Espaços públicos, caminhadas e urbanidade.

"Movido pela mente". O comovente livro de Ricky Ribeiro inspira a pensar nas cidades e amar a vida

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Por Mauro Calliari
Atualização:

"Adoraria poder parar o tempo para que cada passo meu durasse a eternidade". Ricky Ribeiro.

 

"Pôr-do-sol no Guaiba". Foto: Ricky Ribeiro

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Qual é a sensação de saber que é a última vez que vai caminhar por uma praia? Ou que este passeio de bicicleta pode ser o último? Ou que esta talvez seja a última chance de andar de montanha russa?

Ricky Ribeiro conta cada uma dessas sensações, na auto-biografia Movido pela mente, escrita em conjunto com Gisele Mirabai, a ser lançado na segunda, dia 4 de dezembro.

Diagnosticado com ELA - esclerose lateral amiotrófica, a mesma síndrome que tirou os movimentos do Stephen Hawkings, ele hoje se comunica com as pessoas através dos movimentos dos olhos.

Mas ele não se comunica apenas. Ele empreende, cria coisas novas, articula contatos e vive intensamente.

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Mesmo com a doença num estágio avançado, ele criou um portal de mobilidade que fez pesquisas inovadoras sobre as cidades brasileiras e pautou políticas públicas, foi ao Itaquerão assistir a um jogo da Copa, começou um namoro, foi padrinho de crianças, manteve o quarto cheio de amigos, responde emails de pessoas por todo o Brasil e ainda voltou a trabalhar na consultoria que o empregava antes da doença.

É um livro sobre o convívio com o diagnóstico terrível da doença até agora incurável.

Mas também é um livro sobre mobilidade, pois o Ricky pré-doença viajou o mundo todo e encantou-se com a bicicleta, o andar a pé, os bondes e os metrôs.

"Parque da Juventude". Foto: Ricky Ribeiro

Também é um livro sobre a alma das cidades - o prazer de explorar Recife a pé, a sensação inebriante das ruas de Barcelona e a satisfação de ver as ciclovias mudandoSão Paulo.

Também é um livro sobre empreendedorismo, pois Ricky é um realizador nato. Mesmo amarrado à cama, criou o portal Mobilize, arregimentando centenas de voluntários no Brasil e ainda criou um sistema de linguagem visual que tem sido usado por outros pacientes pelo Brasil.

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Mas o livro é, sobretudo, sobre o amor à vida e a busca pelo sentido.

Na primeira parte, vemos o jovem incansável, que trabalha, viaja, namora, toca violão e faz amigos.

A segunda parte mostra Ricky após receber o diagnóstico de ELA, que lhe daria uma expectativa de vida de no máximo cinco anos.

Quando se confrontam com uma notícia tão devastadora quanto uma doença terminal, as pessoas passam por várias fases, descritas pela psiquiatra suíça Katherin Kübler-Ross em sua obra essencial Sobre a morte o morrer: o choque, a negação, a raiva, a negociação, a depressão até a aceitação da doença.

Ricky Ribeiro passou logo por todas essas fases, mas chegou rapidamente à conclusão de que iria buscar ser feliz no tempo que lhe restasse, aceitando o conselho de um médico: "não sofra por antecipação".

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A partir daí, acompanhamos sua busca de adaptar-se à doença, ao mesmo tempo em que corre para fazer a última viagem, encontrar pessoas, fotografar as pessoas em suas cidades, encontrar os incontáveis amigos que fez em suas andanças, até instalar-se de vez na casa dos pais.

A essas alturas, o livro já nos levou para perto do paciente e vamos acompanhando-o enquanto ele encara cada um dos desafios que a doença traz.

Vemos quando ele se conforta com o tratamento de João de Deus em Abadiânia, em Goiás. Torcemos pelo seu transplante de células tronco na Alemanha. Perdemos um pouco o ar quando ele é obrigado a fazer a traqueostomia para não sufocar e respiramos felizes quando ele consegue dar um passeio numa nova cadeira de rodas na avenida Paulista aberta para os pedestres num domingo, ao lado de amigos e da família.

"Caminhando sobre os trilhos". Foto: Ricky Ribeiro

Talvez a paixão pela mobilidade essa seja a coisa mais surpreendente no livro, a decisão de ajudar as pessoas a se moverem pelas cidades, mesmo estando aprisionado na cama, ou como ele diz: "uma mente móvel em um corpo imóvel".

A metáfora da prisão aparece algumas vezes no livro, quando ele lembra de Nelson Mandela, saindo da sua cela após quase trinta anos. Outras grandes sagas de prisioneiros vêm à mente. Enquanto o conde de Monte Cristo planejava a sua vingança na cela, Papillon mergulhava em suas memórias e passava a tarde recriando as suas experiências mais banais, como um passeio em Pigalle com sua irmã.

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A vida de Ricky Ribeiro parece fortemente alicerçado no passado - seus muitos amigos, sua família enorme, suas viagens e suas realizações, mas tem um foco claro no futuro.

É dessa combinação que emerge sua força, tanto para superar a expectativa de vida dada no início da doença como para realizar coisas que desafiariam qualquer um de nós.

O livro Movido pela mente, no fundo no fundo, é uma inspiração para a vida, ao acompanhar a longa saga desde a infância até seus 38 anos desse rapaz que destrói preconceitos, encara com criatividade seus percalços e que parece acima de tudo, querer amar a vida em qualquer circunstância.

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