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Royalties do petróleo: suspeita de irregularidades na divisão do dinheiro será investigada; entenda

Órgão de controle quer saber papel de agência estatal em partilha bilionária de dinheiro do petróleo

Foto do author Luiz Vassallo
Foto do author Gustavo Queiroz
Por Luiz Vassallo e Gustavo Queiroz
Atualização:

O Tribunal de Contas da União abriu investigação para apurar irregularidades na atuação da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Combustíveis (ANP) em casos relacionados à partilha bilionária de royalties da exploração de petróleo entre municípios. A “fiscalização na modalidade inspeção” foi aberta a partir de um parecer da auditoria da Corte sobre uma reportagem do Estadão a respeito do uso de uma entidade sem fins lucrativos para intervir junto ao órgão e à Justiça e mudar a distribuição dos valores a estas cidades.

Para entender o caso

  • Contratos: Associação sem fins lucrativos, a Nupec celebra contratos sem licitação com prefeituras. A entidade atua no mercado de partilha de royalties da exploração de petróleo, que arrecadou R$ 74,4 bilhões no ano passado.
  • Procurações: O município distribui procurações a advogados associados à Nupec para atuação no processo – na Justiça, eles conseguem decisões contra a Agência Nacional do Petróleo (ANP) que levam à redistribuição dos royalties.
  • Investigação: O TCU avalia se a ANP agiu em defesa do interesse do órgão nas demandas judiciais citadas. Será investigado se houve injustiça na distribuição dos recursos após estas decisões, e se houve desvio de conduta de servidores públicos. Os processos administrativos do órgão também passarão pelo escrutínio da investigação.

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Em setembro do ano passado, a reportagem do Estadão mostrou que advogados usaram a Associação Nupec para firmar contratos sem licitação com municípios e representá-los junto à Justiça e à ANP com o fim de enquadrá-los na distribuição dos royalties devidos a prefeituras que abrigam polos ou são atingidas pela exploração de petróleo. Segundo levantamento da reportagem, ao menos 20 municípios haviam firmado contratos com a entidade e conseguiram liminares para receber dinheiro em casos que envolviam R$ 1,5 bilhão. Os contratos preveem honorários de 20% sobre esta cifra.

À Justiça, os advogados ligados à entidade questionam a distribuição dos royalties. Após obterem liminares favoráveis às prefeituras, eles buscavam diretores da ANP acompanhados de políticos do Rio, onde o órgão é sediado, para tentar acelerar a liberação das verbas. Entre os associados da entidade está o advogado Vinícius Peixoto, que foi alvo da Operação Lava Jato por suspeita de lavagem de dinheiro de propinas de contratos da Usina Angra 3, e familiares de ministros do STJ e do STF. A ação contra Peixoto foi retirada da Justiça Criminal e repassada à Eleitoral em razão da conexão com supostos crimes eleitorais. Nesta vara caberá ao Ministério Público reformular a denúncia, o que não ocorreu até o momento.

Plataformas de exploração de petróleo situadas na Baía de Guanabara, vistas da Ponte Rio-Niterói, região metropolitana do Rio Foto: Fabio Motta/Estadão

Desdobramentos do caso

Após a reportagem, o subprocurador do MP junto ao TCU, Lucas Furtado, pediu a abertura da investigação. Ele afirma haver um “quadro sombrio de suspeitas que pesam sobre ações judiciais” e o “possível tráfico de influência junto a autoridades com poder decisório sobre a questão e atuação em desvio de finalidade de entidade sem fins lucrativos”. Ainda segundo Furtado, “não é de duvidar que possa se tratar de esquema orquestrado em nível mais amplo, desde a atuação da ANP”.

Após a representação, a auditoria da Corte analisou com mais profundidade o tema. Nesta etapa do processo, analisa-se se há materialidade, relevância e risco evidentes, além da competência para a Corte atuar.

Segundo o parecer, “caso haja irregularidades no âmbito da ANP relacionadas à distribuição de royalties do petróleo, cuja probabilidade de ocorrência não se afigura desprezível, a consequência poderá ser desde a ocorrência de elevadas injustiças na distribuição dos recursos entre entes federativos; custos de transação causado por judicializações; desvio de conduta de servidores públicos; e, se descobertos esquemas ilícitos, pode-se desencadear grave crise de confiança na Agência que regula o setor”.

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De acordo com a auditoria, “consequências derivadas das alterações realizadas nos percentuais de distribuição desses royalties” teriam o poder de “causar impacto significativo e abrupto às receitas dos entes federados, com reflexo direto na vida dos munícipes”.

Quando uma decisão judicial interfere na partilha de royalties estipulada pela ANP, a agência dispõe de procuradores para correr às Cortes e pedir a suspensão destas ordens. Segundo a auditoria, é necessário analisar como a agência tem reagido a estas demandas jurídicas. “De posse das informações e processos, será possível avaliar se há contradição entre os argumentos apresentados nas ações, se a Agência tem recorrido ou acatado as decisões”, diz.

Acolhendo o parecer da auditoria, o ministro do TCU Augusto Nardes afirmou que “é cabível a realização de fiscalização, na modalidade inspeção, com vistas a identificar possíveis falhas na atuação da Agência Nacional do Petróleo (ANP), tanto no âmbito dos processos administrativos, quanto com relação às decisões judiciais que têm determinado à redistribuição dos royalties”.

