Rio - O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes afirmou nesta terça-feira que a carta enviada pelo vice presidente Michel Temer à presidente Dilma Rousseff com uma série de queixas revelaum "quadro de incompreensão,de desinteligência entre a presidente e o vice,o que torna o tema do impeachment mais delicado, mais sensível em toda sua dimensão". "Certamente eles não estão vivendo um bom clima e isso contribui para o tensionamento que estamos experimentando,porque em jogo está também o mandato da presidente e a possibilidade de sucessão pelo vice. Isso torna as questões mais agudas", declarou.
Mendes pediu celeridade no processo de impedimento,respeitados os ritos,e evitou entrar na discussão sobre convocação extraordinária do Congresso,como defende o governo. "Tem-se clara uma divisão que deve refletir na posição do PMDB (partido de Temer).Estamos apenas iniciando esse processo. É importante que haja solução,qualquer que seja, para que o País possa proceder aquela fuga para a frente, retomar as atividades normais em todos os campos", afirmou o ministro,depois de participar de um seminário sobre mediação na Fundação Getúlio Vargas.
'Remédio constitucional'. Mendes afirmou ainda que o processo de afastamento da presidente "é um remédio constitucional" e, se aprovado, não significa ruptura institucional. O ministro, que é relator das ações no Supremo que questionam a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff (PT), lembrou ainda o afastamento do ex-presidente Fernando Collor de Melo em 1992.
"O remédio do impeachment é excepcional, não pode ser tomado todos os dias. Mas é um remédio constitucional, que a Constituição previu para dadas situações extremas, não envolve ruptura institucional. Alguém falou de ruptura no caso Collor? Tivemos, depois disso, uma fase promissora com Itamar Franco (vice-presidente que assumiu após o impeachment), plano Real. A vida andou, (o impeachment) é um instrumento absolutamente legal", afirmou o ministro após participar de uma palestra sobre medicação na Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio.
Gilmar Mendes disse ainda que há uma confusão no processo de impeachment da presidente Dilma. Ele explicou que o crime de responsabilidade não significa necessariamente a prática de corrupção ou peculato, mas se trata de uma infração político-administrativa e de improbidade.
"A gente precisa contextualizar isso. A rigor, não se pode falar em crime de responsabilidade como se tratasse de corrupção, de peculato, do Código Penal. O crime de responsabilidade é de responsabilidade política. Tem que se examinar se descumpriu a Lei Orçamentária, se abriu crédito sem autorização legal. (Se houve) As pedaladas fiscais ou não, tem que ser analisado nesse contexto", disse Mendes.
Sobre o caso específico da presidente Dilma Rousseff, o ministro afirmou: "Não sei se ela cometeu crime político, ela diz que não cometeu nenhum crime, entendido como corrupção ou peculato. O crime político tem que ser aferido por quem tem competência, Câmara e Senado. Vamos dizer que recursos da Petrobrás tenham ido para sua campanha, como se diz. Isso é legítimo? Ela pode não ter culpa, pode não ter feito com dolo, mas deixa de ter responsabilidade? É isso que está em discussão."
Para Mendes, o argumento do governo e de aliados de que o impeachment é um golpe contra a presidente faz parte do embate político. "É um jogo de retórica no plano da política, mas o impeachment é absolutamente constitucional. Pode ser rejeitado, e a vida volta ao normal, pode ser aceito, e a vida volta ao normal", afirmou.
O ministro disse também ser importante que os "mecanismos institucionais de solução de crise se manifestem". Um deles, segundo Mendes, é o impeachment. "O outro é uma grande repactuação. É preciso que haja uma solução para a crise política."
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