Morte do delator do PCC e policiais militares presos: o que as investigações apontam

Operação da Polícia Militar prendeu 14 PMs da escolta do empresário Antônio Vinicius Gritzbach e um suspeito do assassinato no Aeroporto de Guarulhos

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Foto do author Caio Possati
Atualização:

Uma operação da Polícia Militar deflagrada nesta quinta-feira, 16, prendeu 15 PMs suspeitos de envolvimento com o ex-empresário e delator do Primeiro Comando da Capital (PCC), Antônio Vinicius Gritzbach, executado no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em novembro do ano passado.

Entre os militares detidos, 14 faziam parte da equipe de segurança pessoal de Gritzbach, o que a Secretaria da Segurança Pública aponta como irregular. Todos os agentes eram da ativa e já eram investigados por ligações com o crime organizado. Já o outro PM preso, o cabo Dênis Antônio Martins, é apontado como um dos autores dos disparos que mataram o empresário. A defesa de Martins não foi localizada.

Operação prendeu 15 policiais militares suspeitos de ligação com o empresário e delator Antônio Vinicius Gritzbach, executado em novembro do ano passado. Foto: Ítalo Lo Re/Estadão

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As prisões foram deflagradas a partir de uma investigação feita pela Corregedoria da Polícia Militar, que cumpriu, no total, 14 mandados de prisão preventiva, um de prisão temporária (contra o possível atirador), e outros sete de busca e apreensão em endereços na capital e Grande São Paulo.

Veja abaixo o que se sabe sobre a operação e as prisões deflagradas.

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Quem são os policiais militares presos na operação?

  1. Erick Brian Galioni (soldado)
  2. Jefferson Silva Marques (soldado)
  3. Leandro Ortiz (cabo)
  4. Giovanni de Oliveira Garcia (1º tenente)
  5. Talles Rodrigues Ribeiro (soldado)
  6. Alef de Oliveira Moura (soldado)
  7. Julio Cesar Scalett Barbini (cabo)
  8. Abraão Pereira Santana (soldado)
  9. Samuel Tillvitz da Luz (soldado)
  10. Leonardo Cherry de Souza (cabo)
  11. Adolfo Oliveira Chagas (soldado)
  12. Wagner de Lima Compri Eicardi (cabo)
  13. Romarks Cesar Ferreira de Lima (cabo)
  14. Thiago Maschion Angelim da Silva (1º tenente)

Dos outros 14 policiais, o Estadão conseguiu localizar a defesa de quatro agentes (Ortiz, Ferreira de Lima, Eicardi e Angelim da Silva), mas o advogado responsável, Joao Carlos Campanini, disse que ainda não iria se posicionar.

Além destes 14 agentes, o outro PM detido na operação foi o cabo Dênis Antonio Martins, de 40 anos. A defesa do cabo não foi localizada pela reportagem.

Por que o cabo Dênis Martins foi preso?

Martins foi preso sob a suspeita de ser um dos dois atiradores que executaram Gritzbach. A investigação chegou ao atirador por meio de um trabalho de reconhecimento facial feito com base nas imagens do dia do ataque. Segundo a polícia, o atirador não teria relação com os policiais que atuavam na escolta ilegal do delator.

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A prisão de Dênis Antonio Martins não foi pela acusação de homicídio, mas por outro crime apontado pela Corregedoria: o de reunião com militares com armamento ou material bélico para praticar violência, conforme o artigo 150 do Código Penal Militar.

Essa foi uma maneira, segundo o Estadão apurou, de a Corregedoria pedir a prisão sem invadir a competência da Polícia Civil. Mais tarde, o DHPP pediu a prisão do cabo Dênis Antônio e mais duas pessoas que teriam ajudado na execução.

Denis Antonio Martins, preso suspeito de ser o atuor dos disparos contra Vinicius Gritzbach. Foto: Reprodução Foto: Reprodução

Por que os outros 14 policiais militares foram presos?

Já os 14 policiais faziam a segurança particular de Antônio Vinicius Gritzbach, que era investigado por ligações com o PCC e também era réu na Justiça por duplo homicídio de líderes do PCC. Esses agentes estavam afastados de suas funções desde o dia da execução, 8 de novembro.

Os PMs já eram investigados pela Corregedoria da Polícia Militar, em processo instaurado em abril de 2024, que apura ligações de agentes das forças de segurança com o crime organizado. A operação teve início após denúncia anônima recebida em março, apontando que informações sigilosas que favoreciam criminosos da facção haviam sido vazadas.

