'Fiscais do Aedes' compram briga contra água parada no bairro

Eles verificam a piscina do vizinho e plantas na casa de desconhecidos, assumindo até risco de discussões acaloradas

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Por Felipe Resk
3 min de leitura

Na luta contra o Aedes aegypti, mosquito que virou inimigo nacional por transmitir dengue, zika e chikungunya, há quem não se contente em seguir apenas a orientação de cuidar do próprio quintal. Em regiões de São Paulo onde o mosquito se prolifera e os casos de doença assustam moradores, essas pessoas se tornam verdadeiros “fiscais do Aedes”. Elas verificam piscina do vizinho, plantas na casa de desconhecidos, ponto viciado de descarte de lixo – e assumem o risco de protagonizar discussões, muitas acaloradas, com quem não está tão preocupado assim.

Em visita a bairros da capital, o Estado conversou com moradores das zonas leste, norte e oeste. Nessas áreas, a maioria das pessoas afirma tomar precauções para evitar água parada em casa, mas também costuma acusar vizinhos de serem descuidados. Por temer conflito com os outros, no entanto, elas preferem não repreender a vizinhança. Esse papel fica a cargo dos “fiscais do Aedes”.

Em 2015, o chaveiro Sergio Muñoz, de 44 anos, acompanhou no hospital a enteada de 17 anos, que contraiu dengue hemorrágica na Brasilândia, bairro da zona norte recordista em 2015 – 9.724 casos da doença. “Foi complicado, tinha de medir plaqueta todos os dias.” Desde então, supervisiona locais com potencial de foco.

Muñoz é o 'supervisor' da Brasilândia contra o Aedes Foto: Gabriela Biló|Estadão

A principal preocupação de Muñoz tem sido um ponto de descarte irregular na frente de uma escola na Rua Santa Cruz da Conceição, onde mora com os filhos. “Jogam lixo sem nem esperar o dia da coleta. Depois da chuva, as garrafas viram criadouros.” O chaveiro não economiza na bronca quando flagra um infrator e já arrumou confusão. “Sou agressivo, porque senão o mosquito vai continuar se proliferando. Por causa de alguns, todos se prejudicam.”

Com a recorrência da sujeira na rua, o muro da escola chegou a ganhar um grafite que pede às pessoas para manter a limpeza e jogar lixo em local apropriado. Uma placa alerta que quem faz descarte irregular pode ser multado. “As pessoas precisam se conscientizar, não é só o mosquito, também tem problema de rato, barata e mau cheiro.”

MEDO

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Em São Miguel Paulista, no extremo da zona leste, a dona de casa Tereza Santos, de 61 anos, olha com reprovação para a Avenida Deputado Doutor José Aristodemo Pinotti, aos fundos do Cemitério da Saudade. De braços cruzados e encostada no portão, ela testemunha uma enorme pilha de lixo, com restos de material de construção, sobras de madeira e até vaso sanitário, aumentar dia após dia.

Tereza também é uma espécie de “fiscal” e está sempre pronta para protestar contra quem resolve despejar mais entulho sobre o monte. “Todo mundo conversa para não deixar água parada nas casas, mas o que faz medo é esse lixo aí”, diz. “Eu tenho 61 anos, já pensou se o mosquito me picar? Tá doido!”, diz a dona de casa, que resolveu instalar telas nas janelas da sala para evitar entrada de insetos e ratos atraídos pela sujeira.

De acordo com dados da Prefeitura, a zona leste tem concentrado a maioria dos casos de dengue em 2016. Preocupada, Tereza passa boa parte do tempo de olho na rua e conta que os descartes irregulares acontecem principalmente de madrugada. “Quando a gente levanta, já está aquele lixão.”

Os vizinhos também se queixam dos riscos associados à sujeira, e as reclamações chegaram até a virar bate-bocas. “Pior que não é morador que vem jogar, não. É bêbado, moleque, desempregado. Eles recebem um dinheirinho e largam aqui mesmo. Tem gente que vem jogar até cachorro morto.”

Moradores da região dizem ter acionado a Prefeitura para retirar os entulhos em dezembro. Parte do lixo teria sido removida, mas, desde então, a pilha só fez crescer. Em nota, a Prefeitura de São Paulo afirma que a Subprefeitura de São Miguel vai fazer serviços de limpeza na área amanhã, mas que é necessária a “colaboração da população” para manter a limpeza. “Tal prática, além de crime ambiental, é passível de multa superior a R$ 16 mil”, diz.

PINHEIROS

Quando alguma reclamação sobre focos de Aedes chega à Associação dos Amigos de Alto dos Pinheiros, na zona oeste, a psicóloga Maria Helena Bueno, de 72 anos, não conta história. Pega o carro e vai verificar. Confirmado o problema, fotografa a cena e a imagem é enviada para mais de mil moradores do bairro que estão na lista de contatos da associação. Também compartilha nas redes sociais.

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“Estamos fazendo campanha desde 2015 pela internet. No ano passado, foram quatro pessoas com dengue só na minha casa. Eu tive febre e dor. O bairro tem muito Aedes, porque as casas têm plantas, vasos, piscinas.” Em 2015, a região teve 97 casos da doença. Maria Helena diz que as piscinas estão entre as principais queixas de moradores. “As pessoas ligam para reclamar e para que a gente tome providências. Falam que a piscina do vizinho está abandonada, mas quem vai entrar em uma casa que está fechada?” /COLABOROU PAULA FELIX  

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