O advogado e professor de direito Salo de Carvalho explica que a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular os processos envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que tramitaram em Curitiba, pode ter impactos severos e devolver as ações contra o petista ao início. Mas a iniciativa, que também transferiu os feitos para a Justiça Federal de Brasília, pode, diz ele, ajudar a preservar a imagem do ex-juiz Sérgio Moro. Ele foi responsável pelos casos envolvendo a Lava Jato em Curitiba até 2018 e tem sua suspeição arguida pela defesa de Lula, que acusa o ex-magistrado de parcialidade. A decisão monocrática de Fachin ainda precisa passar pelo crivo do plenário do Supremo.
"Poderíamos dizer que a decisão do ministro Fachin beneficia politicamente Moro, pois não o expõe à discussão sobre a parcialidade na condução dos processos", avalia Carvalho, que dá aulas de direito penal na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e na Unilasalle-RS.Nesta terça, 9, a 2ª Turma do STF interrompeu o julgamento da suspeição no caso do triplex do Guarujá. O placar estava em 2 a 2 -o ministro Nunes Marques pediu vista do processo. Carvalho também indica que crimes atribuídos a Lula anteriores a 2011 e 2013 podem acabar prescritos. No caso do triplex, por exemplo, segundo a denúncia do MPF, o imóvel foi "disponibilizado" a Lula, em 2009, e sofreu obras (feitas pela OAS), supostamente destinadas ao ex-presidente em 2014. A empreiteira também pagou, de 2011 a 2016, o armazenamento de bens de Lula e de presentes recebidos pelo então presidente durante o mandato. Leia a seguir os principais pontos da entrevista do advogado ao Estadão:
Como a decisão de Fachin beneficia Moro
“A decisão de segunda (8) concentrou-se em um tema fundamentalmente processual: competência. Ao afirmar que Moro não era competente para julgar os casos do ex-presidente Lula, o ministro Fachin deixou de enfrentar uma das questões principais propostas pela defesa de Lula, que é a da parcialidade. O deslocamento de competência pode ‘beneficiar’, digamos assim, pelo fato de não entrar no mérito de se Moro foi parcial ou não com Lula. Poderíamos dizer que a decisão do ministro Fachin beneficia politicamente Moro, pois não o expõe à discussão sobre a parcialidade na condução dos processos.”
Anulação de provas
“Se fosse acatada a decisão do Fachin de considerar só a incompetência, os processos seriam remetidos para Brasília, foro competente, e o juiz faria uma análise (para saber) se a prova produzida em Curitiba poderia ser aproveitada. Os atos decisórios, a denúncia, a sentença, a quebra de sigilo, estariam todos anulados. Mas a produção da prova, os chamados atos instrutórios, como oitiva de testemunhas, juntada de documentos, poderiam ser aproveitados. Agora, se ficar evidenciada a parcialidade do Moro, o tribunal pode anular inclusive os atos instrutórios. Mas, em qualquer hipótese, o processo retoma a fase anterior ao recebimento da denúncia, que é o início do processo propriamente dito. O que poderia ser reaproveitado, caso o Moro seja considerado parcial, é toda a prova coletada de forma autônoma pelo Ministério Público. Mas grande parte, e eu diria a parte substancial, provavelmente a mais importante, foi sob a presidência do Moro.”
Risco de prescrição dos crimes
“A prescrição penal máxima no Brasil é de 20 anos, isso pensando nos crimes com previsão de penas mais altas, como os crimes contra a vida, cuja pena máxima é acima de 12 anos (de prisão). Nos crimes que são imputados a Lula, lavagem, crimes contra a administração pública, a pena máxima não fica acima de 12 anos. Neste caso, a prescrição seria em 16 anos. Mas, como Lula tem mais de 70 anos, a lei estabelece que a prescrição é reduzida à metade. Hoje (ontem), 9 de março, qualquer crime que for atribuído ao ex-presidente cuja data do fato seja anterior a 9 de março de 2011 já está prescrito.”
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