BRASÍLIA – O ritmo adotado pela Controladoria-Geral da União (CGU) para oferecer uma resposta definitiva sobre a atuação de um grupo empresarial suspeito de implantar um “esquema das terceirizações” em Brasília criou um mal-estar na Esplanada dos Ministérios.
A pasta do ministro Vinícius Marques de Carvalho precisou de 11 meses para abrir um Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) contra a R7 Facilities e outras duas firmas que supostamente integram o mesmo grupo econômico e simulam concorrências em licitações.
Relembre o caso
Representantes de ministérios que têm contratos elevados com a R7 já levaram a preocupação ao Tribunal de Contas da União (TCU). A Polícia Federal também atua no caso.
Servidores e executivos dizem que a “letargia” da CGU deixa os ministérios expostos de duas formas. Por um lado, porque eles se veem obrigados a assinar os contratos com risco de a empresa ser declarada inidônea pouco tempo depois.
Por outro, argumentam risco de prejuízo ao funcionamento de setores, caso haja a declaração de inidoneidade quando uma nova leva de milhares de colaboradores terceirizados estiver espalhada pelo governo.
Após a publicação da reportagem, a CGU informou que “trabalha para que toda investigação seja conduzida com rigor e celeridade, sem comprometer o devido processo legal” e que, no caso da R7, há suspeita “uso indevido da desoneração da folha de pagamento”. Disse também que “cabe aos órgãos públicos verificar a regularidade das empresas contratadas” (leia mais abaixo).

Entre 2020 e 2025, já são R$ 640,9 milhões em contratos celebrados para terceirização de mão de obra em órgãos federais. Os maiores contratos foram assinados pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a partir de 2023.
Além disso, a R7 acaba de ser a primeira colocada em uma das maiores licitações de terceirização dos últimos anos, lançada pelo Ministério da Gestão e da Inovação (MGI). São R$ 321 milhões para contratar 1,2 mil funcionários por três anos. A pasta afirmou que não há qualquer condenação que inviabilize a empresa.
O desfecho do PAR, aberto no último dia 23, poderá resultar na proibição de contratar com o poder público. A apuração se debruça sobre “provável utilização de declarações com conteúdo falso e possível combinação em certames licitatórios, bem como possível utilização de interpostas pessoas (‘testa-de-ferro’ e ‘laranja’)”.
Enquanto isso, a empresa registrada em nome de Gildenilson Braz Torres, um técnico de contabilidade que vive na periferia de Brasília e que recorreu ao auxílio emergencial na pandemia de covid-19, segue arrematando contratos milionários com o governo federal.
Por que há suspeita de empresas laranjas?
Uma série de reportagens do Estadão mostrou, em fevereiro de 2024, a existência de um grupo com pelo menos 11 empresas ligadas entre si. Parte delas está em nome de “laranjas”, pessoas de baixa renda, moradores de casas simples na periferia de Brasília e que desconheciam aspectos básicos da operação das companhias.
A R7 é a principal empresa do grupo. A atuação dela veio à tona durante a crise da fuga na penitenciária de Mossoró. A firma prestava serviços de manutenção dentro da unidade prisional.
No papel, a empresa é de Gildenilson Braz Torres, um técnico de contabilidade que vivia em uma casa simples do Riacho Fundo, na região periférica do Distrito Federal, e não soube dar informações sobre a operação da empresa.
Gildenilson afirmava ter um escritório de contabilidade no Núcleo Bandeirante, bairro da periferia formado pelos “candangos” da construção de Brasília. No endereço, havia uma placa em que ele se apresentava como o responsável pela empresa “Mega Batatas” e não havia qualquer menção à R7.
Ao Estadão, Gildenilson afirmou ter CEO, diretores e outros empreendimentos, mas que não podia dar informações sobre eles. Ele desligou o telefone logo após a reportagem insistir em mais detalhes. “Cara, tipo assim, ‘tá’ rolando uns negócio aí do contrato que a gente tem terceirizado de Mossoró. É sobre isso? Tipo assim, tenho de conversar com meu advogado. Não posso falar nada sem conversar com ele. Qualquer coisinha, pego seu número e entro em contato”, afirmou.
A reportagem também esteve no endereço que Gil, como é conhecido, informa como residencial, no Riacho Fundo. Ele não estava. O concunhado dele mora no local e afirmou desconhecer o vínculo de Gildenilson com uma empresa milionária. “Se fosse verdade, ele não estaria andando com o carro velho em que ele anda.”
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Gildenilson virou sócio-administrador da R7 Facilities em fevereiro de 2023. Antes, desde janeiro de 2021, a companhia estava em nome de outro “testa de ferro”, o bombeiro civil Wesley Fernandes Camilo. Depois de passar a empresa a Gildenilson, Wesley Camilo foi trabalhar como brigadista em um hospital particular de Brasília e afirmou ter renda mensal de R$ 4 mil.
Camilo morava numa casa em Ceilândia, uma das regiões mais pobres do Distrito Federal. A reportagem encontrou um Volkswagen Nivus em sua garagem. O carro, avaliado em R$ 111 mil, estava registrado em nome da R7 Facilities. O bombeiro civil afirmou que comprou a empresa milionária sem desembolsar nada, mas negou ter servido como laranja em uma negociação.
A reportagem do Estadão também revelou que a R7 e outras empresas do grupo declaram prestar serviços para firmas, do setor privado, que não funcionam nos endereços registrados na Receita Federal e até uma cuja suposta dona não soube explicar a atividade.
A defesa da R7 diz que todas as alegações são infundadas e que a empresa atua regularmente com um longo histórico de serviços de qualidade prestados. A companhia também diz que as suspeitas sobre laranjas não passam de ilações infundadas.
O que diz a CGU?
Em nota enviada após a publicação da reportagem, a CGU informou que conduz investigações com rigor e celeridade, e sem comprometer o devido processo legal. “É essencial reunir elementos que sustentem a acusação, evitando casos infundados”, destacou.
A CGU disse que “analisou ao menos seis licitações” envolvendo práticas de suspeita de conluio e que, no caso da R7, “há indícios de uso indevido da “desoneração da folha de pagamento, benefício restrito a empresas cuja atividade principal esteja prevista em lei”.
Só depois da conclusão do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) punições e restrições podem ser aplicadas. A pasta ressaltou que em 2024 bateu recorde de 75 conclusões de PAR, “reforçando seu compromisso com a responsabilização de entes privados envolvidos em ilícitos contra a administração pública”.
“A CGU reforça sua atuação coordenada com os ministérios e entidades públicas, garantindo a integridade das contratações e a correta aplicação dos recursos públicos. Nosso compromisso é assegurar que eventuais irregularidades sejam apuradas com rigor e que a administração pública adote medidas para prevenir e corrigir práticas que comprometam a legalidade e a eficiência dos gastos federais”, disse.