Se fosse apenas pela balança comercial, o Brasil deveria estar longe do foco de Donald Trump. Em 2024, os Estados Unidos registraram um superávit comercial com o Brasil de US$ 250 milhões, e os produtos brasileiros exportados não ameaçam a indústria norte-americana. Muitos outros países, como a China, seriam alvos mais prováveis para as tarifas e o constante assédio de Trump.
No entanto, para o azar do Brasil, o mundo de Trump não se limita à balança comercial e ao simples mercantilismo. Diversos fatores complicam o estabelecimento de uma relação pragmática entre os governos dos dois países, colocando o Brasil sob um risco desproporcional de tarifas e outras formas de pressão, o que pode agravar uma economia já instável.

Isso torna-se ainda mais relevante diante da agressividade de Trump em seu segundo mandato. Na análise da Eurasia Group, o mercado subestima o risco de tarifas e outras medidas protecionistas, acreditando que figuras importantes do governo, como o secretário do Tesouro, Scott Bessent, conterão os impulsos mais radicais de Trump. Contudo, neste segundo mandato, Trump exerce controle total e demanda lealdade absoluta de seus indicados. Embora discordâncias internas possam adiar anúncios ou implementação de alguns planos, dificilmente impedirão tarifas se essas forem desejadas por Trump para alcançar seus objetivos. Não se trata de um blefe.
Portanto, o Brasil precisa estar atento aos diversos fatores que podem complicar as relações bilaterais. Primeiramente, os governos encontram-se em lados opostos do espectro político. Os apoiadores de ambos os lados veem-se como adversários em uma guerra cultural de escala global. Cada decisão judicial que aproxime Jair Bolsonaro da prisão poderá gerar uma reação de Washington.
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Em segundo lugar, a guerra das redes sociais. Os donos das principais empresas de tecnologia tornaram-se aliados de Trump, aumentando o risco de retaliações às medidas de controle das redes. Este não é apenas um debate sobre liberdade de expressão; trata-se de uma discussão sobre soberania digital, relevante não só para o Brasil, mas também para países da Europa e do Sul Global. Até os Estados Unidos enfrentam dilemas sobre o controle das redes, exemplificados pela disputa em torno do TikTok.
Em terceiro lugar, a política externa brasileira e sua aproximação com a China e outros adversários dos Estados Unidos. Trump já ameaçou aplicar tarifas de 100% nos países dos Brics caso adotem medidas que ameacem o dólar. O Brasil sediará a próxima cúpula do bloco e precisará construir a agenda com muito cuidado.
Há oportunidades para o Brasil sob o governo Trump; a mais evidente é o potencial aumento das exportações agrícolas, tanto em valor quanto em quantidade, devido à guerra comercial entre Estados Unidos e China. No entanto, a nova administração na Casa Branca apresenta mais riscos ao País, tanto diretos, pela relação bilateral, quanto indiretos, devido aos efeitos de uma política econômica inflacionária que leva a juros mais elevados.