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Traduzindo a política

Opinião | A dura derrota de Bolsonaro em sua articulação para inviabilizar a reforma tributária

Ex-presidente descobriu que sem a caneta Bic que distribui cargos e verbas não tem o mesmo poder de persuasão diante de antigos aliados

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Foto do author Ricardo Corrêa

Sentindo um cheiro de derrota do governo no ar, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi a campo para tentar arrancar os últimos votos necessários para enterrar a reforma tributária no Senado. Acabou levando para si uma derrota amarga com a qual descobriu que, fora do governo, sua capacidade de mobilização e convencimento não é a mesma de quando tinha a poderosa caneta Bic na mão. A aprovação do texto entre os senadores contou com votos de diversos ex-bolsonaristas, incluindo os que ignoraram os apelos do ex-presidente para mudar de lado na reta final.

Nenhum caso ficou tão exposto como o do senador Nelsinho Trad (PSD-MS), flagrado pelo Estadão recebendo uma mensagem de Bolsonaro. O Contato “JMB”, a quem ele chamou de “presidente”, disse que ele era decisivo para derrotar a reforma tributária. Na resposta, o senador tentou afagar ao máximo Bolsonaro. Disse que tem sofrido com o ex-presidente estando distante, que “esse povo não é o nosso povo”, que está triste e com atuação apagada e que não vê a hora da gente (o bolsonarismo) voltar”. Agradeceu a atenção e consideração, mas respondeu que já tinha empenhado sua palavra para votar a favor da reforma. Um contrariado Bolsonaro respondeu apenas com um emoji do polegar fazendo um ‘joia’.

Pelo celular, Nelsinho Trad recebeu pedido de Bolsonaro para votar contra a reforma tributária, mas avisou que votaria a favor do texto Foto: Wilton Junior/Estadão

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Apesar de só o caso de Trad ter sido flagrado, ele naturalmente não foi o único a ser procurado. E até houve quem tenha mudado de ideia incentivado por Bolsonaro. Veja o caso de Tereza Cristina (PP-MS), que celebrou que a reforma tenha passado na CCJ com apoio do PP e, um dia depois, no plenário, votou contrariamente, com o argumento de que o texto final piorou.

Mas muitos foram os que não arredaram pé do apoio a uma proposta discutida e defendida há décadas, inclusive por auxiliares de Bolsonaro. O caso de Ciro Nogueira (PI), ex-ministro-chefe da Casa Civil no antigo governo, é um exemplo sólido. O presidente do PP, que vive nas redes bombardeando o governo Lula mas que, nos bastidores, vê seu partido se alinhar em troca de ministérios e da Caixa Econômica Federal, votou sim para a proposta da reforma, apesar dos apelos do ex-chefe.

Também o ex-líder do governo Bolsonaro no Congresso, Eduardo Gomes (TO), mesmo sendo do PL, partido do ex-presidente, votou a favor da reforma defendida pelo governo Lula. A quem tentou convencê-lo a mudar de ideia, incluindo o próprio Bolsonaro, argumentou que sempre trabalhou pela reforma, inclusive quando estava no antigo governo. Por essa lógica, quem pulou do barco foi Bolsonaro e não ele.

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Jair Bolsonaro até tentou, mas não conseguiu derrubar a aprovação da reforma tributária, que contou com votos de antigos aliados dele Foto: Luiz Santana/ALMG

Não apenas bolsonaristas ainda convictos, mas também ex-bolsonaristas engrossaram os votos pela reforma tributária. A lista inclui Vanderlan Cardoso (PSD-GO), um dos primeiros ex-aliados do capitão a abraçar Lula; Jayme Campos (União-MT), que já vinha se afastado desde que passou a defender que a inelegibilidade aplicada pelo TSE ao ex-presidente deveria ser respeitada; e Zequinha Marinho (Podemos-PA), que precisou sair do PL após votar a favor da MP da Reestruturação dos Ministérios.Também votaram a favor: Daniella Ribeiro (PSD-PB), cujo grupo e família participaram do governo Bolsonaro, e que chegou a ser cotada para um ministério na antiga gestão; Efraim Filho, que continuou fiel ao bolsonarismo na eleição do ano passado; Laércio Oliveira (PP-SE), que indicou um aliado na gestão bolsonarista; Professora Dorinha (União-TO), uma das que foi ao Palácio da Alvorada tirar foto ao lado de Bolsonaro para anunciar apoio segundo turno da eleição, mas que virou vice-líder de Lula em março; e Carlos Viana (Podemos-MG), ex-candidato ao governo de Minas com apoio (ao menos formal) do ex-presidente e que perdeu o contato com ele após perceber que teve sua eleição sabotada.

A derrota que se completou no Senado já tinha sido construída também na Câmara, quando Bolsonaro bradou contra a reforma e constrangeu o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), seu aliado mais poderoso atualmente, durante um evento do PL. Na ocasião, o próprio Bolsonaro reconheceu ter errado no posicionamento público. Agora, porém, com Tarcísio, Romeu Zema (Novo) e outros governadores aliados em silêncio, o ex-presidente encampou uma missão inglória nos bastidores e perdeu novamente.

Opinião por Ricardo Corrêa

Coordenador de política em São Paulo no Estadão e comentarista na rádio Eldorado. Escreve às quintas

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