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Nova versão do projeto de anistia pode beneficiar Bolsonaro e tirar inquéritos das mãos de Moraes

Projeto de lei propõe anulação de processos contra todos os envolvidos em atos golpistas, inclusive aqueles ocorridos antes e depois de 8 de janeiro; juristas criticam amplitude do texto; relator nega intenção de ajudar ex-presidente

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Foto do author Weslley Galzo
Foto do author Levy Teles
Atualização:

BRASÍLIA - O relator do projeto de lei (PL) da anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro, deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), apresentou nesta terça-feira, 10, uma nova versão do texto com brechas que podem beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A proposta prevê, por exemplo, que casos relacionados a atos golpistas deixem o gabinete do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e passem a tramitar na primeira instância.

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Bolsonaro é investigado pelo STF na condição de mentor dos atos golpistas e Moraes é o relator. Para dois juristas ouvidas pelo Estadão, o texto redigido por Valadares é amplo demais. Ambos concordam que da maneira como o projeto está escrito cria brechas legais para beneficiar o ex-presidente.

“Essa anistia não tem nenhuma restrição. A anistia aborda atos posteriores a 2023, algo que não faz sentido e é impensável. Como eu posso dar uma anistia para o futuro? A lei não pode dar uma anistia para sempre. Isso é impraticável. (O projeto de lei) tem um problema de redação que torna inviável juridicamente”, afirmou o advogado André Marsiglia. “É uma anistia ampla e irrestrita para questões sob investigação e julgadas relacionadas ao 8 de janeiro”, completou.

Para o jurista Marlon Reis, a redação dada por Valadares é “perigosa” e pavimenta o caminho para tirar do STF as investigações de Bolsonaro. “É um projeto totalmente aberto. É uma redação extremamente perigosa. Ninguém sabe o que se pode pretender atingir”, afirmou.

Avenida Paulista com a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro pede o impeachment do ministro Alexandre Moraes. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O STF reuniu em abril deste ano a maioria dos votos necessários para determinar a ampliação do foro privilegiado mesmo após autoridades deixarem o cargo, permitindo que deputados, senadores, ministros e ex-presidentes sejam investigadas pela Corte em crimes praticados no exercício ou que tenham relação com o cargo. O julgamento foi suspenso em seguida devido a novo pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro André Mendonça.

O projeto da anistia estabelece, em contrapartida ao STF, que “uma vez cessado o exercício da função, o julgamento de todos os processos atraídos por conexão ou continência será imediatamente deslocado para as instâncias adequadas”. A Suprema Corte definiu que todas as pessoas envolvidas nos atos de 8 de janeiro, independentemente do foro privilegiado, serão julgadas pelos ministros.

“É evidente o beneficio do ex-presidente com a mudança de um padrão que está definido de forma pacífica na jurisprudência do Supremo a partir de uma leitura constitucional do foro por prerrogativa de função”, argumentou Reis. Já Marsiglia considera que o texto não é diretamente vinculado ao ex-presidente, mas pode beneficiá-lo.

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“O texto não me parece ser feito para beneficiar alguém em específico. É bastante abrangente e genérica a redação. Beneficia políticos e manifestantes que tiveram punições judiciais relacionadas aos atos do dia 8 e ao uso da liberdade de expressão. Entendo que, dentro da grande abrangência do projeto, é possível interpretar que estejam contidas ao menos parte das punições eleitorais atribuídas a Bolsonaro”, disse Marsiglia.

O projeto da anistia foi debatido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara nesta terça-feira sob pressão dos deputados bolsonaristas pela aprovação imediata e tentativas de aliados do governo de postergar a votação para depois das eleições municipais. A sessão foi suspensa e será retomada nesta quarta-feira, 11. A discussão ocorreu um dia após a oposição apresentar novo pedido impeachment de Moraes.

O relator da medida na Câmara propõe anistiar todos os participantes das manifestações em defesa do golpe, inclusive aqueles que “as apoiaram, por quaisquer meios, inclusive contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações em mídias sociais e plataformas”.

Portanto, caso seja aprovada, a lei tornará imune de punição os financiadores da invasão aos prédios dos Três Poderes e os agitadores que insuflaram a multidão golpista por meio das redes sociais. Parlamentares bolsonaristas e próprio Bolsonaro são investigados no STF por terem apoiado as manifestações que terminaram em vandalismo e destruição do patrimônio público.

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A proposta encampada pelos aliados de Bolsonaro é abrangente e não se restringe ao 8 de janeiro, o que pode mudar os rumos de outras investigações em curso na Justiça que miram atos antidemocráticos e tentativas de golpe. O projeto sob relatoria de Valadares quer anistiar “todos que participaram de eventos subsequentes ou eventos anteriores aos fatos acontecidos em 08 de janeiro de 2023, desde que mantenham correlação com os eventos acima citados”.

Bolsonaro é investigado pela Polícia Federal (PF) sob suspeita de ter orquestrado uma tentativa de golpe militar no País. Fragmentos da investigação divulgados pelo ministro Alexandre de Moraes apontam que o ex-presidente e seus aliados tentaram diversas vezes o caminho da ruptura institucional, como na reunião com os comandantes das Forças Armadas na qual foi proposto que as tropas pegassem em armas para evitar a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O ex-presidente também é alvo dos inquéritos das milícias digitais e das fake news que apuram fatos conexos.

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Em outro trecho, o projeto da anistia propõe assegurar “os direitos políticos, e, ainda, a extinção de todos os efeitos decorrentes das condutas a si imputadas, sejam cíveis ou penais, para as pessoas que se beneficiem da presente lei”. Na leitura de especialistas consultados pelo Estadão, a lei da anistia não alteraria a condição de inelegibilidade de Bolsonaro no caso da reunião com embaixadores, mas impediria que ele ficasse inelegível em outras situações.

Integrante da CCJ da Câmara, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) foi um dos primeiros a chamar a atenção para a extensão do novo projeto. Ele argumentou que o texto ainda estava sendo analisado pela consultoria jurídica do partido, mas não tem dúvidas sobre o benefício a Bolsonaro. “Sem dúvida alguma (beneficia Bolsonaro). É muito mais que uma anistia ampla, geral e irrestrita: é salvo conduto pra golpista, pra agressor da Constituição!”, disse o deputado.

O relator do projeto negou ter a intenção de beneficiar o ex-presidente. “Para entrar na anistia, tem que existir a correlação fática (com os eventos do 8 de Janeiro). O presidente Bolsonaro, a pedido dele, pediu para que ele não fosse incluído (na anistia)”, disse. Ele evitou, no entanto, falar sobre o texto que apresentou: “Vou me abster de pontos específicos porque a gente precisa trazer esses pontos para discussão (interna entre os deputados). Por estratégia, pedimos aqui a devida vênia”.

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