Dia destes Isabel leu para mim artigo de Leonardo Coutinho, colunista da Gazeta do Povo, de Curitiba, residente em Washington, DC, que, sinceramente, me estarreceu. Ao correr da leitura conheci fatos estarrecedores. Segundo ele, em 2 de fevereiro, quando já era conhecido no mundo inteiro, o coronavírus, egresso de morcegos e cobras vendidos em mercados para serem cozinhados na região de Wuhan, na China, o prefeito de Florença, Dario Nardella, lançou uma campanha sob o tema "abrace um chinês" contra "o preconceito, a exclusão e o terrorismo psicológico". Ele e outros políticos esquerdistas, contou Coutinho, espalharam peste similar: a notícia falsa de que o vírus não era contagioso. Ainda de acordo com a mesma fonte, o governador do Lácio, Nicola Zinganetti, que posou sorridente com Lula, comunicou que estava feliz por ter sido inoculado por poder contribuir para socializar a doença respiratória e criar imunidade. Imbecis da esquerda ainda vendem suas fake news com desfaçatez.
Mais de um mês e meio depois, o secretário da Saúde da Lombardia, na mesma Itália, disse que não há mais vagas em suas UTIs. Vindo de lá, o primeiro contaminado pelo coronavírus no Brasil foi localizado e isolado. A médica Ester Sabino, pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da USP, liderou o grupo de cientistas brasileiros que sequenciou o vírus em 48 horas após a confirmação do primeiro caso brasileiro. Esse é um feito magnífico, que merece o reconhecimento de todos nós pelo pioneirismo. Recentemente, essa mesma cientista disse ao UOL acreditar que o pico no Brasil do novo coronavírus ocorrerá entre abril e maio, ou seja, no começo do inverno quando as doenças respiratórias atingem seu ápice, exigindo esforço concentrado nos prontos-socorros e ambulatórios brasileiros. O governador de São Paulo, João Doria Junior, que certamente foi informado do fato pelo infectologista David Uip, que chefia no Estado o combate ao que já virou pandemia por decisão da Organização Mundial de Saúde, nem sequer cumprimentou a especialista, que mora na mesma cidade que ele. Se tivesse mostrado um mínimo de curiosidade, poderia ter tomado a providência sensata de não comparecer à festa de 1.200 pessoas que comemoraram a estreia da rede de televisão americana CNN no Brasil. Perdeu a boa oportunidade de cancelar o ágape, ao tomar conhecimento do problema por cujo combate é o principal responsável no Estado, mas não desperdiçou a oportunosa ensancha de alfinetar o presidente da República por negligência mais grave.
Não faltou razão a Dória. Afinal, o único político sensato do Brasil, Janaina Paschoal, deputada pelo PSL que chegou à Assembleia Legislativa de São Paulo com 2 milhões de votos, classificou de indefensável a atitude de Bolsonaro, que chegou a cogitar de seu nome para formar chapa com ela para a eleição presidencial. Quando o noticiário sobre a epidemia mundial começou a ocupar espaço e tempo nos meios de comunicação, o capitão desdenhou dos efeitos maléficos do vírus importado da China.
Na semana passada, enquanto Doria, Rodrigo Maia, David Alcolumbre e outros maiorais da República da insensatez festejavam a chegada da CNN, Bolsonaro encontrava-se com Donald Trump na Flórida. Na volta foi constatado que seu secretário especial de Comunicação, Fábio Wajngarten, tinha contraído o bacilo. Na noite desta segunda-feira 17 de março tinha sido notificado o 13.º caso de contaminação na comitiva. Donald Trump, que se encontrou com o maiorial brasileiro, disse que não foi contaminado. O primeiro exame de Bolsonaro também o declarou imune, embora falte um teste para garantir o diagnóstico. Seu anfitrião em Miami, o prefeito Francis Suárez, foi diagnosticado como contaminado.
