Nunes veta mudança no zoneamento de Cidade Jardim, Alto de Pinheiros e mais bairros; entenda

Prefeitura afirma que alterações trariam insegurança jurídica ao mercado imobiliário; Câmara diz que veto é prerrogativa do prefeito. Outra mudança foi sancionada em dezembro, com fim do limite de barulho para shows.

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Foto do author Priscila Mengue

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), vetou integralmente o projeto de lei que fazia novas alterações na Lei de Zoneamento da cidade, o qual impactaria distritos como Cidade Jardim, Alto de Pinheiros, Santana, Sé e outros. A decisão foi publicada no Diário Oficial desta quarta-feira, 22. Em nota, a Câmara disse que o veto é “prerrogativa” do prefeito (leia mais abaixo).

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Outra alteração na mesma legislação foi sancionada por ele em dezembro, com mudanças no Programa Silêncio Urbano (PSIU) e retirada do limite de barulho para shows e grandes eventos.

Como o Estadão revelou, a Câmara pautou a votação de um projeto de lei de 2018 que originalmente não tinha mais efeitos práticos, pois fazia uma mudança pontual no zoneamento de um único imóvel do Pacaembu que já estava em vigor desde o início do ano passado. Mas na segunda e definitiva votação, em 20 de dezembro, foram aprovadas mais de 30 emendas, com novas alterações pontuais em terrenos específicos e quadras de diversos bairros da cidade.

Nas razões de veto, a gestão Nunes aponta que o texto implicaria em “modificações que afetam diretamente o planejado no âmbito”. Afirma ainda que novas alterações em um período de menos de um ano trariam “insegurança jurídica” para o mercado imobiliário.

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“Evidencia que as referidas modificações têm sido realizadas sem acompanhar os devidos estudos técnicos e as diretrizes dos instrumentos de planejamento urbano desta Municipalidade”, diz em um dos trechos.

O projeto de lei original era de autoria do vereador Rodrigo Goulart (PSD), atual secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho e relator das revisões da Lei de Zoneamento e do Plano Diretor, em 2023. Ao Estadão, em dezembro, respondeu que o texto não foi pautado por ele, tarefa ligada à Presidência da Câmara e admitiu que não tinha mais efeitos práticos.

Procurado, o Legislativo municipal disse que o “veto é uma prerrogativa do prefeito, assim como é prerrogativa da Câmara analisar todos os vetos”. “Atualmente não há nenhuma discussão sobre este tema. Essa análise se dará no momento oportuno”, acrescentou, em nota.

Parte do zoneamento de Alto de Pinheiros passou por recentes mudanças na Câmara Foto: Felipe Rau/Estadão - 13/06/2024

Por enquanto, não há sinalização de que o Legislativo derrubará os vetos. Em abril passado, uma parte dos trechos da revisão do zoneamento barrados por Nunes (com mais benefícios para o mercado imobiliário) foi retomada pelos vereadores. Desde então, essas alterações viraram lei e estão em vigor.

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Com emendas e textos substitutivos divulgados a dias e horas da votação, esse e outro projetos urbanísticos aprovados em uma maratona de votações às vésperas do recesso foram criticados por especialistas. Outro ponto destacado é que parte das propostas estava inserida em projetos inicialmente de mudanças pontuais, o que pode ser entendo como “jabuti”.

Um veto de Nunes - ao menos parcial - era esperado. Antes da votação, ele já havia sinalizado “grandes chances” de trechos barrados e de que seria feita análise técnica do texto.

Além disso, em plenário, o líder do governo, vereador Fabio Riva (MDB), ressaltou aos colegas que não havia compromisso de sanção. A sessão ocorreu na véspera do recesso do Legislativo, em uma sexta-feira, de forma híbrida e com grande parte dos vereadores presentes de forma exclusivamente virtual.

Grande parte das mudanças retirava restrições e trazia parâmetros mais flexíveis, como liberar prédios em um trecho de vizinhança antes restrito a casas. Ademais, diversas emendas eram de vereadores que não foram reeleitos para a atual legislatura.

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Câmara já havia aprovado revisão da Lei de Zoneamento no fim de 2023 Foto: Alex Silva/Estadão - 21/12/2023

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Nas razões de veto, a gestão Nunes diz que a sanção do projeto implicaria em “ações conflitantes com as diretrizes estabelecidas” pelo poder público. Menciona, então, mudanças na demarcação de áreas com zoneamentos voltados à preservação ambiental, de estímulo a empregos e para a habitação para a baixa renda.

Além disso, o governo salienta que se tratava de um segundo projeto no mesmo ano de alteração no mapa da Lei de Zoneamento — o que já havia ocorrido em julho de 2024. Também destaca que a Lei Orgânica do Município limita modificações “excessivas” no Plano Diretor e no zoneamento.

“Abre precedentes para significativa insegurança jurídica quanto ao regramento urbanístico, além de fragilizar a noção de planejamento na cidade, especialmente tendo em vista que as mudanças no tecido urbano não acontecem em período tão curto quanto o intervalo entre essas modificações”, completa. Não menciona, contudo, que a alteração no PSIU sancionada no mesmo dia da votação, em dezembro, também altera ambas as leis pela segunda vez no ano.

