O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), se reuniu com a professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Joana Monteiro, para debater medidas que podem ser adotadas para melhorar a segurança pública em São Paulo. A reunião, ocorrida na quarta-feira, 11, foi realizada após uma série de casos de violência policial deflagrarem uma crise no setor e colocar em xeque a política linha-dura adotada pelo governador e pelo secretário Guilherme Derrite (PL).
O chefe da pasta de Segurança Pública não participou do encontro, mas não corre risco de demissão neste momento. Por outro lado, Tarcísio decidiu se envolver mais diretamente na secretaria e agora elabora um pacote de medidas de ajuste para responder à crise. Em linhas gerais, o governador quer que a pasta se dedique mais na formulação de políticas públicas, preveja ações específicas para melhorar cada indicador e cobra que a Corregedoria Polícia Militar seja mais atuante.
Procurados, a Secretaria de Segurança Pública e o Palácio dos Bandeirantes ainda não responderam. Monteiro não quis comentar ao Estadão o conteúdo do encontro com o governador, mas a nova linha desejada por Tarcísio vai ao encontro do que a especialista defendeu em um evento do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) sobre os desafios da segurança pública no Brasil na última sexta-feira, 6. O chefe do Executivo paulista estava presente, chegou a concordar com pontos da fala de Monteiro e depois a chamou para discutir o tema de forma mais aprofundada.
Em entrevista ao Estadão no último sábado, Joana Monteiro afirmou acreditar que o Brasil pode estar começando enfrentar um processo semelhante ao que aconteceu nos Estados Unidos, onde o que virou o jogo foram as imagens das câmeras que mostravam a violência policial. “Eu acredito na boa polícia. Mas quando esse tipo de ação é fomentada, você valoriza o mau policial e prejudica o bom. A tecnologia vira o jogo porque mostra cenas de total arbitrariedade. A câmera é uma prova objetiva. As cenas que vimos esta semana são muito impressionantes, do sujeito jogado da ponte sem oferecer nenhuma resistência, do segurança que nem foi atacado e atirou para matar o rapaz que roubou sabão em pó”, disse ela na ocasião.
Ela ainda defendeu o projeto do uso de câmeras corporais, que foi alvo de resistência inicial de Tarcísio. “O projeto da câmera corporal é um projeto sério, planejado ao longo de cinco anos, e que foi suspenso por uma decisão política, houve uma mudança de visão da liderança política”, disse na entrevista ao Estadão. Joana Monteiro também apontou que não vê a polícia paulista como “totalmente sem controle”, mas indicou que “há um processo de desmonte de algumas dessas estruturas de controle”.
Já no evento do IDP, a professora criticou discursos populistas que dão aval para as tropas usarem força total e disse que tão importante quanto as câmeras corporais para controlar a atividade policial é a mensagem que as lideranças políticas passam aos policiais.
Tarcísio, que já disse não estar “nem aí” para denúncias de letalidade policial na Baixada Santista, reconheceu após a fala de Monteiro que o discurso adotado por ele pode ter impactado na alta da violência da PM. Derrite também tem histórico de falas permissivas. Quando ainda era policial, ele afirmou ser “vergonhoso” colegas de farda não terem ao menos “três ocorrências” por homicídio no currículo.
Monteiro declarou ainda que é preciso discutir medidas específicas para cada problema de segurança pública, mas atualmente a praxe é adotar o uso da força policial como um “analgésico genérico” para enfrentar todas as situações. “E nesse caso a gente só discute o tamanho da dose. Deu muito? Deu pouco? Tem que aumentar?”, questionou ela no seminário do IDP.
“É uma polícia que está o tempo todo pensando em como aumenta sua intervenção, em quais armas vai utilizar. Isso às vezes é necessário, mas não pode ser a única coisa que a gente pode fazer. Enquanto a gente naturaliza isso, o problema da violência policial passa a ser um problema por si só. [...] A gente deveria estar discutindo os nossos crimes, as nossas violências e como reduzi-las”, continuou.
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A pesquisadora é uma das autoras de um estudo publicado que mostrou redução de 57% nas mortes em decorrência de violência policial nos batalhões da PM paulista que utilizam câmeras corporais na comparação com o período anterior, quando os equipamentos não estavam disponíveis. A análise levou em consideração o período de janeiro de 2019 a julho de 2022. As câmeras começaram a ser introduzidas em junho de 2021.
Tarcísio chegou a colocar em dúvida a eficácia das câmeras corporais no início do ano, mas voltou atrás na semana passada após os sucessivos casos de violência policial — em um deles um homem foi arremessado de uma ponte por um PM — , reconheceu que estava errado e disse que ampliaria o programa. Como mostrou o Estadão, ele retirou da proposta orçamentária de 2025 a destinação específica de recursos para comprar os equipamentos.
“Me arrependo muito da postura reativa que eu tive lá atrás. Essa postura veio da percepção que aquilo podia tirar a segurança jurídica do agente ou causar hesitação no momento em que ele precisava atuar. Hoje eu percebo que eu estava enganado. Hoje eu percebo que ela ajuda o agente da segurança pública e é um fator de contenção”, afirmou o governador no dia 5 de dezembro.
Tarcísio também bancou publicamente a permanência de Derrite. Aliados do governador dizem que o estilo dele é de não queimar os auxiliares na primeira crise. Ele prefere apostar que o momento ruim levará os secretários a refletirem sobre eventuais erros e trabalharem mais para corrigi-los.
A expectativa é que a estratégia funcione com Derrite assim como ocorreu com o secretário de Educação, Renato Feder. Após uma série de medidas polêmicas que geraram desgaste para Tarcísio em 2023, como a decisão de acabar com livros didáticos físicos na rede de ensino estadual, o entendimento é que Feder ajustou o rumo e conseguirá entregar melhorias na frequência escolar e no desempenho escolar dos alunos.
Outro motivo para a permanência é a melhora em alguns índices. São Paulo registrou queda no número roubos e furtos neste ano, mas a PM matou 496 pessoas entre janeiro e setembro, o maior número desde 2020. Os dados são da SSP.
Tarcísio exaltou nesta quinta-feira os indicadores mais recentes obtidos pelo governo na Baixada Santista e no Vale do Ribeira. “Queda no número de roubos gerais, de veículos, de mercadorias; redução de homicídios dolosos, latrocínios, feminicídios e estupros. Por outro lado, aumento no número de prisões e na apreensão de armas e drogas”, escreveu ele nas redes sociais.