Depois de gastar R$ 54 milhões do próprio bolso na campanha presidencial de 2018, quando foi o maior doador pessoa física da história e recebeu 1,2% dos votos, o ex-ministro da Fazenda (governo Michel Temer) e atual secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, Henrique Meirelles, planeja, agora, aos 75 anos, um voo político mais modesto para as eleições de 2022.
Embora seja cauteloso ao tratar do assunto, Meirelles disse ao Estadão que deixou o MDB e voltou para o PSD porque “considera o convite” feito pelo presidente da legenda, Gilberto Kassab, e por dirigentes locais para disputar uma vaga no Senado por Goiás, sua terra natal. Pelo plano traçado no PSD, Meirelles faria uma dobradinha com o governador Ronaldo Caiado (DEM), que é um dos poucos aliados do presidente Jair Bolsonaro no plano nacional e tentará se reeleger no ano que vem. Caiado, na avaliação de Meirelles, vem fazendo um “trabalho correto” no enfrentamento da pandemia da covid-19.
“O Meirelles sempre teve muita afinidade com o PSD e foi um dos fundadores do partido. O sonho dele sempre foi representar Goiás na vida pública”, afirmou Kassab. A disputa pelo Senado deverá ser a terceira investida eleitoral de Meirelles. A primeira foi em 2002, quando foi eleito deputado federal pelo PSDB de Goiás. Durante o período em que esteve à frente do Banco Central (governo Lula) e do Ministério da Fazenda, na gestão Temer, o ex-presidenciável ganhou fama de “articulador hábil” e “paciente” com o Congresso Nacional.
A movimentação do ex-ministro, porém, já incomoda potenciais adversários na política local. “Ele não tem raízes em Goiás. Foi ligado à esquerda, Lula e ao PT e agora está com (João) Doria. O eleitor goiano não vai entender isso”, disse o deputado Delegado Valdir, presidente do PSL goiano e deputado mais votado do Estado em 2018.
Assim como o PSD, Meirelles costuma ser comedido ao avaliar o quadro nacional. Enquanto Doria, que é adversário de Bolsonaro, faz discursos contundentes contra o governo, o secretário rejeita, por ora, a ideia de integrar uma aliança de centro contra o presidente, que tentará a reeleição. “Não é o momento no Brasil de se pensar em movimentos desse tipo. Isso acontece quando um país está maduro e existe uma mobilização de base popular muito grande. Em 2015 houve uma crise fiscal, de responsabilidade direta da então presidente (Dilma Rousseff). Era o segundo mandato. O País e o Congresso estavam maduros, politicamente falando, para isso. Hoje não há condições. Sou muito prático e objetivo. Temos que olhar para a frente.” Questionado sobre em quem votou no segundo turno em 2018, disputado entre Bolsonaro e o petista Fernando Haddad, Meirelles desconversou: “O voto é secreto”.
Pandemia
Na rotina do Bandeirantes, Meirelles é um dos poucos que têm gabinete próprio. Despacha a poucos metros de Doria. O secretário também é considerado o integrante do primeiro escalão mais cuidadoso em relação ao coronavírus. Nas reuniões do secretariado, nunca retira a máscara. Ele tem optado pelo trabalho remoto, mas, quando é inevitável despachar presencialmente, escancara todas as portas que dão acesso à varanda do segundo andar. Quando recebeu a reportagem, cumprimentou com um sinal de joia a distância.
Nos bastidores, Meirelles procurou não se envolver diretamente nos embates entre a área da saúde – que defende restrições duras de circulação – e a ala que prega flexibilizar o isolamento para não estrangular a economia. Costuma dizer que nunca se submeteu a pressões.
No organograma do governo paulista, em 2020, Meirelles passou a dividir o protagonismo da área econômica com Mauro Ricardo, que assumiu a então recém-criada Secretaria de Orçamento, Gestão e Projetos. A dupla enfrentou a batalha política mais dura do governo Doria, que foi a aprovação do pacote fiscal para conter um rombo de R$ 10,4 bilhões no orçamento de 2021. A proposta aumentou impostos e autorizou a demissão de 5,6 mil servidores.
Passada a turbulência desse período, Doria dividiu com Meirelles os holofotes no anúncio daquele que espera também ser um ativo eleitoral depois da vacina do Butantan: o anúncio de que PIB de São Paulo manteve crescimento em 2020, considerado o mais difícil da história recente em razão da pandemia.
Quatro perguntas para Henrique Meirelles
Como avalia o desempenho do ministro Paulo Guedes no governo Bolsonaro?
O que está acontecendo no governo é uma dificuldade de cumprir a agenda prometida na campanha. Existem linhas diferentes dentro do governo. Algumas medidas foram na direção certa, mas, olhando como um todo, temos uma situação difícil. A pior coisa que poderia acontecer com o Brasil seria sair de uma crise de saúde e entrar numa crise fiscal. Seria o pior dos mundos. Felizmente, temos o teto de gastos na Constituição. Isso hoje é a salvação da lavoura. Permite a manutenção da responsabilidade fiscal.
Críticos falam que houve “estelionato eleitoral”...
Não gosto de adjetivar, mas há uma dificuldade de cumprir uma agenda liberal prometida na campanha.
Valeu a pena gastar R$ 54 milhões em 2018 e receber 1,2% dos votos?
Valeu. Sempre fui realista e sabia que, num quadro muito polarizado, grande parte da população votaria dentro da polarização. Um para evitar o outro e outro para evitar o um. Estamos vivendo essa situação. Fiz a divulgação de uma agenda econômica para o País. Essa agenda se tornou do governo. Se está ou não implementada, é outra história.
Apoiaria uma eventual candidatura de Doria ao Planalto em 2022?
Não há dúvida de que Doria é um candidato natural e forte. Mas apenas o peru morre na véspera. Não tomo decisão em cima de possibilidades.
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