A mudança na meta fiscal não interessa neste momento ao governo. Mesmo em meio à descrença de políticos e empresários, o objetivo de zerar o déficit primário em 2024 provavelmente será mantido pelo resto do ano. Afinal, ele cumpre uma função importante na estratégia da equipe econômica de convencer o Congresso a aprovar novas medidas de arrecadação.
O aumento de impostos é a única maneira de fechar as contas, dado o crescimento dos gastos incorporado no novo arcabouço fiscal. Nesta semana, a equipe econômica enviou novas propostas para taxação de fundos offshore e fundos exclusivos, usados por investidores de altíssima renda. Novas regras para o pagamento de acionistas via juro sobre capital próprio (JCP) também devem ser encaminhadas em breve. Todas elas precisam de aprovação do Congresso.
Uma das frases mais batidas de Brasília é a de que o Congresso não aceita aumento de impostos. É uma meia-verdade; dependendo da proposta, políticos podem, sim, cobrar mais de setores específicos, desde que o aumento – ou o fim de um benefício – possa ser descrito como a solução para uma injustiça. Do ponto de vista eleitoral, um aumento de imposto pode ser justificado dessa forma. Todas as propostas encaminhadas pelo governo estão sendo enquadradas dessa maneira.
Mas, mesmo com um marketing mais inteligente, as resistências ainda serão grandes. Aumentar impostos não chega a ser impossível, mas certamente é difícil. E é por isso que a meta fiscal ambiciosa é importante para a equipe econômica. Ela impõe um dilema ao Congresso: sem mais receitas, os gastos terão que ser cortados. Isso não afeta apenas os planos de Lula e do PT, mas também os gastos de todos os ministérios sob controle dos outros partidos. Aliviar a meta reduziria sim o risco de corte ou contingenciamento de gastos; mas, em contrapartida, reduziria a urgência pela aprovação de aumento de receitas.
Há, por fim, mais um motivo para a insistência: o efeito que uma mudança teria sobre toda a economia. Alterar a meta neste momento, ainda no inicio da implementação do novo regime fiscal, seria o mesmo que jogar a toalha antes mesmo de tentar. Isso teria um impacto sobre as expectativas do mercado sobre a capacidade de controle da dívida, podendo aumentar o nível de risco e reduzindo o apetite por investimentos. Mudar a meta no ano que vem, depois de ter feito um esforço real pelo equilíbrio orçamentário, poderia ser diferente. Até mesmo a magnitude da mudança pode ser melhor calibrada.
Haddad, portanto, tende a insistir em zerar o déficit em 2024. Apesar do fogo amigo.
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