A polarização política que toma conta de praticamente toda a América Latina e de grande parte do mundo traz um reflexo interessante quando se olha para as popularidades dos presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina, Javier Milei. Embora enfrentando situações profundamente distintas e adotando medidas diametralmente opostas para lidar com os desafios de seus países, os dois chegam ao atual momento com popularidades praticamente idênticas. E com a ainda mais interessante avaliação de que o eleitorado argentino, que elegeu um direitista no ano passado, parece hoje menos liberal que o brasileiro, que escolheu um presidente de esquerda um ano antes.
Quando se mergulha nos dados obtidos pelo Latam Pulse, uma parceria do instituto Atlas e da Bloomberg que realizou levantamentos em cinco países da América Latina (Brasil, Argentina, Colômbia, Chile e México), percebe-se nuances que indicam que a forte polarização política continua levando a uma avaliação dividida da sociedade, independentemente dos rumos e dos resultados obtidos por cada um dos presidentes, em especial nas duas maiores nações sul-americanas.
De um lado, Lula vê o país crescer, com baixo desemprego e redução importante nos índices de pobreza, enquanto resiste a cortar gastos governamentais, o que entrega em contrapartida desconfiança externa e pressões sobre inflação e juros futuros. De outro, Milei promove ajuste rigoroso nas contas para lidar com a inflação fora de controle que herdou, produzindo inicialmente aumento da miséria e forte queda na atividade econômica. Com abordagens e cenários tão distintos, Lula é hoje aprovado por 47,1% dos brasileiros, enquanto Milei recebe o aval de 46,9% dos argentinos. São 47,3% os brasileiros que desaprovam o petista, e 45,8% os argentinos que dizem o mesmo de seu presidente.
Se considerada avaliação de governo, persiste a divisão nos dois países. Os que acham que Lula é ótimo ou bom são 43,3% e os que acham que é ruim ou péssimo são 43,1%. Os que veem Milei como ótimo ou bom são 40,4% e os que o vem como ruim ou péssimo são 42,8%. E há notícias ruins para os dois: Lula já teve dois anos de governo para mudar o quadro e vê os dados indicarem que em nada conseguiu reverter o cenário de plena divisão política que herdou ao vencer uma eleição por um fio de cabelo. Milei tem apenas um ano de governo, mas venceu uma eleição bem mais folgada e viu essa divisão se ampliar sensivelmente.
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Nada explica mais as semelhanças entre as popularidades de presidentes tão diferentes do que a polarização social. São 60% os brasileiros que veem conflitos fortes ou muito fortes entre pessoas que apoiam partidos políticos diferentes. Entre os argentinos, esse índice é de 53%. Enquanto isso, só 11% não veem conflito nenhum neste campo aqui, e 10% por lá.
Hoje, porém, o argentino médio é menos liberal que o brasileiro, o que é um sinal de insatisfação de ambos com o resultado eleitoral das últimas eleições. Isso se reflete em várias perguntas feitas pelo instituto. São 66% os brasileiros que concordam totalmente que é preferível diminuir gastos do que subir impostos, contra 60% dos argentinos. E 53% dos brasileiros são defensores de um teto de gastos para evitar endividamento do governo, contra 45% no país vizinho. Hoje, 48% dos brasileiros acham que o Estado não deveria interferir no mercado para proteger empresas ou setores econômicos da livre competição, contra 39% na Argentina. E são 42% os brasileiros que rechaçam totalmente a regulação de preços de bens e serviços, contra 34% dos argentinos.
Também a proposta de taxação de super-ricos para financiar o combate à pobreza, fome e preservação ambiental tem mais apoio entre os argentinos (61,8%) do que entre os brasileiros (57,1%). Os contrários por lá são 26%, e aqui são 35,1%.
Apenas em uma questão o resultado foi inverso, sobre privatizações de absolutamente todas as empresas públicas, que os argentinos hoje apoiam mais que os brasileiros.
Também é curiosa a visão sobre a eleição de Trump, muito mais próximo de Milei, com quem já inclusive se encontrou após ser eleito, do que com Lula. O otimismo com sua vitória é maior entre os brasileiros. São 41,1% os que a veem como muito positiva (mais 11,3% que veem como positiva), contra 32,9% entre os argentinos (mais 15,5% que veem como positiva). A preocupação com os fatores negativos também é maior por aqui (24,8% acham que é muito negativa, contra 13,4% por lá), mas pelo fato de que 28% dos argentinos não veem nem pontos positivos nem negativos, enquanto o brasileiro se coloca menos neutro (só 11,3% não veem impacto).
Os resultados da pesquisa indicam que é bem mais difícil hoje para um líder latino-americano navegar em altas aprovações como aconteceu com Lula no passado. Vale para Lula e para Milei, mas também para Gabriel Boric, rejeitado por 52% e aprovado por 44% no Chile, e para Gustavo Petro, que tem o apoio de 40% e a rejeição de 51% na Colômbia. Em todos os casos há relevante polarização política, como indicam os levantamentos. A única situação distinta é com a Claudia Sheinbaum, no México, que desponta com 63% de aprovação e 28% de desaprovação. Mas com a observação de que seu governo só agora está começando e ainda há um natural voto de confiança do eleitorado quando há um novo chefe de Poder em cena.