O programa de construção do primeiro submarino nuclear brasileiro está com pelo menos sete anos de atraso em relação ao cronograma original. Planejado na década de 80 para ficar pronto em 2003 e entrar em operação em 2005, a Marinha prevê agora que ele só será entregue em mais dez anos, em 2012. Depois do recebimento, a Força vai precisar de dois ou três anos de acabamento, testes e treinamento para iniciar atividades com o equipamento. A previsão de que, em princípio, o submarino ficaria pronto em 2003 é do vice-almirante da reserva Othon Luiz Pinheiro da Silva, que idealizou e dirigiu o programa nuclear da Marinha desde o seu início, em 1979, até 1994. Há pouco mais de um mês, a Força divulgou a informação de que o planejamento alongado determina um novo prazo de 10 anos. Cortes de verba Nos últimos anos, a previsão inicial foi revista várias vezes, basicamente por causa dos cortes de verba para o programa, que não permitiram manter o cronograma em dia. Ao longo dos anos 80, fontes oficiais, mencionavam 1995, 2000, 2003, 2005, 2006 e 2007 como prazo para a conclusão do submarino. Em 1990, técnicos ligados ao projeto chegaram a citar 2010 como uma previsão "mais realista". Othon lembra que, no programa de capacitação nacional, a primeira prioridade era o domínio da tecnologia de enriquecimento de urânio. Isso era estratégico para garantir a execução das outras etapas, como a construção dos equipamentos que farão o submarino funcionar. Tecnicamente, o conjunto desses equipamentos é chamado de instalação do protótipo em terra da propulsão nuclear do submarino. O local destinado a abrigar essa unidade - onde o urânio é enriquecido por centrifugação - é o Centro Experimental Aramar, que a Marinha construiu em Iperó (SP). Entre os componentes da propulsão estão reator, turbina, freio dinamométrico, gerador de vapor e pressurizador. O reator compacto é parecido com uma caldeira industrial elétrica que, em vez da resistência, tem combustível nuclear que gera calor. O combustível é o urânio enriquecido. Othon recorda que a Marinha, após fazer a primeira demonstração de enriquecimento de urânio, em 82, definiu o prazo de 2002-2003 para conclusão dos equipamentos de propulsão, e até 2006 para o submarino. Em 1994, ano em que ele deixou a direção do programa e passou para a reserva, todos os prazos do programa estavam cumpridos. Gastos De acordo com o almirante, de 1979 a 1994 o programa consumiu gastos da ordem de US$ 600 milhões - US$ 40 milhões por ano. Desse total, US$ 200 milhões foram para o enriquecimento de urânio e os outros US$ 400 milhões foram gastos no desenvolvimento de componentes para a propulsão nuclear. Os valores incluíam todo tipo de gastos, até a folha de pagamento de mais de 1.600 funcionários de Aramar, dos quais 680 eram físicos e engenheiros. Em 1994, uma redução do orçamento determinou cortes drásticos de pessoal. O quadro ficou limitado a 600 profissionais em 1995. Apesar da falta de recursos, o então diretor-geral de Material da Marinha, almirante Sérgio Gitirana Florêncio Chagasteles, garantiu a continuidade do programa nuclear. "Vai andar no ritmo que for possível, dentro do orçamento que nós recebemos", ele disse no dia 27 de abril daquele ano, durante cerimônia de troca de comando em Aramar. Mas, em 6 de fereveiro de 1996, o então ministro da Marinha, Mauro César Rodrigues Pereira, revelou, em visita a Aramar, que a construção do submarino nuclear deixara de ser prioridade para a Marinha. Em vez disso, a Força passaria a concentrar esforços na construção de submarinos convencionais, de propulsão diesel-elétrica, seguindo projeto brasileiro. Segundo Pereira, a reprogramação não prejudicaria o essencial do projeto, que era o domínio da tecnologia do enriquecimento de urânio pelo método da ultracentrifugação. Ele descartou, porém, a possibilidade de a Marinha desistir do submarino nuclear, mesmo em caso de agravamento da falta de recursos. Classificou o submarino como "estrategicamente importante" para o País e disse que o plano de sua construção era para a primeira década do século 21. Prioridade nº 18 O almirante Othon conta que no fim de 1993 recebeu documento com a relação dos planos da Marinha, por ordem de prioridade. "O programa nuclear, que era prioridade n.º 1 desde 1979, passou a ser a prioridade n.º 18", diz. Entre as 17 prioridades à frente, passaram a ter destaque a compra de fragatas, de mais de 20 aviões de caça A-4 Skyhawk, desativados pela Força Aérea do Kuwait, para guarnecer o porta-aviões São Paulo (ex-Foch, da França) e de novos mísseis. Em 2000, a Marinha atualizou o valor consumido pelo programa nuclear: de 1979 até então fora gasto US$ 1,1 bilhão, sendo US$ 791 milhões (71,9%) provenientes dos recursos orçamentários da instituição. Para terminar a instalação do protótipo de propulsão nuclear seriam necessários mais US$ 800 milhões.
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