Opinião | Regulação das redes sociais: é urgente agir com cautela

Para combater danos causados pela ascensão das plataformas, governantes, legisladores e juízes também correm o risco de avançar rápido e quebrar coisas

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Foto do author Carlos  Affonso Souza
Por Carlos Affonso Souza
Atualização:

Atribui-se a Mark Zuckerberg, CEO da Meta, a frase “avance rápido e quebre coisas”, que viria a simbolizar o espírito da empresa de inovar velozmente, mesmo que isso chacoalhasse as estruturas e viesse a causar certos erros e incompreensões pelo caminho.

As redes sociais, como as detidas pela Meta, revolucionaram a forma pela qual nos comunicamos, transformando atividades privadas em performances públicas em busca de engajamento. Ao mesmo tempo, a customização em massa do que se vê nas redes criou fraturas no sentimento de realidade compartilhada, acelerando a formação de bolhas e o espalhamento de campanhas de desinformação.

Regulador e regulado, vez ou outra, se olham no espelho. No ímpeto de combater os danos causados pela ascensão das redes sociais, governantes, legisladores e juízes também correm o risco de avançar rápido e quebrar coisas, além de reproduzir dinâmicas típicas das redes.

Regulação das plataformas digitais travou no Congresso e pode ser decidida em uma interpretação do STF Foto: Dongyu Xu/Adobe Stock

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Pelo mundo afora se vê autoridades correndo para se manifestar online sobre cada novidade tecnológica, anunciando medidas de ocasião. Existe uma linha que divide o ímpeto de prestar contas e a busca por exposição com frases irônicas, indiretas ou memes. Tudo em nome do engajamento.

O debate sobre regulação das redes acontece nas redes. E é aqui que o Brasil possui uma trajetória única, aliando sua posição de vanguarda nas discussões sobre regulação e governança da Internet, com as experiências recentes de eleições cada vez mais digitais (que trazem a tecnologia para o centro dos debates), a invasão de prédios públicos e um cabo-de-guerra entre o dono de uma rede social e as autoridades nacionais.

Nenhum país possui essa bagagem para desempacotar. Por isso é até natural que os Três Poderes da República estejam, cada qual do seu jeito, buscando responder aos anseios derivados desse cenário. Mas vale calibrar as expectativas e compreender exatamente o que cada autoridade pode e deve fazer, bem como as consequências de cada solução.

No Poder Executivo são estudadas propostas para municiar o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) com mais ferramentas para supervisionar a atuação das empresas de tecnologia. A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) também vem se dedicando cada vez mais ao tema. As duas vertentes podem ser aliadas, já que o controle antitruste beneficia o livre mercado, aumentando a concorrência e o poder de escolha do consumidor.

No Congresso Nacional, o debate sobre uma proposta legislativa para regular as redes sociais e combater a desinformação (PL 2630/2020) acabou procurando tratar de tantos temas que tornou difícil a formação de consenso.

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O Brasil fez história quando, em 2014, aprovou o chamado Marco Civil da Internet, uma lei federal que protege a privacidade e os dados pessoais, a liberdade de expressão nas redes e dispõe sobre a responsabilidade das plataformas.

De lá para cá, a lei deveria ter sido complementada de forma a acompanhar as transformações mais impactantes das tecnologias digitais. Criar estímulos para que as plataformas façam uma moderação de conteúdo transparente, informativa e coerente é uma delas. Na ausência de uma decisão sobre o assunto no Congresso, sobrou para o Supremo Tribunal Federal.

O STF deve, no julgamento de duas ações sobre o regime de responsabilidade civil das plataformas digitais, impor alterações na forma como o tema foi previsto no Marco Civil. Resta saber qual solução vai sair do Supremo, já que os três votos proferidos até o momento apresentam divergências importantes.

O ministro Toffoli propugnou por uma responsabilidade automática das plataformas na medida em que um conteúdo danoso foi publicado (responsabilidade objetiva). A lista de conteúdos incluiria elementos tão diversos como terrorismo e infração a direitos autorais. O ministro Barroso apontou para a existência de um dever de cuidado por parte das empresas, que seria avaliado como um todo e não a partir de cada caso específico.

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O ministro Fux, por sua vez, aventou um regime de responsabilidade a partir da falha em remover conteúdos após notificação (responsabilidade subjetiva), inclusive para danos à honra. Essa medida, caso aprovada, faria com que autoridades retratadas em matérias na imprensa e demais investigados pudessem ter conteúdos removidos das redes mediante simples notificação, impactando severamente a liberdade de expressão.

O senso de urgência em regular as redes sociais é palpável. Talvez as autoridades possam fazer melhor do que avançar rápido e quebrar coisas se escutarem uma outra frase, dita não por Mark Zuckerberg, mas por um de seus ídolos. Fascinado com a cultura clássica, Zuckerberg já se revelou fã do imperador Augusto. A ele é atribuída a frase “apressa-te devagar” (festina lente). Parece contraditório, mas a lição é clara: urgência e prudência andam lado a lado. Se os dois imperativos forem observados é até possível avançar sem quebrar o que é mais precioso.

Opinião por Carlos Affonso Souza

Professor de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS)

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