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Além disso, o serviço de escolta priva a Griztbach, feito fora da corporação, foi apontado como ilegal pela Secretaria de Segurança Pública. Dentro deste grupo, estão dois tenentes, que não atuavam diretamente na função como segurança, mas realizavam funções administrativas e logísticas.

Segundo a PM, as investigações apontaram que tais ações “caracterizavam a integração de policiais à organização criminosa, conforme previsto na Lei Federal 12.850/13″.

O secretário Guilherme Derrite, chefe da pasta de segurança, afirmou que os militares prestavam serviço “para um criminoso”. Nem todos do grupo estavam no dia em que o empresário foi executado.

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O que aponta a investigação da Polícia Civil?

As prisões foram deflagradas por meio de uma investigação da Corregedoria da Polícia Militar. Mas a Polícia Civil também apura o caso e pediu a prisão do cabo Dênis Antônio Martins por homicídio por meio do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP).

A Polícia Civil pediu também a prisão de mais duas pessoas que supostamente auxiliaram Kauê Amaral Coelho a fugir depois do assassinato de Gritzbach. Coelho atuou como olheiro para os executores do crime, conforme a investigação. Ele já foi identificado, mas segue foragido. A suspeita é de que essas pessoas ainda estejam o ajudando nesta fuga.

Quem são essas duas pessoas que ajudam o olheiro, segundo a investigação?

Uma delas já foi presa. Trata-se de Jackeline Moreira, de 28 anos. Ela é apontada como namorada de Kauê Amaral Coelho, e foi presa temporariamente por tráfico de drogas, com base em informações coletadas em quebra de sigilo telemático, segundo a investigação. O Estadão não conseguiu localizar a defesa de Jackeline. À polícia, ela negou envolvimento com o crime e com o suposto olheiro.

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Investigações apontam que Jackeline Moreira é suspeita de ajudar olheiro que trabalhou para o PCC na execução do Antônio Vinícius Gritzbach. Foto: Reprodução/Intagram/@jacke.moreiraa

Quem é o mandante do crime?

Ainda não se sabe quem é o mandante do assassinato de Antônio Vinicius Gritzbach. A principal suspeita é de que ela seja integrante do PCC. Outra informação que a polícia ainda precisa descobrir é a identidade do outro atirador que executou o ex-empresário.

A expectativa é de que o depoimento de Dênis Martins ajude a polícia e chegar ao segundo atirador - a polícia suspeita que também seja um PM. Espera-se também que os celulares dos policiais, que foram apreendidos na operação, forneçam informações que ajudem as investigações avançarem.

Quem era o delator Antônio Vinícius Gritzbach?

Antonio Vinicius Lopes Gritzbach estava no centro de uma das maiores investigações feitas até hoje sobre a lavagem de de dinheiro do PCC em São Paulo, envolvendo os negócios da facção na região do Tatuapé, zona leste paulistana.

Sua trajetória está associada à chegada do dinheiro do tráfico internacional de drogas ao PCC. Ele fechara acordo de delação premiada em abril. Em reação, a facção pôs um prêmio de R$ 3 milhões pela sua cabeça.

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Gritzbach era um jovem corretor de imóveis da construtora Porte Engenharia quando conheceu o grupo de traficantes de drogas de Anselmo Bechelli Santa Fausta, o Cara Preta. Vinícius Gritzbach foi demitido pela empresa em 2018.

Foi a acusação de ter mandado matar Cara Preta, em 2021, que motivou a primeira sentença de morte contra ele, decretada pela facção.

Para a polícia, Gritzbach havia sido responsável por desfalque em Cara Preta de R$ 100 milhões em criptomoedas e, quando se viu cobrado pelo traficante, decidira matá-lo. O empresário teria contratado Noé Alves Schaum para matar o traficante.

O crime foi em 27 de dezembro de 2021. Além de Cara Preta, o atirador matou Antonio Corona Neto, o Sem Sangue, segurança do traficante. Conforme as investigações, Schaum foi capturado pelo PCC em janeiro de 2022, julgado pelo tribunal do crime e esquartejado por um criminoso conhecido como Klaus Barbie, referência ao oficial nazista que atuou na França ocupada na 2ª Guerra, onde se tornou o Carniceiro de Lyon.

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O que Gritzbach delatou para as autoridades?

Ele deu seis depoimentos e forneceu gravações, cópias de mensagens e documentos aos promotores do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo.

Na delação, ele dá detalhes sobre o envolvimento do PCC com o futebol e o mercado imobiliário, além de denunciar corrupção policial e a infiltração de membros da facção em fintechs.

Ele relatou como inquéritos foram suspostamente manipulados por policiais para livrar integrantes do PCC da acusação de crimes, mediante pagamento de propinas em dinheiro e até mesmo com a transferência da propriedade de imóveis.

