SÃO PAULO - A permanência do advogado Ricardo Salles no posto de secretário particular do governador Geraldo Alckmin começou a ser questionada por tucanos que combateram o regime militar, causando mal-estar inclusive dentro do governo paulista. Também há pressão fora do partido. Nesta quarta-feira, 3, o escritor e colunista do Estado Marcelo Rubens Paiva pediu a Alckmin uma retratação pelas declarações públicas de seu assessor.
Salles questionou a existência de crimes na ditadura durante um evento no Clube Militar, no Rio, no ano passado: “Não vamos ver generais e coronéis, acima dos 80 anos, presos por causa dos crimes de 64. Se é que esses crimes ocorreram...”, disse o advogado de 37 anos à plateia.
O constrangimento dos tucanos aumentou com a participação de Salles, ao lado de Alckmin, do lançamento do acesso eletrônico a fichas do antigo Departamento de Ordem Pública e Social (Dops), central da repressão.
Salles, fundador do Movimento Endireita Brasil (MEB), é hoje responsável por cuidar da agenda do governador. Além de questionar a existência de crimes de militares durante a repressão, ele é um crítico da Comissão da Verdade e já disse em uma entrevista que “felizmente tivemos uma ditadura de direita no Brasil”.
O Palácio dos Bandeirantes informou ontem que não comentaria as declarações de Salles, por se tratar de opiniões de cunho particular que não refletem a posição do governo estadual. No entanto, integrantes do governo que combateram a ditadura atacaram, nos bastidores, as declarações de Salles e a manutenção dele no cargo. Para eles, o assessor de Alckmin joga contra o esforço do governador em contribuir para esclarecer o período da repressão.
História. Para o senador tucano Aloysio Nunes Ferreira (SP), que lutou na clandestinidade contra a ditadura, Alckmin deve ter motivos para ter nomeado Salles secretário particular. No entanto, destacou que o fundador do MEB vê a história brasileira sob uma ótica “muito diferente” da sua: “Discordo quando se tenta negar a existência de violações aos direitos humanos”.
O ex-governador Alberto Goldman também não questionou a indicação de Salles para o posto, feita por Alckmin em março, mas disse que falta conhecimento de história ao advogado. “No mínimo, ele desconhece a história brasileira”, afirmou o tucano, que foi filiado ao PCB enquanto o partido estava na clandestinidade.
Ao cobrar uma retratação pública de Alckmin, Marcelo Rubens Paiva, filho do deputado Rubens Paiva, morto sob tortura pelo governo militar em 1971, lembrou os testemunhos colhidos pelo projeto Tortura Nunca Mais e pela Comissão da Verdade. “Sou testemunha viva. Eu e minhas irmãs. Vimos meu pai, minha mãe e irmã Eliana serem levados. Meu pai entrou no quartel do Exército e não saiu vivo de lá”, afirmou o escritor.
Ex-secretário de Justiça de São Paulo na gestão Mário Covas, Belisário dos Santos Jr. vê semelhanças entre a declaração de Salles e esforços para esconder fatos da ditadura. A frase polêmica, para ele, justifica a existência da Comissão da Verdade – “uma comissão que apure esses fatos e faça a publicidade do que apurou”.
“Respeito a opinião dele, mas sei aonde isso leva e tenho medo de aonde isso leva. As pessoas que negavam a tortura passam a admiti-la e a justificá-la”, disse Belisário. “Mas a tortura é injustificável”, declarou.
“É evidente que tivemos no Brasil um período autoritário”, afirmou o ex-deputado Arnaldo Madeira, que foi secretário da Casa Civil de Alckmin.
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