O Zoneamento e o Plano Diretor estão entre as mais importantes leis, ao definir regras e incentivos para o desenvolvimento urbano, desde novos parques a limites de barulho. Ambas estão ligadas a mudanças intensas recentes, como a concentração da maior parte dos novos prédios no entorno de metrô, trem e corredor de ônibus e o “boom” de microapartamentos, dentre outras.

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Veja abaixo algumas das principais mudanças vetadas:

Cidade Jardim

Emenda do então vereador Marlon Luz (MDB) de transformação a ZCOR de uma quadra da Avenida Alcides Sangirardi, nas imediações da Marginal do Pinheiros, na Cidade Jardim, em Zona Mista (ZM). Enquanto o atual zoneamento é voltado a ser um “cinturão” comercial de baixa estatura no entorno de uma área antes restrita a casas, a nova proposta previa aval a mais tipos de usos e construções de até 28 metros de altura.

A justificativa fazia referência à extinção de diversas quadras de ZER naquele entorno, cuja mudança havia sido vetada por Nunes. Foi, contudo, depois derrubada pelos vereadores, estando em vigor desde abril.

Além disso, horas antes da votação, mais uma emenda do vereador para aquele entorno foi apresentada. A proposta era voltada a quadras da Avenida das Acácias, da Rua Taques Alvim e da Rua Jaguanambi, que deixariam de ser Zona Exclusivamente Residencial (ZER) e passariam a ser Zona Corredor (ZCOR). Dessa forma, deixariam de estar em área restrita a casas, com a liberação de alguns tipos de estabelecimentos comerciais e de serviços de baixa estatura (até cerca de 10 metros).

Como o Estadão revelou, há ao menos uma incorporadora com planos para a região. Além disso, essa mudança no zoneamento — que abrange o entorno do Jockey Clube — tem sido questionada por uma associação local.

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Cidade Jardim passou por alterações recentes de zoneamento; mudanças em projeto aprovado em dezembro foram vetadas Foto: Felipe Rau/Estadão - 24/04/2024

Alto de Pinheiros

Outras propostas mudavam duas Zona Corredor do distrito Alto de Pinheiros, que passariam de ZCOR-2 para ZCOR-3, a qual permite mais tipos de comércios e serviços e de maior porte. As emendas envolviam imóveis específicos da Avenida Professor Fonseca Rodrigues, número 2026, e um único imóvel da Avenida Queiroz Filho, no nº 923, na divisa com a Vila Leopoldina.

A primeira proposta era do vereador Marlon Luz, enquanto a segunda era de Rinaldi Digilio (União Brasil), também não reeleito. Ambos apresentaram a mesma justificativa: os imóveis seriam “maiores do que a média da região” e têm localização de fácil acesso à Marginal do Pinheiros.

Na revisão do zoneamento, diversas quadras do distrito também passaram por alteração, em que corredores do cinturão comercial foram transformados em Zona de Centralidade, que permite prédios de até 48 metros. Como o Estadão mostrou, a alteração facilita a construção de um megatemplo no entorno, mas foi suspensa liminarmente pela Justiça.

Vila Andrade

Há uma emenda que previa a retomada de trechos de zona restrita a casas (ZER) de quatro quadras nas Ruas Conto Popular, Jaime Costa e General Pereira da Cunha, no distrito Vila Andrade. Esses endereços haviam perdido esse zoneamento em 2016, quando se tornaram Zona Mista (ZM), o que permite mais usos e edifícios de até 28 metros.

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A proposta de mudança para um zoneamento mais restritivo (apenas casas) era do vereador Rubinho Nunes (União Brasil), presidente da Comissão de Política Urbana da Câmara. Na emenda, justificava que “os imóveis compreendidos pelas quadras indicadas fazem parte de loteamento residencial caracterizado como tal até os dias atuais”.

Outra emenda transformava uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) na Rua Barão de Duprat, 41, em Zona de Centralidade (ZC), desse modo deixando de ter necessariamente uma futura construção voltada à moradia de baixa renda. A nova classificação permitia prédios de até 48 metros de altura. O imóvel fica na região da Rua 25 de Março.

Na justificativa, o então vereador Xexéu Tripoli (União Brasil) fala que a maior parte da quadra é ZC e que o imóvel tem um processo de construção nova aprovado para uso não residencial, já em obras. Desse modo, o atual zoneamento impediria “futuras ampliações”. Também menciona a “evidente vocação da região” (comercial).

Santana

Emenda do vereador Marcelo Messias (MDB) determinava mudanças em 24 quadras da Avenida Braz Leme, em Santana, zona norte, perto do Campo de Marte. Proposta semelhante havia sido aprovada pelos vereadores em outro projeto, mas foi depois vetada por Nunes.

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A emenda altera o zoneamento de Zona Eixo de Estruturação da Transformação Metropolitana Previsto (ZEMP) para Zona de Centralidade (ZC). Dessa forma, a altura máxima de novas construções aumentaria de 28 metros para 48 metros.

Embora a proposta fixasse padrões mais flexíveis, a classificação atual já tende a parâmetros ainda maiores. Isso porque o ZEMP está vinculado à elaboração do Plano de Intervenção Urbana (PIU) que Arco Tietê, o qual prevê obras de infraestrutura para o entorno e a definição de novas regras para cada quadra.

Na emenda, o vereador justifica que a população já fez passeata contra a implantação de um possível corredor de ônibus no entorno. Também diz que a avenida tem “o canteiro central com maior quantidade de árvores da região”.

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