito fanatizadas, não acho que eles perdem muito se ele sai de cena. Acho que a gente tem a mesma chance de ganhar, não acho que a chance de ganhar contra Eduardo (Bolsonaro) ou Michelle é maior do que contra ele. É uma opinião muito particular e provavelmente ninguém vai concordar. A política está fanatizada. Sumiu o centro. Se tiver três candidatos, Lula, alguém da direita do lado deles (Bolsonaro) e um Pablo Marçal ou Gusttavo Lima. A moçada que votar em um desses caras, 80%, no segundo turno, vai votar na direita.

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Na sua opinião, a economia é que vai dizer como Lula chega a 2026?

Sempre acho que a economia tem um papel fundamental no processo eleitoral. É óbvio que hoje tem outros valores incorporados, a fanatização, a forma de comunicação com as redes sociais, mas a prosperidade acaba sendo superior a isso. As pessoas, no senso comum, não ficam discutindo muito a democracia. Querem discutir se a vida está melhorando. Continuo achando que precisamos saber dialogar com o conceito da prosperidade, da melhoria (da vida). Tem muita gente que fizemos prosperar e que hoje já se sente fora da ‘turma do Cadúnico’, e precisamos buscar uma linha de diálogo com esse grupo.

Sobre reforma ministerial, o presidente Lula já tem uma diretriz para fazer o rearranjo nas pastas? Tem muita informação saindo sobre as mudanças...

Tudo chute.

Mas o presidente também faz...

Ele tem o direito de fazer balões de ensaio. Um bobo vai lá e fala na rua (sobre uma possível mudança) e se queima. Até agora ele tem projeções do que pode fazer. Mas ele só vai anunciar quando tiver o mapa completo. Só fez com a Secom por conta do drama que tinha (Sidônio Palmeira assumiu a Secretaria de Comunicação Social no lugar de Paulo Pimenta).

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Está na hora de o presidente fazer um novo arranjo e recálculo sobre os cargos de cada partido?

Se as indicações foram feitas pelos partidos, é preciso que os partidos digam: ‘Não estou gostando disso’. Sei que o PSD da Câmara não se sente contemplado. Tem os ministros da Agricultura (Carlos Fávaro) e o de Minas e Energia (Alexandre Silveira), que são indicações do Senado. E até o de Minas e Energia tem gente do Senado dizendo que não se sente contemplado. É um partido que, na Câmara, dá uma votação. Mas, repare, isso não cabe ao presidente. A briga tem que ser dentro do partido. O partido tem três vagas, não tem como expandir muito.

O ex-presidente da Câmara Arthur Lira participou das conversas sobre a primeira reforma ministerial do governo, e as indicações do presidente da Caixa e de dois ministros são atribuídas a ele.

E aqui no Senado, o pessoal diz que se a Câmara pode ter a Caixa, nós queremos o Banco do Brasil. Ele (Lira) está lá no governo.

E o que fazer com o Lira agora?

Já tem um ministro do PP, não sei se seria uma troca ou se seria mais um. Se seria mais um, ficaria o PP com dois ministros e o presidente da Caixa. Não é pouca coisa. E com o Ciro (Nogueira, presidente do PP) descendo madeira de manhã, tarde e noite. Essas coisas também têm um simbolismo. Não sou contra que ele venha, só estou dizendo que tem que fazer uma coisa bem feita, senão vai passar para fora outra imagem.

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O senhor falou com Rodrigo Pacheco sobre ministério?

Não consegui. Íamos conversar antes de ele viajar, porque queria saber como ajudar. Todo mundo, de uma certa forma, sabe que ele gostaria de ir para o Supremo (Tribunal Federal). Mas não estou vendo, por enquanto, vaga. O (Luís Roberto) Barroso dizia que poderia se aposentar quando deixasse a presidência (do STF). Mas não sei se ele (Pacheco) tem interesse para um ministério. Vai sair o ministro de Minas e Energia para ele entrar? Acho que não, porque o presidente tem uma ótima relação com ele (Alexandre Silveira). O presidente também adora o Fávaro. Não é simples. Eu acho até que a primeira mexida que vai fazer é no território dele, os que ele escolheu e os do PT.

Na semana passada, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, deu uma declaração sobre o Bolsa Família que “causou”...

Espécie.

Como foi a repercussão internamente?

Encontrei com Rui Costa na Bahia na sexta, e foi ele que foi desmentir. Haddad, o presidente, o Rui e a Simone devem ter ficado de cabelo em pé. Não tinha nada disso combinado. Não foi uma coisa boa para ele (Dias). Não estou dizendo que isso vai tirá-lo ou mantê-lo (no cargo).

Mas pode pesar contra, certo?

Sempre vai pesar. Se você é ministro, não pode fazer livre pensar.

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Há relatos na imprensa de que ele não é o ministro mais bem avaliado.

Essa é uma avaliação do presidente. Sou suspeito porque gosto muito do Wellington. Ele tem uma trajetória tão vitoriosa quanto a minha, talvez até mais. Eu, inclusive, no começo, tinha dito ao presidente para deixá-lo aqui (no Senado). Mas ele ficou pedindo pelo amor para ser ministro e acabou indo para um ministério. Mas tem muita gente que avalia que o desempenho não é lá ‘essa Coca-Cola toda’. Uma declaração dessa tem que passar pelo presidente, porque senão acaba alguém tendo que desmentir e é ruim.

