BRASÍLIA – A ONG Pacto Social e Carcerário, investigada por elo com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), planejava enviar representantes para prestar assistência ao ex-guerrilheiro chileno Maurício Hernandez Norambuena na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em San José, na Costa Rica. Ex-colega de penitenciária de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, Norambuena é apontado como peça-chave em uma das principais reorganizações na estrutura da principal organização criminosa do Brasil.
A defesa de Marcola informou que não se manifestaria. O advogado que se apresenta como porta-voz da ONG não retornou às tentativas de contato.

Conhecido por sua participação no sequestro do publicitário Washington Olivetto, o chileno criminoso acusa o Brasil de submetê-lo a tratamentos impróprios ao mantê-lo preso sob o Regime Disciplinar Diferenciado, a solitária. A intenção da entidade de auxiliá-lo no julgamento, que está previsto para os dias 6 e 7 de fevereiro, consta no relatório baseado em documentos apreendidos pela Polícia Civil de São Paulo na operação Fake Scream.
Em documentos apreendidos pela força-tarefa, Luciene Neves Ferreira e Geraldo Sales da Costa, presidente e vice-presidente da ONG, indicam quatro advogados para representá-los na sessão de julgamento do caso Norambuena na CIDH. “Ora, qual seria o interesse e vínculo de uma organização sediada no interior de uma comunidade em São Bernardo do Campo (SP), em pleitear assistência jurídica internacional a um ex-guerrilheiro chileno, senão a sua completa ligação ao PCC e, consequentemente, a sua cúpula?”, diz o relatório policial.
Na visão dos investigadores, os documentos chamados de “vínculos associativos” dos advogados são mais uma evidência da relação entre os integrantes da entidade e o crime organizado. Os representantes também poderiam atuar em nome da ONG no Brasil e no exterior e, ainda, “invocar, quando necessário, a Constituição Federal e todos tratados de direitos humanos Internacionais dos quais o Brasil seja signatário”.
“Cabe dizer que é de notório conhecimento que o nascimento do crime organizado no Brasil, tal qual hoje é visto, advém da coabitação de presos políticos e guerrilheiros estrangeiros com presos comuns”, frisa o relatório.
O relatório destaca que no livro “Laços de Sangue: a História Secreta do PCC”, resultado de uma profunda pesquisa sobre a facção, o procurador de Justiça Marcio Sérgio Christino conta que Marcola e Norambuena estiveram presos juntos em duas ocasiões.
O contato teria influenciado Marcola a criar a “sintonia final”, uma estrutura de comitê central que conta com células responsáveis por funções distintas. Norambuena também teria instruído o criminoso brasileiro em táticas de guerrilha e de terrorismo.
No mesmo envelope, policiais civis encontraram declarações de vínculo associativo da ONG com seus advogados para fins de representar a instituição no Brasil e no exterior e invocar, quando necessário, a Constituição Federal e todos tratados de direitos humanos Internacionais dos quais o Brasil seja signatário.
Foram apreendidos ainda cadernos com anotações de reivindicações e nomes de presos que, de acordo com policiais civis, são associados ao PCC. Os papéis continham também ameaças contra a vida do promotor. Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) do MP-SP.
Norambuena integrou um grupo guerrilheiro chileno que fazia oposição à ditadura militar de Augusto Pinochet. Após o fim do regime autoritário, em 1990, ele manteve a atuação criminosa e foi preso pelo assassinato de um senador e pelo sequestro de um empresário da família dona de um dos maiores jornais do país, o “El Mercúrio”.
Depois de cinco anos de detenção, ele fugiu da prisão de segurança máxima em Santiago, onde cumpria pena. A ação contou com um helicóptero usado para retirá-lo da cadeia. No Brasil, ele e outras cinco pessoas participaram do sequestro de Olivetto em 2001. Os criminosos pediam o pagamento de R$ 10 milhões para liberar o refém.
O crime foi desbaratado após policiais localizarem a chácara em Serra Negra, no interior de São Paulo, onde o publicitário foi mantido em cativeiro por 53 dias.
A ONG Pacto Social e Carcerário foi alvo da operação Fake Scream (falso grito), deflagrada pela Polícia Civil de São Paulo e pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP) na semana passada. Segundo a investigação, a entidade está ligada à cúpula do PCC desde a fundação e presta contas à facção de todas as suas atividades.
A Justiça de São Paulo determinou a prisão preventiva de 12 pessoas, incluindo o presidente e a vice da ONG, além de três advogados. Também foram cumpridos 14 mandados de busca em endereços ligados aos investigados. As atividades da ONG foram suspensas e as redes sociais dela retiradas do ar até a conclusão do inquérito.
Conforme revelou o Estadão, representantes da Pacto Social e Carcerário participaram de reuniões com dirigentes dos ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos no governo Lula (PT), além de audiência pública no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A última atividade com o MJ foi em dezembro de 2024, e a pasta pagou as passagens aéreas para Brasília.
Os ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos confirmaram as reuniões. Segundo as pastas, a ONG foi chamada para discutir políticas para presidiários e problemas na qualidade da alimentação no presídio federal da Papuda, em Brasília. O CNJ disse que o evento foi “aberto a toda a sociedade”, e em local aberto a “qualquer cidadão” (leia mais abaixo). A ONG também foi procurada, mas não respondeu aos contatos da reportagem.
Sediada em São Bernardo do campo, a entidade foi criada em 2019 e passou a ser investigada por elo com o PCC em setembro de 2021, depois que policiais apreenderam um bilhete com informações sobre os trabalhos da entidade. O texto estava num cartão de memória pertencente à namorada de um faccionado. Ela foi presa ao tentar entrar com o material e com drogas ilícitas na Penitenciária II de Presidente Venceslau (SP). Dirigentes da ONG foram entrevistados num documentário de 2024 chamado “O Grito”, sobre o regime disciplinar diferenciado (o RDD) usado em prisões federais. O nome da operação “Fake Scream” faz alusão ao filme.
Luciene Neves Ferreira participou de ao menos duas atividades com o Ministério da Justiça. A última foi no dia 16 de dezembro de 2024, quando ela esteve em Brasília para a audiência pública “DICAP em Rede: Participação Social e Enfrentamento ao Estado de Coisas Inconstitucional nas Prisões Brasileiras”. Na ocasião, o MJ apresentou a dirigentes de várias ONGs o plano Pena Justa, uma diretriz elaborada por determinação do STF para enfrentar a “grave violação de direitos fundamentais” nas prisões brasileiras.

As ONGs – entre elas a Pacto Social – participaram da elaboração do plano Pena Justa, disse o MJ ao Estadão. A pasta pagou R$ 1.827,93 pelas passagens de ida e volta de Luciene de São Paulo (SP) para Brasília. Antes disso, em 2016, ela já tinha recebido diárias do governo federal para vir a outro evento na capital federal: a 4ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres, que contou com a abertura da então presidente da República, Dilma Rousseff (PT).