ANÁLISE: O caminho para a reaproximação não será simples

Lula poderá recordar 1989 ou 2002, mas o problema é que sem o antigo ciclo virtuoso das commodities o cobertor ficou curto demais

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Por Lincoln Secco

Apesar de seu berço simbólico ter sido o ABC da classe operária paulista, o PT nasceu como um partido policlassista. Ainda assim, o seu radicalismo verbal afastava tanto trabalhadores sem tradição sindical quanto as classes médias. 

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Foi só diante da insatisfação com o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso que o partido ampliou seu apoio entre os mais pobres. E em 2002 ganhou o respaldo dos estratos médios. A aliança, todavia, não resistiu ao escândalo do mensalão e, no segundo mandato de Lula, às suas políticas sociais que modificaram o padrão de classes no Brasil e geraram uma crise cultural que o cinema nacional tem retratado. 

O crescimento econômico garantiu o aumento dos gastos sociais e o apoio dos de baixo. E a manutenção de uma política macroeconômica conservadora, a anuência dos de cima. Mas entre os dois extremos, as camadas médias sofreram a inflação dos preços dos serviços domésticos sem uma melhoria dos serviços públicos.

A insatisfação explodiu em 2013. Dali em diante o PT agiu como biruta de aeroporto. De acordo com a ventania diminuía e aumentava a taxa Selic; era radical no segundo turno de 2014 para em seguida implementar um programa neoliberal.

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O caminho para a reaproximação com a classe média não será simples. Exige mais que um acerto de contas com as alianças corruptas e uma crítica do segundo mandato de Dilma. Se é verdade que a classe média progressista dos anos 1980 se deslocou para manifestações de preconceito, a reaproximação com a esquerda não depende só de pedidos de desculpas “republicanos”.

Oferecer aos setores médios uma educação política aliada à expectativa de retorno pelos impostos pagos e aos mais pobres a esperança de ascensão social sempre foi o dilema da esquerda. Porque implica tributar o grande capital. 

Lula poderá recordar 1989 ou 2002. Namorar o perigo ou ser o conciliador nacional. O problema é que sem o antigo ciclo virtuoso das commodities o cobertor ficou curto demais. Não há orçamento para acomodar todo mundo. *PROFESSOR DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA NA USP