Rosa Weber construiu sua trajetória no STF em contraste com algumas recorrentes práticas de seus colegas de tribunal. Discreta, não deu entrevistas ou emitiu fora dos autos opiniões sobre a cena política. Não frequentou páginas de jornais exibindo influência em encontros com autoridades. Não obstruiu, com pedidos de vista, decisões em que seria derrotada. Procurou respeitar o colegiado, em duas dimensões: quando decidia monocraticamente questões de alta magnitude (algo em si raro para a ministra), logo liberava suas decisões para apreciação dos colegas. E, em um tribunal que muda de posição muitas vezes ao sabor da conjuntura, Weber procurava dar peso ao que colegiados passados já tinham decidido.
Independentemente do conteúdo de suas decisões, seu procedimento dentro e fora dos autos foi exemplar. Se o STF se construiu na última década como poder em expansão permanente, Weber nos lembrava que, em uma democracia, o poder judicial se legitima sobretudo pelo que os juízes não podem fazer.
Essa trajetória não a impediu de liderar decisões cruciais sobre outros poderes no governo Bolsonaro. Suspendeu decretos presidenciais flexibilizando acesso a armas. Na pandemia, impediu o repasse, ao IBGE, de dados de usuários de telefonia (que poderiam talvez ser usados para fins de desinformação eleitoral). Mais recentemente, suspendeu o “orçamento secreto”, exigindo do Congresso parâmetros mínimos de transparência e legalidade na alocação de recursos orçamentários. Como se diz nos EUA, “somente Nixon poderia ter ido à China”: a consistência da trajetória contida de Weber ajudou a legitimar muitas drásticas intervenções judiciais.

Como presidente, aliás, Weber terá encontro marcado com o orçamento secreto e a separação de Poderes em geral. Não apenas pelas tensões da conjuntura, provocadas pelo próprio presidente. Mas porque, nos próximos meses, com ou sem Bolsonaro no poder, os avanços do STF sobre o funcionamento da política estarão em pauta. É ótima notícia, para o País, que essas discussões ocorram sob a presidência de ministra excepcionalmente respeitosa dos limites dos poderes – e entre os poderes.
Da mesma forma, para representar publicamente a instituição, Weber precisará romper seu tradicional silêncio. Mas, quando falar, será ouvida mais como voz da instituição, do que como expressão de agendas ou anseios individuais. Em um mandato tão curto (ela se aposenta em outubro de 2023), é grande a tentação de correr contra o tempo para deixar uma suposta marca individual. Mas, com sua trajetória de colegialidade, Weber tem o perfil ideal para receber, exercer e passar adiante esse cargo sem acreditar que esse poder é propriedade sua.
*Professor associado de direito constitucional do Insper e Doutor em Direito pela Universidade Yale (EUA)