O Supremo Tribunal Federal (STF) surpreendeu juristas e políticos, no julgamento da denúncia do mensalão, ao decidir por uma espécie de "condenação parcial" dos réus. Pela tradição, os ministros da Casa apenas examinariam o pedido de abertura de processo penal contra os 40 acusados com base em indícios. O que se presenciou em cinco dias de sessões, segundo os próprios ministros, foram palavras e acusações fortes sobre o esquema de corrupção, típicas do julgamento do mérito, última fase do processo. Leia mais sobre o mensalão A "condenação parcial", termo que está sendo usado nas conversas do tribunal sobre o julgamento, pode não existir na fase de tramitação do processo, mas causa estragos políticos para quem quer reaver o direito de disputar uma eleição. É o caso do ex-ministro e deputado cassado José Dirceu, que trabalha numa campanha de anistia. Na avaliação de assessores e advogados que vivem o dia-a-dia do tribunal, o plenário se comprometeu politicamente em manter a linha de análise e pode ter aberto jurisprudência, definindo um novo formato de tramitação de processos. A previsão é que o julgamento final ocorra em no mínimo dois anos e meio. Mas há quem diga que a sentença só seja dada após cinco anos. Relator do caso, o ministro Joaquim Barbosa deixou claro que, para ele, o jogo não está começando do zero. Todas as acusações apresentadas e frases ditas no plenário na análise da denúncia devem apressar o julgamento final. Ao dar o seu voto, Barbosa recorreu a palavras do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, autor da denúncia, para deixar marcada a própria posição. "Os dados são claríssimos", disse o ministro, sempre acompanhado por fiéis escudeiros. "Não há dúvida do envolvimento do Banco Rural no sistema de repasse irregular de recursos." Mesmo quem pedia cautela para evitar os excessos numa fase apenas de recebimento da denúncia soltou frases fortes contra os mensaleiros. "É um esquema escancarado", disse o ministro Marco Aurélio Mello, que dias depois avaliou publicamente que muitos "carregaram na tinta". O ministro Celso de Mello, mais antigo do tribunal, disse frases pesadas ao defender processo contra José Dirceu por corrupção ativa: "Os elementos indicam o modus operandi do PT de repassar recursos entre os partidos", afirmou. "Todos os repasses foram avalizados pelo José Dirceu." O ministro Gilmar Mendes, que, no início, se posicionou contra o trabalho do procurador-geral, foi outro a pronunciar uma frase pouco comum no exame de denúncia. "É difícil imaginar que as complexas negociações pudessem ser feitas sem uma chancela política", afirmou. "DENÚNCIA CHEIA" Os ministros Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto foram os que mais contribuíram na inovação do julgamento de denúncia. Peluso bateu pesado em Dirceu, principal réu do caso. "Ele era a principal figura do partido", disse. "O denunciado tinha conhecimento do esquema financeiro", completou. "A denúncia, longe de ser vazia, é cheia", ressaltou. "A denúncia é típica de quadrilha ou bando." Peluso também foi enfático ao falar da suposta parceria do ex-ministro Luiz Gushiken com o ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, acusado de repassar o dinheiro da instituição para o esquema. "Como o secretário de Comunicação estava alheio a movimentação de dinheiro dessa ordem? Se fosse um contratinho de R$ 10", questionou. "O montante de dinheiro envolvido era muito grande para estar nas mãos independentes de um diretor de marketing." Ayres Britto comparou os petistas envolvidos no caso aos governadores corruptos do Brasil colônia. "O padre Antônio Vieira disse em um sermão que os governadores pobres chegavam às Índias ricas e saíam ricos das Índias pobres." CONTEXTO Assessores e advogados tentam entender o que ocorreu no Supremo. Eles avaliam que o comportamento dos ministros pode ser compreendido com a análise do contexto atual. É tempo de críticas à morosidade da Justiça, desconfianças da relação do Supremo com outros Poderes e o cidadão, com os holofotes apontados para o tribunal, percebe seu desconhecimento dos ritos da corte. Diante desse cenário, os ministros quiseram marcar posição. Mais cauteloso, o jurista Carlos Veloso, ex-presidente do Supremo, diz que é normal um julgamento preliminar com polêmicas e declarações fortes. Veloso citou o caso Jader Barbalho, relatado por ele, que rendeu discussões no plenário. "Nesta fase de recebimento da denúncia, a dúvida é a favor da sociedade. Depois, no mérito, o julgamento é a favor do réu." Ele discorda da tese de que a fase de abertura do processo pode antecipar o julgamento final. "O recebimento da denúncia não antecipa nada. Foi um julgamento público, isento e justo." FRASES Joaquim Barbosa Ministro do STF e relator "Não há dúvida do envolvimento do Banco Rural no sistema de repasse irregular de recursos" Marco Aurélio Mello Ministro do STF "É um esquema escancarado" Celso de Mello Ministro do STF "Todos os repasses foram avalizados pelo José Dirceu" Gilmar Mendes Ministro do STF "É difícil imaginar que as complexas negociações pudessem ser feitas sem uma chancela política" Cezar Peluso Ministro do STF "A denúncia é típica de quadrilha ou bando"
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