Opinião | Bolsonaristas abrem mão das bandeiras antissistema e patriótica e direita vira um navio à deriva

Apoios a Hugo Motta e Davi Alcolumbre e defesa intransigente do governo de Donald Trump nos Estados Unidos arranham narrativa construída nos últimos anos

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Foto do author Sergio Denicoli

A política na era das redes é um jogo de narrativas, e quem controla as narrativas hoje controla o poder. Nos últimos anos, a direita brasileira construiu sua identidade em torno de duas bandeiras poderosas: a ideia antissistema e o patriotismo. Esses pilares foram fundamentais para consolidar o bolsonarismo como força política e emocional no Brasil.

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No entanto, recentes movimentos no tabuleiro político sugerem que a direita está abrindo mão dessas bandeiras. E, ao fazer isso, entrega a Lula uma oportunidade única de se reposicionar e impor suas estratégias.

O apoio de Jair Bolsonaro e de seus aliados a Hugo Motta e Davi Alcolumbre nas eleições para o comando do Congresso é um sinal claro dessa mudança. Motta, da Paraíba, e Alcolumbre, do Amapá, representam Estados pequenos, com pouca influência no cenário nacional, mas se mostram muito eficazes nas articulações que ocorrem nos bastidores de Brasília.

Jair Bolsonaro apoiou Alcolumbre e Motta nas disputas no Congresso e causou fissuras entre aliados na direita Foto: Wilton Junior/Estadão

São políticos pragmáticos, sem inclinações ideológicas fixas, que conseguem a façanha de colocar no mesmo barco, e até nos mesmos jantares, petistas e bolsonaristas. Uma forma de fazer política que conservadores costumavam criticar e classificar como um movimento típico do “sistema”.

O eleitor de direita, neste momento, tem se perguntado como pode um movimento que se autoproclamava antissistema se alinhar com políticos que personificam o establishment. Algumas lideranças conservadoras, como Marcel van Hatten e o astronauta Marcos Pontes, até tentaram manter a coerência, mas foram massacrados e acusados de traição por proeminentes nomes do bolsonarismo.

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A questão não para por aí. A defesa intransigente do governo de Donald Trump nos Estados Unidos, simbolizada pelo icônico boné vermelho “Make America Great Again”, ou seja, “Fazer a América grande novamente”, também expõe uma fragilidade na narrativa patriótica da direita brasileira.

Enquanto o bolsonarismo se esforçava para importar o slogan e a estética do trumpismo, acabou por criar uma imagem de subserviência a um projeto político estrangeiro, que vê o Brasil de forma inferiorizada e dependente. O patriotismo, que era ostentado em verde-amarelo nas manifestações de rua da direita, saiu de cena para dar espaço a uma espécie de veneração a outro país.

Curiosamente, foi a esquerda que soube capitalizar essa brecha. O boné azul com a inscrição “O Brasil é dos brasileiros”, usado por ministros e aliados de Lula, é uma resposta direta e eficaz, que busca resgatar as cores da bandeira do País das mãos da direita.

Ao cunhar uma frase que ecoa sentimentos nacionais, a esquerda conseguiu se apresentar como grande defensora dos interesses do País, enquanto a direita se mostrou mais preocupada em celebrar um modelo estrangeiro que ameaça taxar e chantagear o Brasil.

Essa fragmentação da direita é preocupante para seus apoiadores. Ao perder a pauta antissistema e o patriotismo como bandeiras, o movimento abre espaço para que Lula se reposicione como a alternativa viável na defesa dos interesses nacionais e agrade, sobretudo, aos eleitores moderados, que são os que irão decidir as próximas eleições.

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A política é feita de simbolismos, e os símbolos que a direita escolheu nos últimos anos podem se voltar contra ela. Enquanto Lula e seus aliados trabalham para se agregar em torno deles o sentimento de orgulho dos brasileiros, a direita corre o risco de se tornar uma fragmentada caricatura de si mesma, perdida entre o sistema que abraçou e o patriotismo que tem rejeitado.

Opinião por Sergio Denicoli

Autor do livro TV digital: sistemas, conceitos e tecnologias, Sergio Denicoli é pós-doutor pela Universidade do Minho e pela Universidade Federal Fluminense. Foi repórter da Rádio CBN Vitória, da TV Gazeta (Globo-ES), e colunista do jornal A Gazeta. Atualmente, é CEO da AP Exata e cientista de dados.

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