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Líderes indígenas recorrem a escolta em área de buscas de desaparecidos em Atalaia do Norte

Seguranças particulares protegem ativistas que estão na mira do crime organizado; na delegacia que investiga o sumiço de indigenista e jornalista nem o rádio funciona

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Foto do author Vinícius Valfré
Por Vinícius Valfré
Atualização:

ATALAIA DO NORTE (AM), ENVIADO ESPECIAL – Toda vez que dois indígenas se deslocam pela pequena Atalaia do Norte, no extremo oeste do Amazonas, um protocolo de segurança é acionado. Uma escolta os acompanha à frente e dá retaguarda a eles para oferecer resistência contra possíveis atentados patrocinados por quadrilhas com atuação no Vale do Javari, na tríplice fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia. Os irmãos Beto e Eliesio Marubo são marcados para morrer. Líderes indígenas, eles estão na mesma lista de inimigos do crime organizado da Amazônia em que figura o indigenista Bruno Pereira, desaparecido desde domingo, no Alto Solimões.

Seis dias depois, ainda não se sabe o paradeiro dele nem do jornalista inglês Dom Phillips. Na cidade, a apreensão se mistura a queixas de falta de empenho nas buscas. Um efetivo de 250 homens da Marinha, do Exército e das polícias Federal, Civil e Bombeiros atua no resgate - número abaixo do que as Forças Armadas podem mobilizar.

Forças de segurança vasculham Rio Itaquaí, em Atalaia do Norte Foto: Wilton Junior/Estadão

À margem direita do Rio Javari, Atalaia do Norte convive com a intensa movimentação de traficantes de drogas e de exploradores. Trata-se de um “ponto cego” do poder público dos dois lados da fronteira com o Peru, que acaba sendo usado como rota de escoamento do crime. Na única delegacia, nem os rádios comunicadores funcionam e os quatro investigadores se dedicam a crimes de menor potencial ofensivo. É nessa instalação que está o delegado que preside o inquérito e onde também se encontra um dos suspeitos de ligação com o desaparecimento de Pereira e Phillips.

A proteção dos líderes Marubo conta com seguranças particulares, à paisana, e com uma rede de informantes. Até uma empresa de segurança privada foi contratada pelos indígenas para levantar informações e emitir relatórios sobre novas ameaças. “Se não tivermos todas as precauções, pode acontecer o que aconteceu com o Maxciel Pereira (colaborador da Funai assassinado em 2019 na avenida principal de Tabatinga)”, diz Beto, conhecido mundialmente pelo trabalho de preservação do Javari. “Temos parcerias com algumas empresas de segurança e com a própria polícia, então temos uma rede de apoio e a gente faz triangulação de informações”, destaca Eliesio, que é advogado.

Se não tivermos todas as precauções, pode acontecer o que aconteceu com o Maxciel Pereira (colaborador da Funai assassinado em 2019).”

Beto Marubo, líder indígena

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Os dois lideram a União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja), região com a maior concentração de povos isolados no mundo. A entidade representa todas as etnias da área e busca compensar as lacunas deixadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

A preocupação com a segurança dos integrantes da Univaja sempre existiu. Com o desaparecimento de Pereira, a proteção precisou ser reforçada. Um bilhete apócrifo foi endereçado há algumas semanas à organização com ameaças tanto ao indigenista quanto a Beto e Eliesio.

Pereira desapareceu enquanto coordenava um trabalho de formação de equipes indígenas de vigilância para a Univaja, após sofrer retaliações e pedir uma licença da Funai. A capacitação envolvia treinar nativos não alfabetizados em português para manusear drones, ler mapas e operar aparelhos GPS para registrar a movimentação de criminosos em terras protegidas.

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O trabalho vinha gerando informações qualificadas às autoridades federais sobre a movimentação do crime no Javari. A maioria, porém, permaneceu nas gavetas. “Se a gente alimenta o Estado com informações, que nem é nossa obrigação, e o Estado não toma providências, a gente fica vulnerável. Toneladas de caça e de pesca são retirados do Vale do Javari todo ano. São recursos vitais para os irmãos isolados que vivem ali”, denuncia Beto Marubo.

Buscas

A sexta-feira foi marcada por movimentação de militares no Rio Itaquaí para checar possíveis pistas sobre o paradeiro dos desaparecidos. Mergulhadores foram acionados para conferir informações que poderiam levar à localização da lancha usada por Pereira e Phillips. Não houve avanços.

Até agora, o pescador Amarildo Costa de Oliveira, de 41 anos, apelidado de “Pelado”, é o único suspeito e está preso. Os órgãos de investigação trabalham com a hipótese de que ele tenha agido a mando de um traficante de drogas conhecido por ter posses e entrepostos na região de Atalaia do Norte.

Após a Polícia Federal achar “material orgânico aparentemente humano” perto do rio, as famílias de Pereira e Phillips foram chamadas para oferecer materiais genéticos para verificação.

Os nativos se dispuseram a orientar militares que não são do Javari, mas foram dispensados. Segundo o comandante dos trabalhos da Marinha, são 19 militares em três embarcações que estão se orientando com a ajuda de ribeirinhos. “Estamos checando todas as pistas que podem nos ajudar com o paradeiro, mas ainda não temos algo concreto”, disse o comandante Ricardo Sampaio, da Capitania dos Portos de Tabatinga.

Estamos checando todas as pistas que podem nos ajudar com o paradeiro, mas ainda não temos algo concreto.”

Ricardo Sampaio, comandante da Capitania dos Portos de Tabatinga

Comando

O grupo tático da PF, homens do Exército e da Polícia Militar participam das buscas. Não há um comando único em Atalaia do Norte. As operações são coordenadas pela Polícia Federal em Manaus, a cerca de 1 mil quilômetros do local do desaparecimento.

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Procura por jornalista Dom Phillips e indigenista Bruno Pereira na cidade de Atalaia do Norte (AM), na fronteira com o Peru Foto: Wilton Junior/Estadão

Todas as etnias do Javari têm ao menos um representante percorrendo rios e igarapés em busca de vestígios de Pereira, numa investida paralela às das autoridades federais. O indigenista é considerado pelos indígenas como um amigo. Criou laços com os nativos percorrendo aldeias e acumulando desavenças com traficantes e exploradores porque fazia o seu papel, como servidor da Funai, de confiscar produtos extraídos ilegalmente de territórios preservados.

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