Nenhum foi adiante. Em todas as ocasiões ele recorreu à Lei da Anistia e o Judiciário atendeu, confirmando a interpretação de que a lei, editada em 1979, ainda no período do regime autoritário, teria beneficiado também os agentes de Estados acusados de violações de direitos humanos. Mas, nesta terça-feira, 14, o militar sofreu um revés importante.

Foi na 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Num dos imponentes salões daquela corte, em julgamento rápido, sem grandes arroubos de oratória e acompanhado com ansiedade por um grupo de quase quarenta pessoas, os três desembargadores que estavam em ação resolveram indeferir o recurso no qual Ustra pedia a reformulação de uma sentença de primeira instância. Datada de 2008, ela oficialmente reconhece o coronel como torturador.
Trata-se da primeira vez que uma decisão desse tipo, envolvendo a tortura no regime militar, é referendada por um colegiado de segunda instância. Isso não significa que Ustra esteja ameaçado de prisão, de perda de aposentadoria ou de patente, nem mesmo de pagar indenização aos torturadas.
O que se obteve foi uma decisão na área civil - a única brecha que os autores da ação encontraram na Lei da Anistia para atingir o ex-comandante do DOI-Codi. Uma vez que aquele dispositivo legal se preocupou sobretudo em livrar os infratores de ações penais, os advogados optaram pelo caminho da área civil (o mesmo percurso que está sendo trilhado por alguns setores do Ministério Público Federal).
Em resumo, o colegiado do tribunal atendeu ao pedido de César Augusto Teles, Maria Amélia Teles e Criméia Alice Schmdt de Almeida, que foram torturados no DOI-Codi e queriam uma declaração legal apontando Ustra como responsável pela violência. Em termos mais técnicos, queriam o estabelecimento de uma relação jurídica de responsabilidade civil entre eles o coronel. Em termos diretos: queriam carimbar no agente do Estado rótulo de torturador.

O relator da apelação, desembargador Rui Cascaldi, foi didático. Explicou que os presos políticos estavam sob a custódia do Estado, que deveria garantir aua integridade física, em vez de atentar contra ela; lembrou que Ustra era o responsável pela prisão e fechou o raciocínio afirmando que nenhuma lei autorizava a tortura. "Nem mesmo as leis daquela época", afirmou, numa referência ao periodo autoritário, citando o artigo da carta constitucional imposta ao Brasil em 1969 que proíbia violências físicas contra pessoas detidas.
Em 1972, Maria Amélia e o marido, César, foram torturados na frente de seus dois filhos pequenos, Janaína e Edson. Era a época, segundo relatos de ex-presos, que o coronel Ustra se apresentava nas dependências do DOI-Codi como Major Tibiriçá, codinome que até hoje provoca mal estar em algumas vítimas. O advogado Fábio Konder Comparato conta, baseado em relatos do porão, que o major usava o polegar para autorizar ou interromper sessões de tortura: "Decidia o destino das vítimas como Nero decidia sobre a vida dos gladiadores".
Ainda não se sabe ao certo o desdobramento da sentença. O advogado do coronel aguarda a publicação do acordão para recorrer. Vai dizer que seus argumentos não foram adequadamente debatidos pelos três desembargadores que votaram a favor da família. Se não der certo, ele pode ainda recorrer a instâncias superiores, o que significaria mais alguns anos para uma decisão sobre o caso.
Para as organizações de direitos humanos, foi uma conquista. Por volta das 14h30m, assim que o desembargadores manifestaram seu voto, o pequeno grupo de ex-presos políticos e militantes que aguardavam em frente ao tribunal, na Praça da Sé, trocaram abraços e cumprimentos.
Maria Amélia, a Amelinha, lembrou que o processo começou há sete anos: "Acho que a Justiça avançou nesse período e começou a compreender que é intolerável e inadmissível para a sociedade brasileira conviver com a total impunidade dos crimes cometidos na ditadura."
As sessões de tortura que ela e o marido enfrentaram na frente dos filhos ocorreram há quarenta anos.
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