O que dizem a Nupec e a ANP

Questionada, a ANP afirmou que “está prestando ao TCU todos os esclarecimentos solicitados” e que determinou uma realização de auditoria interna em outubro de 2022. “Mesmo não tendo conhecimento de qualquer indício de envolvimento de servidores da Agência em irregularidades relacionadas à distribuição de royalties, com vistas a aprimorar o processo e buscar sanear qualquer possível impropriedade existente, a Diretoria Colegiada da ANP determinou, em outubro de 2022, a realização de auditoria interna, que está em andamento, a respeito desse assunto”, afirmou.

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Em nota enviada à reportagem em setembro de 2022, a agência também disse “que utiliza de todos os recursos processuais que a lei lhe permite para defesa de seus entendimentos técnicos sobre todas as matérias de sua competência”, e que interpôs recursos contra todas as demandas judiciais mencionadas na reportagem. “Nesses recursos a ANP enfatiza a necessidade de dever ser prestigiada sua expertise, não devendo o Poder Judiciário se imiscuir em matérias extremamente técnicas da área de engenharia de petróleo e características de equipamentos.”

Sobre a distribuição dos valores, defendeu que calcula os porcentuais de participação dos municípios com base nos termos da legislação vigente e de decisões judiciais. Em setembro passado, a diretoria da ANP aprovou entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal contra decisões judiciais que enquadraram 181 municípios na partilha dos royalties do petróleo e gás. Segundo o órgão, estas decisões provocaram o pagamento de R$ 2,85 bilhões “indevidos” a prefeituras.

Na ocasião da publicação da reportagem do Estadão, A Associação Núcleo Universitário de Pesquisas, Estudos e Consultoria (Nupec) defendeu a legalidade de sua atuação e afirmou que os contratos são vantajosos para os municípios. Em nota, a entidade disse ser “uma das poucas especializadas em direito regulatório de petróleo e gás natural” e destacou que os “entes públicos, em virtude da excepcionalidade da demanda, optam por delegar sua representação judicial, tendo em vista que a matéria discutida é interdisciplinar e foge da atuação corriqueira da Procuradoria”. A entidade também disse seguir todas as regras previstas no estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

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Ao Estadão, Vinícius Peixoto ressalta que o processo do TCU foi aberto para “apurar a ineficiência ou a irregularidade da ANP”. “A gente não foi intimado de nada relacionado a TCU, nada disso”

Peixoto nega ter uma boa relação ou trânsito na ANP. “Não há o menor favorecimento, ou o menor boa relação, pelo contrário, tanto é que a gente é mal recebido por eles. É sempre uma dificuldade muito grande. Não é nem só com a Nupec. Qualquer município brasileiro que tenha uma contenda com a ANP, ela tem por praxe agir dessa maneira”.

O advogado ainda critica a “ineficiência absurda da ANP”. “Isso está comprovado no TRF-1, no TRF-2, TRF-5, onde tem recebedor, tem jurisprudência contrária à ANP. E não é só no primeiro grau, é no primeiro, segundo, terceiro. Na realidade, eu vejo que é bom que o TCU esteja olhando porque a ANP tem de fazer o seu papel”.

A respeito da investigação na Operação Lava Jato, Peixoto afirma que o “processo não foi arquivado, mas saiu da Justiça Federal”. “Porque eles tentam colocar como réu, eu não sou réu. Foi levado para a Justiça Eleitoral. Justamente por lidar com áreas dessa magnitude, tentam sempre atrelar o nome da gente em alguma coisa, mas não tenho o menor receio porque não tenho nada a ver com isso. Porque não tenho menor ligação. O que tenho a ver com a área nuclear? Nada”, diz.

Investigações pedem para barrar R$ 277 milhões

Além do TCU, investigações conduzidas pelos Tribunais de Contas do Rio de Janeiro e de São Paulo levaram a decisões e recomendações que podem barrar até R$ 270 milhões em pagamentos de Prefeituras à Nupec em honorários advocatícios decorrentes de liberações de royalties de petróleo a estas cidades.

Um dos casos diz respeito à contratação da entidade e seus advogados associados pelas prefeituras de Guapimirim, Magé e São Gonçalo. A estas três cidades, a entidade garantiu na Justiça repasses de R$ 639 milhões, em contratos sem licitação, cujos honorários são de 20%. Ou seja, os honorários chegariam a até R$ 127 milhões.

Uma auditoria do TCE do Rio questiona o pagamento dos municípios à entidade após decisões liminares. Segundo o órgão, os pagamentos deveriam ocorrer somente após o julgamento final das ações, posto que liminares podem ser derrubadas a qualquer momento pelo Poder judiciário. O parecer recomenda atuação imediata da Corte antes que se “comprometa, de forma indevida, significativos recursos orçamentários, acarretando grave lesão ao erário”.O caso ainda não foi julgado pelo TCE.

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Em São Paulo, uma auditoria do Tribunal de Contas de São Paulo também apontou irregularidades no contrato entre o município de São Sebastião e a Nupec. Em disputa judicial por R$ 700 milhões em royalties destinados pela ANP a Ilhabela, o município firmou contrato com a entidade, e pode pagar até R$ 700 milhões em honorários. Em uma ação popular movida por uma advogada, que juntou o parecer do TCE no processo, a Justiça de São Paulo mandou suspender pagamentos à entidade.

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