O senhor falou sobre o Alexandre Silveira, que o senhor acha que o presidente não vai mudar. Em quais outros cargos o senhor acha que não mexe?

Acho que ele não mexe no Rui, não mexe no Alexandre (Silveira)...

E o Padilha?

Pode mexer, se resolver mexer no Ministério da Saúde. Mas não está dito. Essas coisas, quando começam a falar, é chato. Porque fica todo mundo perguntando se o ministro vai ficar aqui ou ali. Quem quer fazer um acordo na área da política não sabe se adianta fazer com o Padilha porque não sabe se amanhã ele vai sair. Mas aí é o tempo dele (Lula), e ele tem estado bastante hermético sobre isso. Ele, às vezes, joga uma coisa ou outra. Um balão de ensaio, se reagem mal ele segura.

E o vice-presidente, Geraldo Alckmin? O presidente não vai deixar Alckmin sem ministério?

Falavam do Alckmin para o Ministério da Defesa, mas ele (Lula) já combinou com o José Múcio para ficar até o final do ano. Para alguém que vai ser candidato ser mudado (no começo do ano que vem) é ridículo. Vai sentar em janeiro para sair em março. Então, na minha opinião, não mexe.

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Hugo Motta e Davi Alcolumbre vão ter que tipo de papel nessa discussão da reforma ministerial?

Não são os presidentes que indicam, são os partidos. Tem que ver se os partidos deles já estão representados. Cada presidente é de um partido, tem que influenciar dentro do partido dele. Para mim, se ele (Lula) quiser blindar os dois ex-presidentes, ele tem que dizer: ‘De seus partidos, quem abre caminho?’ Muita gente sai da presidência da Câmara e do Senado e não vira nada. O Davi virou alguma coisa? O (Rodrigo) Maia (ex-presidente da Câmara) foi alguma coisa? Não. Não é inelástico o número de ministérios.

Qual a expectativa do governo para o mandato do novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre?

É boa. Não acho que o Davi seja esse bicho papão. Ele tem um conceito que nos atende, e explica a postura dele no governo anterior, que é que ele não tem direito de atrapalhar quem ganhou a última eleição (presidencial). Ele teve dois ou três encontros com o presidente (Lula) e, comigo, disse que não vai atrapalhar. Todo mundo sabe que ele (Alcolumbre) opera atendendo os senadores. Agora, o Hugo Motta (novo presidente da Câmara) também fez um discurso bom na posse e depois… (Motta deu declarações à imprensa com tom crítico ao governo) O pessoal perguntou o que aconteceu. Eu disse: ‘Nada’. Ele teve voto do lado de lá. Muita gente deve ter reclamado que ele entregou tudo para o governo. Vai ser isso, porque os dois (Motta e Alcolumbre) se elegeram com os votos das duas bandas.

O senhor acha que o presidente do Senado será um novo “executor” das emendas parlamentares, como foi Arthur Lira nos últimos anos?

Não vejo como não ser isso.

O Lira fazia muito isso.

O Davi também. O Rodrigo (Pacheco) deixava para o Davi. Agora, o Davi é que está sentado e que vai fazer. Não tem briga entre as Casas por emendas. Já tem um conceito. Tudo o que é (emenda) extra, é dois terços para lá e um terço para cá. Não tem briga nisso, a briga é pelo protagonismo legislativo.

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Sobre a pauta econômica, como vai ficar o desenho da compensação da desoneração para 2025? No ano passado, votaram com compensações só para 2024.

E nem compensou. Aquela lista de coisas apresentadas pelo Senado, eles sabiam que não ia dar para cobrir. Aqui tem uma contradição. Todo mundo fala de responsabilidade fiscal e todo mundo quer fazer uma gentileza com alguém seu, seja grupo social ou econômico. E vem essas bandeiras todas. Aumento de BPC, aumento de desoneração de folha…

Ainda não tem discussão sobre compensação para 2025?

Não.

E a reforma do Imposto de Renda? O senhor acha que haverá dificuldade?

Acho que a oposição vai criar problema, mas não sei se é tão simples para eles ficarem contra isso. Ao fim e ao cabo, vão ser contra a compensação (taxação de quem ganha mais de R$ 50 mil), até porque se for sem compensação não tem como ter (a isenção do IR).

Sobre corte de gastos, Lula já disse que por ele esse assunto não será discutido mais, mas o senhor acha que ele pode voltar atrás?

Lula é um cara extremamente responsável do ponto de vista fiscal. Ele sempre teve essa visão de que a inflação é o pior dos dramas para a população mais carente. Ele fala isso e fica no caminho do meio. Diz que por ele, não (discute novos cortes de gastos). Mas, se precisar… Se a situação for apertada do ponto de vista fiscal, alguma coisa ele vai topar fazer. Nos meus dois primeiros anos como ministro do Trabalho, em 2003 e em 2004, ele não deu aumento no poder de compra do salário mínimo. Eu defendi e ele sempre defendeu na campanha, mas ele ouviu o lado conservador.