PUBLICIDADE

Cardoso Moreira, a cidade no lugar errado

Erguido no leito do Rio Muriaé, município sofre constantemente com inundações; metade dos moradores estava desabrigada na semana passada

PUBLICIDADE

Por Felipe Werneck e CARDOSO MOREIRA

"A gente é igual a sapo. Eu fui criada dentro d'água", disse a aposentada Jair Batista, de 82 anos, moradora de Cardoso Moreira, no noroeste fluminense. Erguida sobre o leito de cheia do Rio Muriaé, a cidade está condenada a inundações. A última, na semana passada, deixou metade dos 12,6 mil habitantes desabrigados ou desalojados.Precavida, Jair abasteceu a despensa com comida, água e gás para esperar a enchente. Ela é uma privilegiada: mora em uma parte mais alta do município e não precisou deixar sua casa. No entanto, 80% de Cardoso Moreira está dentro do leito de cheia do Muriaé, segundo estudo da Universidade Federal Fluminense (UFF). Cada morador tem uma história de enchente para contar. "É muito fácil culpar os céus, mas o que falta aqui é ação pública", reclamou o pastor da Assembleia de Deus Wagner da Cruz Vieira, de 36 anos, com um rodo na mão. Nas paredes do templo, a marca da água chegava a quase 2 metros. "A cidade precisa sair do leito do rio. A natureza vai retomar o que é dela. Nós é que estamos errados."No distrito de Outeiro, soldados do Exército distribuíam 4.500 litros de água. O temor de desabastecimento era grande. O pintor desempregado Edgar Durães, de 47 anos, garantiu o seu sustento e o de muita gente no rio que lhe tirou a casa. Ele carregava um balde com peixes e distribuía a amigos na parte baixa de Outeiro, ainda alagada uma semana após a inundação. A lavadeira Antônia Maria da Silva, de 59, abrigada em uma escola, ficou feliz da vida. "Garanti o almoço e a 'janta'."Instalada no ponto mais alto de Outeiro, a Igreja de Santa Rita de Cássia virou refúgio para desabrigados. O desempregado Marcelo Silva da Penha, de 36 anos, cuidava da mãe, Maria Sebastiana Silva da Penha, de 70, no local. "Não deu tempo de trazer tudo de casa. Perdemos muita coisa. É isso praticamente todo ano", lamentou Penha.O prefeito de Cardoso Moreira, Gilson Nunes Siqueira (PP), almoçou um prato feito com bombeiros e funcionários da Defesa Civil na quinta-feira. Ele afirmou ter a promessa do governo de investimentos de R$ 200 milhões para a construção de barragens com o objetivo de controlar enchentes - a cifra corresponde a quatro vezes o orçamento anual do município. "Não temos condições de reconstruir a cidade. O governo federal tem de mandar verba." O prefeito descartou a transferência de moradores. "Isso é impossível. O povo não aceita. O município acaba." Segundo ele, a cheia "é vagarosa" e "dá tempo de tirar as coisas" das casas. Siqueira está no terceiro mandato e é o quinto prefeito de Cardoso Moreira desde a emancipação de Campos. A cidade tem sua economia baseada na agricultura e na pecuária leiteira e rendimento médio domiciliar per capita de R$ 429. Em Três Vendas, distrito de Campos próximo de Outeiro, casas continuavam submersas uma semana após o rompimento de um trecho da BR-356 que funcionava como dique. Dezenas de famílias se recusavam a deixar o local, temendo saques, e dormiam nas lajes, aparentemente alheias aos riscos de contaminação. / COLABOROU LUCIANA NUNES LEAL

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.