Senador diz que recebeu R$ 50 milhões do orçamento secreto por apoiar eleição de Pacheco; ouça áudio

Marcos do Val (Podemos-ES) relatou que teve o poder de indicar mais emendas como ‘gratidão’ ao apoio dado na eleição para a presidência do Senado

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Por Daniel Weterman
Atualização:

BRASÍLIA - O senador Marcos do Val (Podemos-ES) disse ao Estadão que recebeu R$ 50 milhões em emendas do orçamento secreto por ter apoiado a campanha de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) à presidência do Senado, em fevereiro do ano passado. Relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023, do Val afirmou que os recursos seriam uma forma de “gratidão” pelo apoio e declarou ter sido informado sobre a verba por Davi Alcolumbre (União-AP), articulador da campanha de Pacheco ao comando do Senado, após o resultado da disputa.

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As afirmações de do Val expõem, pela primeira vez, como são feitos, nos bastidores, os acordos em torno da divisão do orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão. A lei estabelece que a distribuição dos valores deve ser igualitária e impessoal entre os congressistas.

O orçamento secreto fere a Constituição por não respeitar a “transparência” na divisão das verbas, na avaliação do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU). O modelo também distorce as regras ao permitir que os presidentes da Câmara, do Senado e o relator do Orçamento decidam quem vai indicar as emendas parlamentares e receber dinheiro público.

Procurado pela reportagem, o presidente do Senado disse desconhecer o assunto. Davi Alcolumbre não quis se manifestar. Após a publicação desta entrevista pelo site do Estadão, do Val divulgou uma nota na qual afirmou ter sido “mal interpretado”. O senador destacou, ainda, que todo recurso recebido foi destinado ao Espírito Santo. “Pelo desculpas por eventual mal entendido”, escreveu.

Senador Marcos do Val (Podemos-ES); parlamentar expõe acordos de bastidores em torno da divisão do orçamento secreto Foto: Gabriela Biló/Estadão - 12/11/19


Qual foi o critério de divisão das emendas do orçamento secreto no Senado?

O Rodrigo Pacheco virou e falou para mim assim: “Olha, Marcos, nós vamos fazer o seguinte: os líderes vão receber tanto, os líderes de bancada tanto, essa foi a nossa divisão”. E ele me passou isso porque eu fui um dos que ajudei ele (sic) a ser eleito presidente do Senado. E aí eu falei: “Pô, legal, está transparente e tal”. Aí ele falou: “Olha, se a gente conseguir mais uma gordura, eu direciono para você”. Não foi uma coisa (do tipo): “Mas eu preciso que você me apoie”.

O Rodrigo Pacheco virou e falou para mim assim: “Olha, Marcos, nós vamos fazer o seguinte: os líderes vão receber tanto, os líderes de bancada tanto, essa foi a nossa divisão’.”

Marcos do Val, senador (Podemos-ES)

Isso foi quando?

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Quando ele assumiu. Ele já tinha sido eleito.

E como funcionou?

Ele chamou os quem eram os mais próximos, que apoiaram a campanha dele, os líderes, e aí ele tornou: “Olha, o meu critério vai ser esse”. E todo mundo concordou. Então, ficou uma coisa transparente, assim, (e) não: “Pô, quem será que ganhou mais?”

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Ele falou em valores?

Não, porque ele não sabia o que viria, o que o Executivo iria encaminhar, mas que era em proporcionalidade. E, assim, de todo o coração, o Rodrigo para mim é um cara fora da curva, um cara corretíssimo, muito equilibrado. Vamos dizer assim, distensionou as cordas entre os Poderes. Então, eu até perguntei para ele se ele pensa em se reeleger. Ele falou que está pensando. Eu falei: “Olha, então você vai ter um cabo eleitoral porque eu vou brigar para que você continue”. Então, muita gente que era contrária a ele, o Podemos, que era contrário, hoje a maioria fala: “Pô, você me surpreendeu”. E eu dizia para o Podemos: “Viu? Eu falei para vocês”.

Qual foi a proporção que ele prometeu para o Podemos? Ou era individual?

Eu não sei qual é a conversa que ele teve em valores com os outros. Para mim, quem me ligou dizendo foi até o Davi (Alcolumbre), não foi nem o Rodrigo. E aí com o Davi que eu perguntei. Eu achei até muito para eu encaminhar para o Estado (Espírito Santo), mas como (é) questão de saúde, eu não vou negar. Eu perguntei: “Mas teve algum critério?” Ele só falou: “Aquele critério que o Rodrigo falou para vocês lá no início”. “Ah, tá, entendi.” Mas ele falou: “Só que o Rodrigo te colocou no critério como se você fosse um líder pela gratidão de você ter ajudado a campanha dele a presidente do Senado”. Eu falei: “Poxa, obrigado, não vou negar e vou indicar”.

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Rodrigo Pacheco, presidente do Senado; parlamentar afirma que desconhece o assunto Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado - 22/6/22

Quanto foi o valor, senador?

Foi R$ 50 milhões.

Foram R$ 50 milhões do orçamento do ano passado?

Isso. Do ano passado, para ser executado neste ano.

E esse relato que o sr. está dando pode ser em on (jargão jornalístico para se referir a declaração a ser publicada com o nome do entrevistado)?

Pode, pode ser em on. É público, eu já comuniquei isso ao Ministério Público na época (os valores e a destinação dos recursos). É o valor que todo mundo dizia que é o tal do orçamento secreto, da compra de votos. Eu acho, porque eu não pedi para levantar isso, que foi o mesmo valor que os líderes receberam. E o critério que ele colocou para mim foi o critério de eu ter apoiado ele (sic) enquanto outros não apoiavam. Mas ele não prometeu. Em nome da minha filha, eu tenho uma, tem 16 anos, em nome dela eu te digo (que) em momento algum ele me prometeu um real tipo assim: “Me apoie que eu te dou um real”. Ou: “Me apoie que eu te dou a presidência de uma comissão”. Nada, nada. Absolutamente, nada.

E o critério que ele colocou para mim foi o critério de eu ter apoiado ele enquanto outros não apoiavam.”

Marcos do Val, senador (Podemos-ES)

O termo usado pelo Davi (Alcolumbre), então, foi gratidão?

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É, isso, boa, palavra excelente. Vou usar, se você me permitir.

Estou perguntando a palavra porque eu lembro que o sr. citou isso.

Gratidão, você resumiu. Gratidão, gratidão.

Mas não é a mesma coisa (do que compra de voto), só que ao contrário, senador?

Olha, assim, no critério que ele tinha colocado, eu acho que eu ia receber... Era assim: a minha parte seria de R$ 10, 15, 20 (milhões), alguma coisa assim, entendeu? Então, como ele me colocou, me deu essa gratidão, como você falou, eu recebi. E aí, pode ser que eu esteja enganado, vocês que levantam tudo, eu acho que eu recebi o mesmo que os líderes.

A minha parte seria de 10, 15, 20, alguma coisa assim, entendeu? Então como ele me colocou, me deu essa gratidão, como você falou, eu recebi.”

Marcos do Val, senador (Podemos-ES)

Pelo fato de o sr. ter apoiado (Pacheco)?

Com base (no apoio), certeza. É porque, como eu tornei transparente... Eu não sei os outros.

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O sr. indicou emendas de relator neste ano?

Até agora, não, nada. Boa pergunta. Eu até tenho de ver para correr atrás.

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