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No centro da crise do MEC, Anderson Torres passa de ministro de perfil técnico a ator político

Titular da Justiça nega ter dado informações privilegiadas sobre operação Acesso Pago, da PF, ao presidente Bolsonaro

Foto do author Felipe Frazão
Foto do author Julia Affonso
Por Felipe Frazão e Julia Affonso
Atualização:

BRASÍLIA – A suspeita de que o presidente Jair Bolsonaro vazou a operação Acesso Pago da Polícia Federal (PF) ao alvo principal do caso, o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, atingiu por tabela um de seus mais obedientes colaboradores, o ministro Anderson Torres, da Justiça e Segurança Pública. O ministro da Justiça do governo Bolsonaro coleciona episódios de choque com o Judiciário.

Neste domingo, dia 26, o ministro negou que, durante uma viagem aos Estados Unidos no início do mês, tenha repassado informações privilegiadas ao presidente sobre o caso MEC. O ex-ministro da Educação foi grampeado, no dia 9, dizendo que tinha recebido um telefonema de Bolsonaro e que ele falou do risco de uma busca e apreensão. Naquela data, Torres e Bolsonaro cumpriam agenda diplomática juntos na Cúpula das Américas, com o governo Joe Biden. Não esclareceu, porém, se discutiu ou não o caso com Bolsonaro antes.

O ministro Anderson Torres negou que tenha repassado informações privilegiadas ao presidente sobre o caso MEC. Foto: Adriano Machado/REUTERS

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Anderson Torres é o superior hierárquico da PF e delegado de carreira dos quadros do órgão, desde 2003. Nomeado ministro por Bolsonaro em março do ano passado, passou a exercer a função de elo político entre o Palácio do Planalto e a PF.

A postura de Torres no cargo tem sido alvo de questionamentos nos demais poderes. Ele não tem interlocução azeitada com ministros do Supremo Tribunal Federal, algo que era comum a ministros da Justiça de governos anteriores. A falta de trânsito já foi confidenciada ao próprio Torres por ministros da Corte.

Em vez de construir a ponte entre o Planalto e o Supremo, Torres a quebrou ao virar alvo do inquérito das fake news, no ano passado, por causa de ataques às urnas eletrônicas, e ao se submeter a cumprir desígnios do presidente, novamente movendo o aparato da PF para dar vazão às suspeitas do presidente contra o sistema de votação, que pretende auditar.

O ministro tem perfil mais político e ligado à Segurança Pública do que diálogo no meio jurídico, como seus antecessores. Até autoridades com quem já buscou aconselhamento lhe avisaram dessa diferença, indicando que ele deveria se dar conta da importância do cargo e se portar à altura.

O Ministério da Justiça é o mais antigo do País e primeiro na ordem de precedência, em cerimônias, o que coloca Torres em posição de destaque nas solenidades. Não raro, os ministros da Justiça são nomes fortes no governo federal. Já ocuparam a pasta advogados como Nelson Jobim, Márcio Thomaz Bastos e José Eduardo Cardozo, o mais longevo da história, nas últimas décadas. Também passaram pela cadeira nomes como Osvaldo Aranha, Francisco Campos e Armando Falcão.

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Seus antecessores atuavam muito mais como conselheiros do presidente e influenciavam a escolhas para cargos da cúpula do Judiciário, como ministros do STF e STJ. Torres esteve mais alheio às últimas opções de Bolsonaro, atribuídas a outros auxiliares presidenciais.

O atual diretor-geral da PF, Márcio Nunes de Oliveira, é pessoa de confiança de Torres. Ele foi secretário executivo do ministério antes de assumir a PF, mas não tem agradado ainda a Bolsonaro, que já nomeou cinco delegados para a função ao longo do mandato.

Bolsonaro sempre se queixou de falta de acesso a investigações da PF. Foi acusado pelo ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro (União Brasil) de tentar interferir na corporação e de cobrar acesso a informações privilegiadas sobre apurações contra aliados políticos e familiares. Moro se demitiu do cargo acusando o presidente de forçar a troca de Maurício Valeixo, então diretor-geral, delegado da confiança do ex-juiz da Lava Jato. Torres, à época, era um dos nomes cotados pelo governo para substituir Valeixo, o que não ocorreu, apesar do apoio da Frente Parlamentar da Segurança Pública e de aliados próximos do presidente, dos antigos partidos PSL e Democratas.

