Racha no PT se agrava e corrente de Lula ameaça lançar candidato alternativo a comando do partido

Edinho Silva, nome favorito do presidente, conversa com Gleisi e Humberto Costa e faz ofensiva para quebrar resistências; corrente Construindo um Novo Brasil (CNB) ganha apelido de “Construindo uma Nova Briga”

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Foto do author Vera Rosa
Atualização:

BRASÍLIA – Desde 2002, quando foi eleito pela primeira vez para o Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não enfrenta uma rebelião no PT como agora. A crise foi deflagrada pela corrente Construindo um Novo Brasil (CNB), majoritária no PT, porque uma ala desse grupo, que é o mesmo de Lula, não aceita Edinho Silva, nome indicado por ele para presidir o partido.

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Ex-prefeito de Araraquara, Edinho conversou nesta terça-feira, 11, com a nova ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, e com o senador Humberto Costa (PE), presidente interino do PT. Tenta construir uma aliança em torno de propostas para um partido menos belicoso, mas, diante das dificuldades, seus aliados querem antecipar a inscrição da candidatura para os próximos dias, com o objetivo de criar um fato consumado.

As eleições que vão renovar a cúpula do PT, com voto dos filiados, estão marcadas para 6 de julho, mas integrantes da corrente de Lula, Gleisi e do próprio Edinho têm lavado tanta roupa suja em público que a sigla CNB já é chamada nas fileiras do partido de “Construindo uma Nova Briga”.

Edinho conversou nesta terça-feira, 11, com a nova ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, e com o presidente interino do PT, Humberto Costa. Foto: Elza Fiuza/Agência Brasil

Agora, há até mesmo denúncias de que os dois lados estão promovendo filiações em massa, com uso da máquina, para obter votos nas eleições de julho. De outubro do ano passado a 28 de fevereiro, houve 341 mil novas adesões ao PT, um crescimento de 13%. Hoje, o partido tem quase 3 milhões de filiados.

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Por trás do racha existe a disputa pelo controle da tesouraria do PT. A soma dos fundos partidário e eleitoral da sigla está na casa dos R$ 700 milhões por ano.

Edinho não aceita que a secretária de Finanças, Gleide Andrade, pré-candidata a deputada federal, permaneça no cargo. Em 17 de fevereiro, o Diretório Nacional do PT aprovou, depois de muito bate-boca, uma mudança no estatuto para permitir a reeleição de parlamentares e dirigentes do partido que já tivessem exercido três mandatos consecutivos. A modificação foi apelidada de “emenda Gleide”, pois favorece a manutenção da atual tesoureira, guardiã do caixa.

O estopim da troca de alfinetadas ocorreu após a divulgação de que Lula participou de um jantar na casa de Gleisi Hoffmann, na última quinta-feira, 6. O cardápio foi a sucessão no PT. A portas fechadas, um seleto grupo de dirigentes do partido, todos da CNB, disse ao presidente que a candidatura de Edinho – apoiada pelo ex-ministro José Dirceu e pelo titular da Fazenda, Fernando Haddad, entre outros expoentes petistas – sofria inúmeras resistências.

Lula foi avisado, então, de que aquela ala da CNB procuraria um nome alternativo para a disputa. “Vamos acertar um candidato que unifique o PT e ajude o governo”, afirmou ao Estadão o deputado Jilmar Tatto (SP), secretário de Comunicação do PT, que estava naquele jantar.

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O “vazamento” do encontro irritou Lula, que distribuiu broncas. O presidente não quer passar a imagem de um chefe do Executivo que virou refém da luta interna do PT. Além disso, está preocupado com as consequências da divisão em seu partido neste momento de acentuada queda de popularidade, quando tenta conquistar apoios para pôr de pé seu projeto de reeleição, em 2026. O próximo presidente do PT comandará a campanha de Lula ou de quem ele escolher como seu herdeiro político, no ano que vem.

Corrente divulga nota para pedir respeito a Lula

Na tentativa de amenizar a crise, a coordenação da CNB divulgou nesta terça-feira uma “nota de esclarecimento”, dizendo que Lula “merece respeito”. O texto destaca que o presidente foi convidado para participar da reunião na qual ficou definido que Humberto Costa assumiria um mandato-tampão no lugar de Gleisi até julho.

“Também foram feitas considerações sobre o perfil da futura direção, que seja capaz de conduzir o partido com unidade na defesa do governo Lula e das conquistas para a população, como foi durante toda a presidência de Gleisi Hoffmann”, assinala a nota. “Por toda a sua trajetória como fundador e maior liderança política do país e do PT, o presidente Lula é e sempre foi referência natural e absolutamente legítima nos processos internos do partido. Lula merece respeito”.

Gleisi tomou posse como ministra da Secretaria de Relações Institucionais, nesta segunda-feira, e recebeu cumprimentos de Lula.  Foto: WILTON JUNIOR

Durante o jantar na casa de Gleisi, porém, o presidente ouviu uma avalanche de críticas a Edinho. Alguns dirigentes disseram até mesmo que o ex-prefeito de Araraquara seria visto como representante de denunciados nos escândalos do mensalão e da Lava Jato.

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Além da anfitriã e de Jilmar, estavam presentes Humberto Costa; o líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE); o presidente da Fundação Perseu Abramo, Paulo Okamotto; o prefeito de Maricá (RJ), Washington Quaquá, e a secretária de Finanças do partido, Gleide Andrade.

Para Edinho, que também foi ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) no governo Dilma Rousseff, Lula caiu numa “armadilha” ao comparecer àquele jantar.

“Estou muito indignado”, disse o ex-prefeito de Araraquara. “É revoltante que uma reunião para construir a unidade tenha sido vazada como instrumento de luta interna.”

Na casa de Gleisi, Lula ponderou que nunca tinha visto um candidato a presidente do PT ser eleito por unanimidade. Defendeu Edinho, mas, de acordo com relatos, quis encerrar a polêmica e afirmou que toda decisão seria tomada em conjunto com a coordenação da CNB.

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“Nosso desafio é reeleger Lula e construir a unidade do partido. E vamos conseguir”, observou Humberto Costa.

Disputas de poder no PT não são episódios inéditos. Em 1994, antes da campanha presidencial, uma ala à esquerda, comandada por Rui Falcão (SP), hoje deputado federal, conseguiu derrotar o grupo de Lula e controlar a legenda. A diferença, agora, é que Lula ocupa a Presidência pela terceira vez e o confronto racha sua própria corrente, considerada o “centro” político do partido.