Cercado por essas evidências, Sua Excelência voltou ao País e fez sua live das tardes de quinta-feira ao lado do ministro da Saúde, o deputado Luiz Henrique Mandetta, que tem sido elogiado por especialistas por sua atuação no comando da reação federal brasileira ao micro-organismo egresso da China. Portando máscara cirúrgica, a exemplo do subordinado ao lado, o chefe do governo recomendou a seus seguidores nas redes sociais que não comparecessem às manifestações marcadas para domingo 15 por causa do risco de contaminação. Seu apelo contradisse compartilhamento no WhatsApp de um anúncio dos atos. Depois de ser criticado forte e injustamente por políticos e magistrados que, segundo ele, com razão, "têm medo de povo", contudo, voltaria a conclamar os seguidores a apoiá-lo na árdua luta pela governança contra a velha política.
No domingo, à frente do Palácio do Planalto, "teve contato direto com ao menos 272 pessoas em cerca de 58 minutos de interação com apoiadores na frente do Palácio do Planalto", conforme registrou o Estado em análise feita a partir de vídeo publicado em sua página noFacebook. Segundo essa análise, ele manuseou no minimo 128 celulares, trocou uns quatro objetos com a plateia, entre eles um boné, que pôs na cabeça, e cumprimentou 140 pessoas. Conforme revelou o vídeo, "parte dos cumprimentos, nos primeiros 50 minutos do vídeo, é de 'soquinhos' nas mãos das pessoas ou mesmo apertos de mãos. Nos cinco minutos finais de interação, o presidente alcançou pelo menos 80 apoiadores correndo com a mão estendida e cumprimentando várias pessoas na sequência". Infectologistas e até aliados próximos do presidente reprovaram sua atitude.
O presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra, completou a infeliz iniciativa sendo fotografado ao lado do chefe. Agências são instituições criadas para evitar abuso econômico de empresas ou do Estado em processos de privatização. Seus dirigentes não são subordinados do presidente, mas o citado comportou-se como vassalo, súdito. Sua presença deu à cena uma lamentável característica de farsa após a explicação dada por Barra. O responsável pela vigilância da saúde pública e privada no Brasil disse que fora ao encontro de Bolsonaro para uma conversa privada no palácio de despachos num domingo livre. O pretexto do encontro particular é pior do que feira ruim ou saco furado, que minha avó chamava de desculpa de cego.
Foi também lamentável a tentativa de mais uma vez contrariar o que ele próprio já havia afirmado e negado antes, ao dizer ao apresentador de televisão José Luiz Datena, da Band, em entrevista exclusiva, que nunca havia conclamado ninguém para ir às ruas. O vaivém de confirma e nega não pega bem num presidente da República de qualquer republiqueta. No entanto, nada se compara à evidência de que o chefe do Executivo ainda não tem a noção completa de dois deveres de seu cargo. O primeiro é o de preservar a confiabilidade e a credibilidade emanada de seu posto máximo. O segundo, o de contrariar diretrizes de sua condição de último chefe no combate a quaisquer males que ameacem seu povo.
Ainda no domingo Bolsonaro disse que só deve lealdade ao povo e a Deus. Convém lembrar-lhe que jurou cumprir a Constituição e as leis da República quando assumiu o mais alto posto da administração federal e da política pública no Brasil. Quanto ao povo, em cujo nome exerce legitimamente o poder por delegação de "cada cidadão, um voto", deve preservar, com o que estiver ao seu alcance, sua saúde e seu bem-estar. Quanto a Deus, qualquer crente sabe que é fonte de vida e esta está acima da política e até mesmo da democracia.
Hoje o Brasil precisa de um estadista que governe para todos, e não apenas para prosélitos. Seu dever agora seria aconselhar os cidadãos a ficarem em casa, evitarem contato físico com outras pessoas até passar o período de velocidade da contaminação, que é este, segundo o reitor da Universidade de Campinas (Unicamp), Marcelo Knobel. Sábio conselho. Se for o caso, pode até usar força para evitar aglomerações. Da mesma forma que o dever dos políticos atacados nas manifestações de domingo é aprovar sem delongas os R$ 5 bilhões pedidos por Mandetta. E empregar Fundos Partidário e eleitoral para salvar vidas ameaçadas pela covid-19. E se Doria quer enfrentá-lo na eleição presidencial de 2020, que adote medidas empregadas em Itália, Espanha, França, Chile, etc. O Brasil e o Estado de São Paulo precisam de autoridades com hombridade, que não se apoiem em macheza, mas, sim, em capacidade de persuasão, sensibilidade e força para tomar decisões certas e urgentes.
· Jornalista, poeta e escritor