Há doze dias no comando do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) já traçou uma estratégia de sobrevivência: trabalhar desde já por sua reeleição à presidência da Casa de Salão Azul, daqui a dois anos. Para conquistar esse objetivo, “Ghost”, como é conhecido por colegas, permanece com um pé em cada canoa. Ao mesmo tempo que afaga o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com quem viajará nesta quinta-feira, 13, para o Amapá, ele também faz acenos aos bolsonaristas.
Mas por que senadores chamam Alcolumbre de “Ghost” se de fantasma ele não tem nada? “É porque, quando menos se espera, Davi aparece e depois some. Está em todos os locais”, afirma o líder da bancada do União Brasil no Senado, Efraim Filho (PB), que é seu amigo de longa data.
Há quem diga, nos bastidores, que a alcunha vem dos tempos do orçamento secreto, administrado por Alcolumbre desde o governo Jair Bolsonaro, quando ele presidiu o Senado pela primeira vez.
Na teoria, a distribuição de recursos públicos para redutos eleitorais dos parlamentares, sem a identificação de seus padrinhos políticos, foi sepultada no fim de 2022, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Na prática, porém, o Congresso criou subterfúgios para substituir esse modelo, revelado pelo Estadão.

Por enquanto, Alcolumbre dá sinais de que está em lua de mel com o presidente da República. Na manhã desta terça-feira, 11, ele compareceu a um encontro promovido pelo governo com novos prefeitos e prefeitas, em Brasília, fazendo coração com as mãos para a plateia.
Sentado ao lado de Lula, parecia aquele amigo de fé, irmão, camarada: cochichou várias vezes no ouvido do petista, fez piada e até lhe deu um tapinha na perna. Os dois não paravam de rir.
Horas mais tarde, recebeu os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Simone Tebet (Planejamento), Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) e líderes dos partidos no Senado com um almoço na residência oficial. No cardápio, as prioridades da equipe econômica para 2025.
“Vamos deixar as divergências de lado”, anunciou Alcolumbre ao fim do encontro. “Estamos abertos ao diálogo e ao entendimento com o governo. Quero me colocar como esse interlocutor”, prosseguiu ele, ao pregar que intervenções ideológicas ficassem fora daquelas reuniões. À noite, Alcolumbre promoveu um encontro de senadores com o decano do STF, Gilmar Mendes, a fim de discutir o impasse do marco temporal para demarcação das terras indígenas.
Não é de hoje, no entanto, que o novo comandante do Senado tem avisado o STF e o Planalto que o Congresso não abrirá mão do controle das emendas parlamentares. E, nesse jogo, está em sintonia com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
“Todo mundo sabe que ele (Alcolumbre) opera atendendo os senadores. É o estilo dele, que, querendo ou não, cativa”, disse o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), em entrevista ao Estadão/Broadcast. “É óbvio que tem que orar e vigiar, como diz o outro, e ter protagonismo para pedir as coisas que nos interessam.”
O problema é que, com o Centrão dando as cartas, a queda de braço ameaça provocar mais uma crise entre o Congresso, o STF e o Palácio do Planalto. Não foi à toa que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do semipresidencialismo, feita sob medida para alargar os poderes do Congresso, acabou ressuscitada como instrumento de pressão.
Chegaram à Câmara e ao Senado, ainda, informações de que uma nova leva de diligências da Polícia Federal sobre desvio de recursos das emendas atingirá mais parlamentares, desta vez do Pará.
No fim do ano passado, um relatório da PF mostrou que empresários investigados no esquema de compra e venda de emendas repassavam entre si o contato de Ana Paula Magalhães de Albuquerque Lima, chefe de gabinete de Alcolumbre.
O caso envolve o empresário baiano José Marcos Moura, conhecido como “Rei do Lixo”, e está no STF porque a PF suspeita da participação do deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA) no esquema. Todos os citados negam que tenham atuado para capturar o orçamento, mas as investigações provocam pânico no União Brasil, partido de Alcolumbre e Elmar.
A PF pediu que a investigação fosse encaminhada para o ministro do STF Flávio Dino, relator das ações que tratam de emendas na Corte, mesmo após o inquérito ter ido para as mãos de Nunes Marques. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, argumentou, porém, que não havia motivo para a mudança e o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, acatou o parecer.
A decisão de Barroso agradou a Alcolumbre, a Motta e à maioria do Congresso porque Dino é visto como algoz dos parlamentares desde que bloqueou um lote de emendas, no fim do ano passado. O magistrado comprou uma briga sem fim com a Câmara e o Senado ao determinar que o Legislativo informe o nome dos autores das emendas e para onde vão os recursos, além de exigir condições de rastreabilidade do dinheiro público.

Uma nova reunião marcada por Dino com a cúpula dos três Poderes para discutir o imbróglio, no próximo dia 27, não promete muitos avanços. Ao que tudo indica, o ministro do STF não vai ceder nem fará acordo de não persecução penal.
Enquanto isso, nada anda no Congresso, que ainda precisa votar a lei orçamentária de 2025 e parece estar à espera da reforma ministerial. Alcolumbre, por sinal, foi o avalista das indicações do União Brasil para os ministérios de Comunicações, Integração e Turismo na primeira metade do governo.
Agora, queria tirar da Esplanada o titular de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que é do PSD de Gilberto Kassab, mas teve o seu apoio – e também a benção do então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco – para ocupar o cargo. Sem sucesso. Perdeu a batalha porque Lula gosta de Silveira. Mesmo assim, continua travando uma guerra com o ministro pelo controle de agências reguladoras, como a Aneel.
Nesta quinta-feira, 13, Alcolumbre embarcará com o presidente para Macapá, onde vai participar com ele da inauguração de um campus do Instituto Federal do Amapá, da entrega de moradias do Minha Casa, Minha Vida, e da transferência de terrenos da União para o Estado.
Lula disse ao senador, antes da entrevista na qual criticou o “lenga-lenga” do Ibama para conceder licença à prospecção de petróleo na foz do Rio Amazonas, que o aval do instituto ambiental será anunciado em breve. Nessa disputa, Alcolumbre venceu a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que tem várias restrições à exploração na chamada Margem Equatorial, fronteira da costa brasileira que se estende do Amapá ao Rio Grande do Norte.
Apesar do momento “paz e amor” com Lula, o presidente do Senado está numa encruzilhada política. Não sem motivo: precisará do apoio de aliados de Bolsonaro para ser reconduzido ao comando da Casa legislativa, em fevereiro de 2027.
A interlocutores, Alcolumbre observou que, com a renovação de 54 dos 81 senadores nas eleições de 2026, bolsonaristas têm chance de ganhar mais cadeiras e obter maioria. Se esse cenário se confirmar, como ele prevê, o pragmatismo falará mais alto e mais acenos à direita serão feitos.
Até pouco tempo atrás, quando era presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Alcolumbre puxava ou soltava as rédeas das votações conforme seus interesses. Foi assim, por exemplo, que a CCJ aprovou a jato, em 2023, uma proposta que limitava os poderes de ministros do Supremo, referendada depois pelo plenário.
O projeto de anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de Janeiro de 2023 e o impeachment de ministros do STF também podem infernizar a pauta dessa temporada. Tudo depende agora da fatura que Lula e a Corte estarão dispostos a pagar.