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Renzo Gracie leva Eduardo Bolsonaro a encontros com acusados de tortura no Oriente Médio

Deputado pouco fala sobre encontros com lideranças acusadas internacionalmente de tortura; encontros foram marcados com ajuda da estrela do jiu-jítsu

Foto do author Vinícius Valfré
Foto do author Felipe Frazão
Por Vinícius Valfré e Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - A quatro meses das eleições e sem dar ampla publicidade às agendas e aos objetivos da viagem, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) realiza um tour pelo Oriente Médio recheado de encontros com ditadores bilionários, sob o pretexto de acompanhar o secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. O almirante Flávio Rocha, chefe da SAE, foi enviado por Jair Bolsonaro à região numa missão de viés comercial, para tratar de interesses da indústria nacional de Defesa, especialmente a venda de armas, como mostrou o Estadão.

O acesso de ambos a palácios dos xeques é facilitado por Renzo Gracie, estrela do jiu-jítsu mundial que goza de elevado prestígio junto a líderes políticos autoritários daqueles países. Entre eles, o presidente recém-empossado dos Emirados Árabes, Mohammed bin Zayed al Nahyan, conhecido como MBZ, e o príncipe Nasser bin Hamad al-Khalifa, do Reino do Bahrein. Nas redes sociais, o próprio Nasser postou foto com o deputado brasileiro, mostrando que o encontro foi em tom de descontração. “Quando você se encontra com brasileiros sempre acaba em jiu-jítsu”, abaixo da imagem em que aparece sorridente ao lado de Eduardo Bolsonaro.

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Em 2019, MBZ passou a ser investigado na França por cumplicidade em atos de tortura nas prisões durante a guerra do Iêmen, conforme noticiou a AFP. Ele era o príncipe herdeiro do emirado e vice-comandante das Forças Armadas do país.

Nasser Hamad, por sua vez, foi acusado de envolvimento em episódio de tortura contra prisioneiros durante uma revolta popular pró-democracia, em 2011. O caso ganhou repercussão mundial e levou a Justiça britânica a admitir a possibilidade de acusá-lo formalmente no Reino Unido.

Uma das supostas vítimas ganhou asilo em território inglês e levou o caso aos tribunais. O xeque costumava fazer visitas a autoridades britânicas e em um delas a prisão chegou a ser pedida por grupos ligados aos direitos humanos.

Eduardo Bolsonaro no Qatar. Foto: Reprodução

Renzo foi o responsável por conceder a faixa preta da modalidade ao irmão de MBZ, Tahnoun bin Zayed Al Nahyan. O xeque atua como conselheiro de segurança dos Emirados Árabes e já foi flagrado em escândalos de operações ilegais com empresa em paraíso fiscal e por lobby irregular praticado por meio de um interlocutor do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump.

Tahnoun também apareceu ligado a um escândalo de espionagem revelado pela Reuters, em 2019. A agência mostrou que a monarquia recrutou ex-funcionários de elite da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), do governo norte-americano, para montar o Projeto Raven. Governos, militantes e ativistas passaram a ser monitorados conforme os interesses dos xeques.

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Nas redes sociais, Eduardo Bolsonaro mantém discrição sobre viagem iniciada ainda no dia 18 de maio. Prefere postar temas do Brasil, como defesa da Polícia Rodoviária Federal ou críticas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar de pouco falar dos encontros formais na viagem internacional, o parlamentar registrou um compromisso no Qatar em que foi a um campo de futebol para o evento escolar.


De acordo com a agenda da SAE, ele e o almirante Rocha já passaram por Marrocos, Egito, Omã, Emirados Árabes, Kuwait, Bahrein, Qatar e Iraque, em encontros com autoridades dos governos, principalmente, militares de alto escalão, e empresários. Um deles era Mansour Mohamed AlMulla, o CEO do Edge Group, um poderoso conglomerado estatal de tecnologia militar. Nem todos os compromissos tiveram os participantes divulgados.

Outro nome de destaque na comitiva, com especial interesse na viagem, é o secretário de Produtos de Defesa, Marcos Degaut, indicado para ser o futuro embaixador do Brasil nos Emirados Árabes. Ele divulgou apenas que cumpre agenda na missão comercial aos países árabes e no Leste Europeu. Ao todo, a comitiva passará por 11 países - além dos árabes, a República Checa e a Hungria. Eles têm apoio das embaixadas e de diplomatas do Itamaraty.

Num dos raros vídeos divulgados por Eduardo, o almirante Flávio Rocha afirma que eles estão acompanhados de “uma comitiva de empresários do setor de defesa, agro, moveleiro e outros setores da economia, com o propósito de atrairmos investimentos e estreitarmos laços com esses países”.

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“Quero agradecer a Renzo Gracie (pela reunião com MBZ). Um encontro que deveria ser rápido, apenas para entregar a condolência assinada pelo presidente Jair Bolsonaro devido ao falecimento do presidente dos Emirados Árabes Unidos, e se transformou em uma conversa aberta, um bate papo entre amigos. Passamos por diversos assuntos e ainda fizemos uma vídeo-chamada com o presidente Bolsonaro”, disse Eduardo Bolsonaro, contando que a conversa acabou durando três horas e teve até vídeo-chamada com o presidente Jair Bolsonaro. “É a terceira vez que encontro com sheik Nasser. Até postei uma foto fazendo uma brincadeira saudável com ele, de jiu-jítsu. O jiu-jítsu aqui no Oriente Médio abre portas, o Renzo Gracie que o diga.”

Um outro integrante da família Gracie, que construiu um legado reconhecido mundialmente sobre a prática da chamada “arte suave”, foi importante para conectar o clã Bolsonaro ao lobby das armas dos Estados Unidos e à família Trump. Royce Gracie, primeiro campeão do Ultimate Fight Championship (UFC), tornou-se um propagandeador da indústria bélica norte-americana.

Em 2017, em um evento em Las Vegas, no Estado de Nevada, Eduardo conheceu dois dos principais nomes da Associação Nacional do Rifle (NRA, na sigla em inglês), por meio de Royce e de um amigo do lutador, Tony Eduardo. O encontro foi registrado nas redes sociais do deputado. A NRA é a maior entidade do lobby pró-armas no mundo.

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“A NRA está em tratativas para que Royce Gracie seja seu porta-voz. O motivo: eles querem lembrar aos americanos o quanto importante é o direito a armas e nada melhor do que um brasileiro para mostrar aos americanos os malefícios que uma lei como o estatuto do desarmamento pode resultar num país”, escreveu o deputado, à época também acompanhado pelo seu irmão, o vereador Carlos Bolsonaro.

No ano seguinte, em 2018, em uma nova edição do evento armamentista em Vegas, Royce Gracie pôde apresentar o filho de Jair Bolsonaro a Donald Trump Jr. Na ocasião, Eduardo falou sobre os planos do pai e das dificuldades que enfrentariam na campanha presidencial. “Agradeço Royce Gracie por me apresentar Donald Trump Jr, filho do presidente dos EUA Donald J. Trump. Oportunidade em que pude falar sobre nossas intenções para 2018 e ataques que também sofremos da fake mídia assim como a família dele sofre”, escreveu.

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