O ministro tem perfil político e uma trajetória restrita à atividade policial. Antes de servir ao governo Bolsonaro, Torres era secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, e foi indicado ao Planalto com as bênçãos do governador Ibaneis Rocha (MDB). Assim como outros delegados da cúpula da PF, ele mantinha relações políticas nos bastidores do Congresso.

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Até março, Torres tinha pretensões eleitorais imediatas. A intenção era disputar uma vaga ao Senado no Distrito Federal, pelo União Brasil, comandado por um aliado dele. Segundo o ministério, porém, ele nunca se filiou a nenhum partido.

Anderson Torres foi assessor parlamentar do ex-deputado federal Fernando Francischini por 8 anos e integrou a direção da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF). Nessa época, ganhou trânsito com parlamentares e tornou-se bem quisto pela bancada da bala e pela família Bolsonaro.

O ministro começou a perder prestígio após participar de uma live de Bolsonaro, no ano passado, na qual o presidente atacou as urnas e o STF. Semanas depois, por decisão do ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, Torres teve de prestar depoimento à PF, em seu gabinete, no inquérito das fake news.

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Desde a morte de Genivaldo Jesus dos Santos, asfixiado em uma câmara de gás pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), em Sergipe, o ministro da Justiça tem sido mais pressionado no cargo. Chegou a ser convocado a prestar contas no Congresso, algo raro, e terminou comparecendo por acordo político. Torres tratou o caso como “fato isolado” e se queixou de o assassinato de dois agentes da PRF, em Fortaleza, não ter se tornado objeto de discussão, na Câmara, como a morte de Genivaldo.

No início da semana passada, mais um sinal de alinhamento total com Bolsonaro. Torres enviou um ofício ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, e informou que a PF poderia usar programas próprios para fiscalizar as urnas eletrônicas. Bolsonaro faz campanha permanente contra o uso do equipamento de votação. O documento do ministro foi visto como uma nova tentativa de controlar as eleições.

‘Interferência política’

O Estadão apurou que a suspeita de interferência política na operação que culminou na prisão de Milton Ribeiro existia desde o início das apurações. Havia pressão na equipe liderada pelo delegado Bruno Calandrini para que a investigação não avançasse.

No dia 9 de junho, Milton Ribeiro disse à filha, em conversa interceptada pela Polícia Federal, que Bolsonaro havia lhe contado sobre um “pressentimento” de que ele poderia ser alvo de busca e apreensão no inquérito sobre o gabinete paralelo de pastores no Ministério da Educação (MEC). Naquela data, Torres estava com o presidente em viagem aos Estados Unidos.

Menos de duas semanas depois, em 20 de junho, o juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, relator da investigação, afirmou que as prisões de Milton Ribeiro e dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura eram necessárias para impedir uma “interferência política nas investigações”. O Ministério Público Federal havia sugerido outras medidas diversas da prisão, como proibição de contato, de se ausentar do país e de entrar no Ministério da Educação. O magistrado rechaçou a ideia.

Na quinta-feira, 23, após a soltura do ex-ministro e dos religiosos, Bruno Calandrini denunciou suposto ‘tratamento privilegiado concedido’ pela Polícia Federal ao aliado do presidente. O delegado declarou não ter ‘autonomia investigativa e administrativa para conduzir o inquérito policial do caso com independência e segurança institucional’. A PF informou ter aberto um inquérito para investigar

Horas depois de a mensagem vir a público, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) divulgou uma nota na qual prometeu acompanhar investigação sobre denúncia de interferência na operação. A declaração foi vista com desconfiança por um grupo de delegados.

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Um dos motivos foi a ligação da associação com Torres. O vice-presidente da entidade, Allan Dias Simões Maia, é assessor especial do ministro. Outra razão foi a falta de menção a todos os crimes investigados no caso. A Operação Acesso Pago suspeita de corrupção passiva, advocacia administrativa, prevaricação e tráfico de influência. Apenas um deles foi mencionado na nota da ADPF.

“A ADPF acompanha com atenção as notícias sobre a Operação Acesso Pago, que resultou na prisão preventiva do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e de outras pessoas supostamente envolvidas em tráfico de influência no Ministério”, afirmava.

A tônica da nota da ADPF foi a mesma da live de Bolsonaro naquele mesmo dia. Ao comentar a investigação contra seu aliado, o presidente disse que não se tratava de um caso de corrupção. “Foi história de tráfico de influência, é comum”, afirmou.

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