A trilha da corrupção, segundo Gritzbach, acontecia da seguinte forma: integrantes da facção pagavam propina a policiais para ficarem livres das acusações. Os policiais tinham o álibi de terem aberto o inquérito e supostamente investigado, enquanto os criminosos, ganhavam um atestado oficial da polícia de que nada contra eles havia sido encontrado.

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De acordo com o empresário, a propina paga por um dos investigados teria chegado, segundo ele, a R$ 70 milhões, e acusa agentes da Polícia Civil de crimes de corrupção passiva, associação criminosa e concussão (ato de servidor público exigir vantagem indevida).

Gritzbach deu de exemplo o próprio caso. Quando estava sendo acusado pelo duplo homicídio de Cara Preta e Sem Sangue, ele acusa agentes da Polícia Civil de pediram a ele R$ 40 milhões de propina para livrá-lo da acusação.

E, quando foi preso por este crime, relatou que policiais teriam levado de sua casa uma bolsa com R$ 20 mil e uma caixa com relógios luxuosos. O estojo foi devolvido, mas com cinco relógios a menos.

Em parte de seus depoimentos, Gritzbach citou também que uma fintech seria presidida por um investigador de polícia do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). A empresa teria movimentado R$ 30 bilhões por ano em negócios entre grandes empresas e bancos.

As fintechs se tornaram um dos principais caminhos usados pelos promotores do Gaeco para investigar a lavagem de dinheiro do PCC oriundo do tráfico de drogas. Um dos esquemas envolvia a criação de contas invisíveis, que despistariam o rastreamento de autoridades e, assim, facilitariam a lavagem de dinheiro.

O delator acusou integrantes da facção criminosa, como Cara Preta e Rafael Maeda, o Japa do PCC (ambos assassinados), de serem donos e sócios desses empreendimentos financeiros, e fazerem esquemas até com clubes de futebol para ocultar a origem do dinheiro ilegal. O Estadão não conseguiu contato com os acusados.

Cinco meses antes de ser morto, o empresário entregou provas documentais também ao Gaeco sobre como funcionava o esquema de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas com a compra de imóveis de luxo na Riviera de São Lourenço, condomínio de alto padrão no litoral norte paulista.

Gritzbach gravou ainda uma conversa na qual é citada uma oferta milionária entre os bandidos pela sua cabeça. Ele entregou aos promotores o áudio em que o advogado Ahmed Hassan, o Mude (segundo ele ligado à cúpula da facção), falava do prêmio, e que aumentaria de R$ 300 mil para R$ 3 milhões a recompensa pela sua morte.

Qual o efeito das delações do empresário?

Em dezembro, uma operação da Polícia Federal e do Ministério Público prendeu um delegado e três policiais civis de São Paulo suspeitos de envolvimento com o PCC. A ação foi resultado do cruzamento de investigações sobre a facção e das informações colhidas na delação de Gritzbach

Entre os presos, está o delegado Fábio Baena e os investigadores Eduardo Lopes Monteiro, Marcelo Ruggieri e Marcelo Bombom. A operação prendeu quatro pessoas apontadas como responsáveis pela lavagem de dinheiro da facção, incluindo o advogado Ahmed Hassan Saleh, o Mude.

Na época, a defesa de Baena e Lopes Monteiro afirmou que a prisão dos dois era uma “arbitrariedade flagrante”. A defesa de Saleh disse que buscaria revogar a prisão temporária, enquanto o advogado Anderson Minichillo, que representa Ruggieri, comentou na ocasião que a defesa ainda não tinha tido acesso aos autos e aos motivos da decretação da prisão.

Em 20 de dezembro, o governo afastou o diretor do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), Fábio Pinheiro Lopes, também citado na delação, por supostamente estar envolvido em esquemas de lavagem de dinheiro do PCC. Gritzbach diz que teria enviado propina para Lopes, que chefiava o Deic enquanto o delator era alvo de uma investigação por duplo homicídio.

O delegado afirma que a investigação sobre Gritzbach foi feita “na mais estrita legalidade” e diz que ele “jamais obteve qualquer vantagem”. A Secretaria da Segurança Pública do Estado informou que o afastamento foi realizado para “garantir a isenção das investigações”.

Além de Lopes, foi afastado o delegado Murilo Fonseca Roque, que atuava em São Bernardo do Campo, região metropolitana. Segundo depoimento de Gritzbach, Roque também seria um dos destinatários de propina quando era titular do 24º Distrito Policial (Ponte Rasa), no começo de 2022. A defesa do policial, na época, não foi localizada.