“Quem daqui quer a aviação?“ A pergunta do piloto da missão que transportava um grupo de alunos do curso de Intendência da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) teve uma resposta imediata da cadete Emily Braz, integrante da primeira turma de mulheres que frequentava a escola. ”Eu levantei a mão, e ele me deu uma bolacha (um distintivo) e falou para eu devolver na Aviação.”

Cinco anos depois, a tenente Emily estava no hangar do Comando da Aviação do Exército (CAvEx), na frente da tropa na Base Aérea de Taubaté, nesta sexta, 11, em uma formatura diante do comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva. Era a primeira piloto de combate formada pelo CAvEx. Além de Tomás, outros integrantes do Alto Comando da Força Terrestre acompanharam a solenidade.
“Acompanhei a formação dessa aluna. Ela seguiu rigorosamente tudo o que os demais alunos seguiram”, afirmou o general Achilles Furlan Neto, chefe do departamento de Ciência e Tecnologia (DCT) do Exército. Há 47 anos no serviço ativo da Força Terrestre, Furlan é o mais antigo piloto da força na ativa. “Nada foi dado a ela de graça. Ela conquistou tudo como todo piloto precisa conquistar. Isso é mérito dela”, disse.
A tenente guarda até hoje a bolacha que lhe foi entregue pelo piloto durante uma instrução sobre suprimento aéreo – ela ainda não teve a oportunidade de entregá-la. “Ele não está mais na Aviação.” Filha de um tenente do Exército, ela entrou na Escola Preparatória de Oficiais, em Campinas, em 2017. E já ali ficou admirada com as aeronaves, a infraestrutura e a tecnologia.

“Nas outras Forças já havia mulheres que pilotam. Isso me deu uma inspiração a mais, pois eu sabia que isso era possível”, contou. Emily descobriu a Aviação do Exército após entrar a AMAN. A sua turma contava com mulheres no Serviço de Intendência e no Quadro de Material Bélico. No próximo ano, a academia vai abrir a Arma de Comunicações para as mulheres, parte de um processo paulatino da Força Terrestre de inserção delas em seus diversos setores.
Segundo o Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx), a previsão de percentuais de mulheres para os cursos da AMAN em 2026 é de 45% das vagas para a Intendência, 25% para Material Bélico e 30% para Comunicações. No próximo ano, o Exército passará ainda a contar pela primeira vez com soldados mulheres, todas voluntárias – no Comando Militar do Sudeste, haverá 58 vagas para o serviço no quartel-general disputadas por cerca de 800 candidatas.
É nesse contexto que surge a história de Emily. Na escola do CAvEx havia outra mulher na turma da tenente, que devia se formar como gerente de manutenção de aeronaves. Tratava-se da também tenente Andrielly Mostavenco Gomes, que morreu em um acidente de carro no Vale do Paraíba, em maio de 2024. Era do Quadro de Material Bélico e também havia saído aspirante na turma de 2021. “Ela segue sendo pioneira na aviação.”

O curso feito por Emily durou 16 meses, com 1,4 mil horas de voo e 400 horas nos simuladores de voo. Ali os alunos aprendem a pilotar as aeronaves em situações de combate, com visão noturna e a poucos metros do solo, a fim de evitar os fogos inimigos. “A turma me recebeu muito bem. Os instrutores foram sempre muito profissionais.”
Para ela, sua presença ali devia ser algo normal, que não deveria chamar atenção. “Mas entendo o que isso representa para todas as mulheres. Recomendo às futuras alunas que não desistam de seus sonhos, que mostrem competência e capacidade, que a gente consegue chegar lá.”
Casada com um oficial do Exército que faz a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO), no Rio, Emily deve permanecer por enquanto em Taubaté. Depois, o casal pretende servir na Amazônia. De sua turma de academia pode sair, um dia, a primeira general formada pela AMAN. Trata-se de um caminho longo para Emily e suas colegas.

“A inserção do segmento feminino a gente (Exército) começou mais tarde. Ela está se dando de forma gradual e com competência. A primeira mulher na Aviação do Exército como piloto abre portas para as outras: a Força Aérea e a Marinha já têm oficiais generais; a gente, possivelmente, em breve vai ter”, afirmou Tomás. Eis mais uma bolacha que alguma oficial vai apanhar para um dia poder devolver.